Cientistas criaram a molécula mais energética já sintetizada, e é um alótropo de nitrogênio
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Figura 1. Molécula de hexanitrogênio e sua estrutura molecular. |
Em um estudo publicado no periódico Nature (Ref.1), cientistas reportaram a síntese efetiva da molécula mais energética já criada. Especificamente, é a segunda molécula metaestável ou estável constituída apenas de nitrogênio além do gás dinitrogênio ou nitrogênio (N2) - que compõe a maior parte do total de gases atmosféricos. Chamada de hexanitrogênio, a molécula é formada por 6 átomos de nitrogênio (N6) e só é estável quando resfriada a temperaturas muito baixas. Em temperatura ambiente, o N6 é metaestável e rapidamente quebrado. liberando no processo o dobro de energia por unidade de massa do HMX, atualmente o explosivo químico mais poderoso do mundo.
"Esse feito é espetacular e, na minha opinião, é válido de um Prêmio Nobel," disse em entrevista o químico Karl Christe, um pesquisador na Universidade da Califórnia do Sul e pioneiro na área de alótropos de nitrogênio, mas sem envolvimento com o novo estudo (Ref.2).
Compostos consistindo apenas do elemento nitrogênio (N) - chamados de polinitrogênios ou alótropos de nitrogênio - são considerados materiais promissores para armazenamento de energia limpa devido ao imenso conteúdo energético associado que é muito maior do que o gás hidrogênio (H2), amônia (NH3) ou hidrazina (N2H4) - comumente usados como combustíveis - e ao fato de liberarem apenas N2 após decomposição. O N2 é relativamente inerte, representa o principal componente do ar atmosférico, é atóxico e não é um gás estufa. Porém, a extrema instabilidade dos alótropos de nitrogênio dificulta a síntese desses compostos e nenhum alótropo neutro de nitrogênio tem sido isolado em laboratório ou observado na natureza além do N2.
Enquanto alguns cátions e ânions de polinitrogênio (ex.: N5+ e N5-) têm sido isolados - tipicamente na forma de sais - apenas dois alótropos neutros de nitrogênio têm sido detectados em experimentos químicos. Primeiro o radical azida (•N3), identificado em fase gasosa através de espetroscopia rotacional em 1956 (Fig.2). E, em 2002, a molécula N4 foi detectada via espectrometria de massa, mas sua estrutura não foi revelada.
Existem vários alótropos de nitrogênio neutros metaestáveis ou estáveis previstos por modelos teóricos computacionais, se estendendo do N4 até o N120 e incluindo estruturas de cadeia, anel e gaiola. A maioria dessas moléculas previstas possuem uma barreira de dissociação baixa, ou seja, requerem pouca energia para a quebra em moléculas de N2. Por exemplo, existe previsão para uma molécula cíclica de hexazina (ciclo-N6, basicamente o análogo de nitrogênio do benzeno), que exibe uma barreira de dissociação de apenas 4,2 kcal/mol (altamente instável a temperatura ambiente) - resultando na decomposição em três moléculas de N2.
Porém, a síntese na prática de alótropos de nitrogênio neutros é extremamente desafiadora e ainda mais difícil é o armazenamento de uma quantidade significativa do composto sintetizado.
No novo estudo, químicos orgânicos da Universidade Giessen de Justus Liebig, Alemanha, resolveram tentar a síntese de um alótropo de nitrogênio com 6 átomos de nitrogênio (N6). Primeiro eles calcularam que a molécula procurada teria uma estabilidade razoável a temperatura ambiente (previsão: ~14,8 kcal/mol) por não conter unidades de dinitrogênio discerníveis. Para a síntese em laboratório, eles fizeram um fluxo de gás cloro (Cl2) atravessar azida de prata (AgN3) sólida a sob pressão reduzida (Fig.3). Obtendo com sucesso a molécula prevista em temperatura ambiente (25°C ou 298 K), os pesquisadores usaram uma prisão criogênica para resfriar e estabilizar o alótropo sintetizado, através de nitrogênio líquido a uma temperatura de 77 K (cerca de 196°C negativos).
Caracterização por infravermelho, espectroscopia de UV-Visível e análises computacionais confirmaram a obtenção e a estrutura neutra e de cadeia aberta do hexanitrogênio. A estrutura desse alótropo é, basicamente, a união de dois radicais •N3, ao invés de ser pensada como a união de três moléculas de N2. Isso aumenta a estabilidade da molécula a temperatura ambiente e em fase gasosa para próximo de 36 milissegundos - tempo suficiente para o aprisionamento através de nitrogênio líquido (77 K) onde o N6 teoricamente pode persistir estável por mais de 132 anos.
Cálculos computacionais - baseados também em análises diretas do alótropo sintetizado e criogenicamente aprisionado - apontaram que a decomposição do N6 é exotérmica: liberação (energia térmica) de 185,2 kcal/mol. Esse valor é 2,2x e 1,9x maior do as entalpias de decomposição dos explosivos TNT (2,4,6-trinitrotolueno) e HMX (ciclotetrametileno tetranitroamina), respectivamente, por unidade de massa. Em outras palavras, quando decomposto, o N6 libera praticamente o dobro de energia por unidade de massa do mais poderoso explosivo químico conhecido (HMX) - utilizado como explosivo secundário (por ser relativamente muito estável) em artefatos bélicos.
As substâncias classificadas como explosivos possuem, em geral, na sua composição, nitrogênio, oxigênio e/ou outros oxidantes. O oxigênio e o nitrogênio costumam estar associados. Algumas substâncias fogem a essa regra como é o caso da azida de chumbo e alguns compostos nitrogenados que não contêm oxigênio. Na reação química que gera a explosão, o oxigênio e o nitrogênio se separam unindo-se ao componente que faz o papel de combustível, como no caso do carbono ou do hidrogênio. Essa reação libera altas quantidades de energia e calor em forma de gases em um curto espaço de tempo. O calor liberado nessa reação é a diferença entre o calor requerido para quebrar a ligação original e o calor liberado na união do novo composto.
Ao contrário de vários explosivos que podem deixar poluentes residuais após decomposição (explosão) como nitratos, o único produto de decomposição do N6 é gás N2 (não-poluente) e sem envolver oxidação. Esse alótropo seria potencialmente o combustível de foguetes mais eficiente e desejado do mundo (Ref.2). O N6 não queima com uma chama, é apenas uma liberação de energia que gera um grande volume de gás, ou seja, uma grande quantidade de impulso e sem corrosão. Um significativo problema (para foguetes) seria a corrosão com hidrazina e outros combustíveis.
REFERÊNCIAS
- Qian et al. (2025). Preparation of a neutral nitrogen allotrope hexanitrogen C2h-N6 . Nature 642, 356–360. https://doi.org/10.1038/s41586-025-09032-9
- https://www.chemistryworld.com/news/most-energetic-molecule-ever-made-is-stable-in-liquid-nitrogen/4021662.article
- Mendonça et al. (2018). Química Nova, 41(3). https://doi.org/10.21577/0100-4042.20170169
