Percepção visual de humanos muda dependendo do ambiente cultural de criação, aponta estudo
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Figura 1. Ilusão de óptica conhecida como Ilusão de Coffer. |
Na imagem da Fig.1, o que você vê? Uma série de retângulos ou uma série de círculos? Geralmente a resposta obtida é a primeira opção: uma série de retângulos. Porém, de acordo com um recente estudo publicado ainda como preprint (1) - mas comentado na Science (2) -, pessoas do povo Himba, habitantes de áreas rurais na Namíbia, não são afetadas por essa ilusão de óptica como observado na contraparte urbana: com raras exceções, elas veem prontamente uma série de círculos. Esse e outros achados do estudo sugerem que a visão dos humanos é moldada também pelo ambiente onde as pessoas crescem - uma antiga e controvérsia ideia no campo da neurociência. Pessoas que crescem em um ambiente industrializado (urbano) parecem ver o mundo de forma, literalmente, diferente daquelas que crescem em um ambiente natural (rural).
"Eu estou surpresa que você não consegue ver os círculos," disse em entrevista por Zoom Uapwanawa Muhenije, moradora de uma vila no norte da Namíbia (Ref.2). "Eu fico me perguntando como você não consegue vê-los."
O estudo foi conduzido por um time internacional de pesquisadores, incluindo os psicólogos Ivan Kroupin e Michael Muthukrishna da Faculdade de Economia de Londres, Reino Unido, e a antropóloga Helen E. Davis da Universidade do Estado do Arizona, EUA. Os pesquisadores analisaram três populações representando um espectro gradual entre ambientes rurais e urbanos:
- 263 pessoas residindo em áreas altamente urbanizadas nos EUA e no Reino Unido (130 do sexo feminino e idade média de ~39 anos);
- 113 pessoas da população de Opuwo, um município semi-urbano com construções retangulares dentro de um ambiente natural típico da região (54 do sexo feminino e idade média de ~31 anos);
- 113 pessoas da tribo Himba, residindo em vilas tradicionais com pouca ou nenhuma estrutura ou objeto retangular (67 do sexo feminino e idade média de ~33 anos).
Na ilusão de Coffer, pessoas que vivem nos EUA, Reino Unido e outras regiões urbanas quase sempre reportam ver primeiro uma série de retângulos na imagem, e frequentemente têm dificuldade em ver os círculos (Fig.2). No estudo, 97% dos participantes britânicos e norte-americanos seguiram esse padrão esperado. Os autores do estudo sugeriram que isso é porque as pessoas em áreas urbanas ou industrializadas estão cercadas por arquiteturas e objetos retangulares (casas, prédios, telas, mobílias, eletrodomésticos, etc.) atípicos de ambientes naturais. Nesse mesmo sentido, e em contraste, o povo Himba vive em vilas tradicionais constituídas de cabanas arredondadas cercadas por currais circulares (Fig.3). No estudo, 96% dos participantes Himba reportaram ver os círculos primeiro na ilusão de Coffer, e quase metade (48%) deles não conseguiram ver os retângulos mesmo quando informados da existência desse padrão geométrico na imagem; apenas 2% reportaram ver apenas retângulos.
Para os participantes de Opuwo (área semi-urbana), a grande maioria viu círculos e então retângulos (67%), 19% viram apenas círculos e 13% viram apenas retângulos. Em outras palavras, uma performance intermediária entre as áreas urbanas e rurais - e consistente com a ideia de que o ambiente de criação influencia na percepção visual.
Os autores do estudo replicaram o experimento com a ilusão de Coffer - trazendo variações na tarefa e com novos participantes das três populações analisadas - e obtiveram resultados similares, reforçando os achados.
Além da ilusão de Coffer, os pesquisadores também analisaram outras cinco ilusões de óptica. Em quatro dessas ilusões, os Nimba demonstraram ter uma percepção visual muito distinta em relação aos participantes norte-americanos e britânicos, percebendo facilmente padrões visuais que não eram óbvios para esses últimos - e vice-versa. Algumas dessas ilusões têm sido tradicionalmente assumidas de depender de mecanismos visuais universais (ex.: formas de Gestalt, parede de Cafe, cegueira de curvatura). Mas assim como recentemente demonstrado para a dança e canções de ninar (1), muitos traços tradicionalmente pensados universais (biologicamente enraizados) podem ser fruto de construção e transmissão culturais ou sociais (2).
Leitura recomendada:
- (1) Dança e canção de ninar não são comportamentos humanos universais, aponta estudo
- (2) Encarar riscos e rotação mental diferem naturalmente entre homens e mulheres?
Apesar dos humanos modernos terem habitado ambientes naturais ou rurais pela maior parte da história evolutiva desde a emergência na África, pesquisas científicas explorando a visão humana têm sido feitas feitas quase que exclusivamente em amostras limitadas de populações urbanas e com resultados na área de percepção visual sendo extrapolados para todos os indivíduos da espécie (traços universais). Os achados do novo estudo trazem evidência que desafia esse tipo de extrapolação.
Mas os autores do estudo realçaram que os achados não são uma prova definitiva de que fatores culturais ou ambientais são os responsáveis por afetar a percepção visual para as ilusões investigadas, e muito menos evidência para mecanismos neurobiológicos específicos para o funcionamento dessas ilusões ópticas. Os achados são um alerta para o design de estudos futuros sobre percepção visual na nossa espécie e as conclusões de estudos prévios.
Leitura recomendada:
REFERÊNCIAS
- Kroupin et al. (2025). Visual illusions reveal wide range of cross-cultural differences in visual perception. [PsyArxiv Preprints]. https://osf.io/preprints/psyarxiv/gxzcp_v3
- https://www.science.org/content/article/culture-literally-changes-how-we-see-world
