Vacina da Oxford não possui eficácia contra a variante Sul-Africana na prevenção de COVID-19 leve a moderada, indica estudo
Com a disseminação sem controle do vírus em alguns países, especialmente no Brasil, várias variantes de preocupação estão emergindo, com três mais preocupantes e mais bem estabelecidas até o momento: P.1 (Brasileira), B.1.1.7 (Britânica) e a B.1.351 (Sul-Africana). No caso da B.1.351 – similar em mutações chaves à P.1 -, já existe ampla evidência de forte evasão imune e maior transmissibilidade, sendo ainda certo se existe maior virulência. Agora, em um estudo de alta qualidade publicado no periódico The New England Journal of Medicine (1), pesquisadores reportaram que a vacina da Oxford (ChAdOx1 nCoV-19) possui sua eficácia drasticamente reduzida - praticamente anulada - contra o desenvolvimento de COVID-19 leve a moderada causada por infecção da B.1.351. Porém, é esperado que a vacina consiga prevenir casos severos da doença causadas pelas atuais variantes em circulação.
A vacina da Oxford - ChAdOx1 nCoV-19 (AZD1222) - é feita a partir de um vírus (ChAdOx1) que foi geneticamente modificado de um adenovírus de resfriado comum em chimpanzés, visando incapacitá-lo de se proliferar em humanos. No entanto, o vírus modificado ainda possui a capacidade de infectar células humanas e entregar o material genético responsável por expressar a proteína Spike (S) associada à estrutura proteica do SARS-CoV-2. Esse material genético foi artificialmente adicionado à estrutura do ChAdOx1 via edição genética.
A proteína S é crucial para a capacidade de infecção do SARS-CoV-2 - com a ajuda do receptor ACE2 (Como a COVID-19 mata?) - nas células humanas, e constitui as famosas coroas na superfície das partículas virais dos coronavírus. A proteína S é o alvo preferencial dos anticorpos humanos. Ao vacinar as pessoas com o ChAdOx1 nCoV-19, os cientistas esperam fazer o corpo reconhecer a proteína S e desenvolver respostas imunes específicas (anti-SARS-CoV-2) que irão ajudar a impedir que o vírus infecte as células humanas, prevenindo infecção e subsequente desenvolvimento da COVID-19. Em testes clínicos de Fase 3, A AZD1222 mostrou eficácia global de 62% a 90% contra a COVID-19 sintomática (!).
(!) Para mais informações, acesse: Vacina da Oxford mostrou 70% de eficácia contra a COVID-19
Porém, assim como é o caso para outras vacinas hoje sendo aplicadas de forma massiva contra a COVID-19, a AZD1222 é baseada em uma cepa prévia do SARS-CoV-2, e os anticorpos e células imunes induzidos por esse imunizante podem não reconhecer de forma tão efetiva as novas variantes de preocupação, especialmente aquelas carregando a mutação E484K (ex.: P.1, P.2 e B.1.351).
Nesse sentido, para investigar a eficácia da vacina AZD1222 contra a nova variante Sul-Africana, pesquisadores conduziram um estudo randomizado duplo-cego, placebo-controlado em múltiplos centros clínicos, englobando 2026 pessoas na África do Sul não-infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e com idades variando de 18 até 65 anos (média de idade de 30 anos). Os participantes foram divididos em dois grupos (razão 1:1): pessoas recebendo duas doses da vacina separadas por 21-35 dias, e pessoas recebendo duas doses de uma solução placebo (solução salina 0,9%) separadas pelo mesmo intervalo de tempo.
Os resultados da análise primária mostraram que COVID-19 leve a moderada se desenvolveu em 23 de 717 participantes que receberam o placebo (3,2%) e em 19 de 750 que receberam a vacina (2,5%), uma eficácia global de 21,9%. Entre os 42 participantes que desenvolveram COVID-19 sintomática, 39 casos (92,9%) foram causados pela variante B.1.351. A partir de uma análise secundária desses últimos dados, a eficácia da vacina contra a variante Sul-Africana mostrou ser de apenas 10,4%. Incidência de sérios eventos adversos foram similares em ambos os grupos.
