Cientistas revelam um sinistro e misterioso massacre que ocorreu há mais de 6 mil anos
Em um estudo publicado no periódico PLOS ONE (1), pesquisadores realizaram uma análise genômica de 41 esqueletos de uma cova associados a um massacre que ocorreu em Potočani, Croácia, há cerca de 6200 anos. Os esqueletos são associados à cultura Lasinja do Eneolítico Médio (Idade do Cobre). Foi possível recuperar dados genômicos de 38 dos 41 indivíduos (21 do sexo masculino e 20 do sexo feminino).
Ali existiam duas crianças de 2 a 5 anos, nove crianças entre 6 e 10 anos, dez adolescentes entre 11 e 17 anos, quatorze adultos com idades entre 18 e 35 anos e cinco adultos com idades entre 36 e 50 anos. Em um dos adultos, a idade não pôde ser determinada com exatidão. As análises genéticas também revelaram que enquanto alguns indivíduos na cova estavam ligados por laços familiares (ex.: um jovem adulto, suas duas filhas e seu sobrinho estavam todos na cova), a maioria dos indivíduos (70%) não possuíam parentesco. Porém, todos possuíam uma ancestralidade muito próxima e homogênea (predominantemente Neolítica Anatoliana com ~9% de ancestralidade de caçadores coletores da Europa Ocidental), indicando uma população local grande e estável, e tornando improvável que o massacre ocorreu por causa da chegada de um novo e geneticamente não-relacionado grupo. O grupo foi alvo de uma matança indiscriminada, algo suportado principalmente pelo fato de não existir tendências nas mortes orientadas por sexo ou idade.
Apesar de não ser possível saber com certeza o que exatamente aconteceu com as evidências disponíveis e a natureza “complexa e multifatorial” desses eventos, os autores do estudo sugeriram que uma possível razão para o massacre foi a combinação de condições climáticas e/ou um significativo aumento do tamanho populacional, gerando conflitos internos por recursos, medo e culpabilização pelas adversidades a um grupo específico dentro da população local.
Os resultados do estudo também representam evidência mostrando que matanças indiscriminadas não são restritas apenas a períodos modernos e históricos, ocorrendo mesmo em períodos pré-históricos. Estudos futuros em sítios arqueológicos de antigos massacres serão necessários para determinar o quão frequente era esse tipo de violência. Até o momento, análises genômicas e antropológicas de antigos massacres têm revelado apenas casos onde as vítimas tinham sido plausivelmente mortas em uma batalha (homens em maioria), em conflitos internos ‘dentro-vs-fora’ (como a eliminação de famílias específicas ou recentes migrantes), ou como parte de um ritual religioso.
Os exemplos de massacres modernos mostram que esses eventos são geralmente processados (e não eventos singulares) com certos padrões de violência que se desdobram ao longo do tempo e são manifestados em uma variedade de formas. Segundo alguns autores, os massacres são caracterizados por um complexo mental o qual envolve desvalorização e destruição da identidade das vítimas geralmente vistas pelos agressores como “os outros”, e apenas depois que esse processo é finalizado as vítimas são assassinadas. Em outras palavras, líderes culpam um certo grupo pelo sofrimento e dificuldades presentes na sociedade como um todo, enquanto sugerindo que a situação irá melhorar e a sociedade será salva após o grupo ser eliminado. Canalizando a ansiedade comunitária em medo do grupo alvo resulta em ódio contra o grupo, “os outros”, com o ódio finalmente se transformando em um desejo de eliminar a ameaça (“os outros”).
> O achado no novo estudo reforça a proposta de que a nossa espécie (Homo sapiens) sempre foi muito violenta (mais chimpanzés do que bonobos), contrário à ideia de que a violência extrema só começou a ficar comum no período histórico. Leitura recomendada: A sociedade humana está menos violenta do que no passado?
(1) Publicação do estudo: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0247332