Os pesquisadores concluíram que o regime de duas doses da vacina ADZ1222 não mostrou proteção contra COVID-19 leve a moderada causada pela variante B.1.351.
“Um estudo clínico englobando apenas 2026 participantes é considerado pequeno, enquanto que testes clínicos de Fase 3 englobam dezenas de milhares de participantes”, disse Shabir Madhi, Diretor Executivo da Unidade de Pesquisa VIDA (Vaccines and Infectious Diseases Analytics), da Universidade de Witwatersrand (WU), Johannesburg, e autor principal do novo estudo clínico, em entrevista ao jornal da WU (2). “Porém, os notáveis dados gerados pelo nosso 'pequeno' estudo são irrefutáveis, e as implicações profundas.”
Como não houve casos de COVID-19 severa no grupo analisado pelo estudo, especialmente considerando a faixa de idade e perfil clínico dos participantes, é ainda inconclusivo se a vacina ADZ1222 protege contra casos severos de COVID-19 causada pela variante Sul-Africana, mas é provável que mesmo proteção parcial fornecida pelo imunizante seja suficiente para impedir uma progressão severa da doença (prevenção de mortes e internações). Estudos clínicos mais robustos e de maior porte serão necessários para esclarecer a questão.
“Enquanto que a vacina da Oxford – assim como várias outras vacinas contra a COVID-19 de primeira geração – é improvável de interromper as transmissões do SARS-CoV-2 ou proteger contra infecções leves causadas pela variante B.1.351, essas vacinas de primeira geração podem ainda fornecer a única opção sustentável de prevenir colapso dos nossos hospitais com casos severos de COVID-19, e de mitigar as mortes por COVID-19 quando a terceira onda emergir, “ completou Madhi.
No momento, a AstraZeneca (em parceria com a Universidade de Oxford) e outras companhias farmacêuticas estão desenvolvendo vacinas contra a COVID-19 de 2° geração, com base nas novas variantes. O novo estudo reforça a necessidade de atualização das vacinas. Porém, as únicas vacinas que provavelmente estarão disponíveis pela maior parte de 2021 serão aquelas formuladas contra o vírus original (cepas derivadas do epicentro epidêmico em Wuhan, China). A vacina ADZ1222 será uma das mais acessíveis de todas as atuais vacinas sendo autorizadas - devido ao baixo custo logístico -, e é esperado que aproximadamente 3 bilhões de doses sejam produzidas durante 2021, com um dos menores custos disponíveis. Mesmo proteção parcial contra as novas variantes de preocupação já ajuda a controlar a pandemia caso as campanhas de vacinação continuem avançando e sejam aceleradas em países como o Brasil e os EUA.
A vacinação efetiva de grande parte da população será essencial até que novas vacinas atualizadas estejam disponíveis, concomitantes com medidas não-farmacológicas de controle epidêmico (uso universal de máscara, distanciamento social, e, quando necessário, lockdown).
-----------
IMPORTANTE: Dados iniciais apontam que a vacina do Butantan contra a COVID-19 é capaz de combater as variantes P.1 (também conhecida como amazônica) e P.2 (do Rio de Janeiro) do novo coronavírus. O estudo está sendo realizado em parceria com o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e incluiu as amostras de 35 participantes vacinados na Fase 3 realizada pelo Butantan. Nesse sentido, é válido lembrar que a vacina do Butantan é baseada em tecnologia tradicional, de inativação do vírus, conferindo mais regiões onde os anticorpos e outras células imunes podem atuar. Para mais informações, acesse: Vacina CoronaVac possui eficácia clínica de 78% contra casos leves e de 100% contra casos graves da COVID-19
ATUALIZAÇÃO: Segundo resultados divulgados na mídia de um estudo in vitro realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford (e investigando a capacidade de neutralização de anticorpos produzidos por pacientes imunizados), a vacina ADZ1222 parece ser eficaz contra a variante Brasileira P.1.
------------
(1) Publicação do estudo: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2102214
Referência adicional: University of the Witwatersrand