Nova variante Brasileira do SARS-CoV-2 está preocupando os especialistas
A Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) confirmou no dia 14/01 o primeiro caso de reinfecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) no estado. De acordo com a FVS, análise de sequenciamento genético realizado pela Fundação Osvaldo Cruz Amazônia apontou que a reinfecção foi causada pela variante encontrada no Amazonas, nomeada B.1.1.28 (K417N / E484K / N501Y) (Ref.1), simplificada para variante P.1. Estudo genômico subsequente publicado pela FioCruz indicou que essa variante emergiu recentemente no Brasil entre dezembro (2020) e janeiro (2021), na região da Amazônia (Ref.2).
Em uma recente atualização da FioCruz, referente ao mês de janeiro deste ano (Ref.9), a variante P.1 foi identificada em 91% dos genomas sequenciados no Amazonas, tornando-a a mais prevalente do Estado e suportando sua provável maior capacidade de transmissão. Já foram sequenciados 250 genomas, sendo 177 provenientes de Manaus e os outros 73 de 24 municípios do interior. Foram identificadas 18 linhagens do Sars-CoV-2 no Amazonas, destacam-se em frequência a B.1.1.28 (33,6%), B.1.195 (18,8%), B.1.1.33 (11,6%) e, desde dezembro de 2020 a emergência da linhagem P.1 (nova variante brasileira), que saltou de 51% das amostras sequenciadas em dezembro, para 91% das amostras sequenciadas até a primeira quinzena de janeiro de 2021. Hoje a variante P.1 já foi identificada em pelo menos 17 estados do Brasil.
A nova variante possui três relevantes mutações (K417N, E484K e N501Y) na proteína Spike do SARS-CoV-2 - usada pelo vírus para entrar nas célula hospedeira e principal alvo dos anticorpos neutralizantes -, com duas delas (E484K e N501Y) fortemente associadas com evasão imune. Isso pode ser um fator explicando a reinfecção: os anticorpos produzidas para cepas prévias do vírus não mais conseguem ser efetivos contra a linhagem B.1.1.28 no Amazonas. Essas mutações também estão presentes nas linhagens B.1.1.7 (Britânica) e B.1.351 (Sul-Africana), ambas altamente contagiosas (!).
(!) Para mais informações (atualizadas) sobre essas cepas:
- Novas variantes do SARS-CoV-2 estão se espalhando rápido na África do Sul e na Costa Rica
- Nova variante no Reino Unido do SARS-CoV-2 acumulou um recorde de 17 mutações relevantes
O Amazonas - especialmente em Manaus - é um dos estados que mais sofreram com a COVID-19 no Brasil. Em inúmeros hospitais faltaram recursos, e vários centros de saúde enfrentaram escassez de oxigênio, levando os pacientes a óbito por simples asfixia. Na capital, estudos haviam indicado que quase 80% da população havia sido infectada na primeira onda (2020), mas isso não conseguiu frear o avanço do vírus a partir do final de dezembro de 2020. A nova variante provavelmente foi uma das principais culpadas pela segunda onda na região, e casos confirmados de reinfecção e a prevalência acima de 90% da variante são potenciais evidências para esse cenário. Por causa da variante P.1, Alemanha, Reino Unido e vários outros países chegaram a proibir voos oriundos do Brasil (Ref.3).
EVIDÊNCIAS EXPERIMENTAIS
Um estudo publicado como preprint na plataforma bioRxiv (Ref.5) trouxe uma simulação de Dinâmica Molecular indicando que a combinação de mutações K417N, E484K e N501Y aumenta substancialmente a afinidade da proteína Spike com o receptor glicoproteico ACE2 humano (hACE2) - principal porta de entrada celular do vírus -, e proporciona uma mudança na estrutura da proteína Spike capaz de escapar de anticorpos neutralizantes anti-SARS-CoV-2 da primeira onda pandêmica e reinfectar indivíduos recuperados da COVID-19 no ano passado. A maior afinidade Spike-hACE2 explica a maior infecciosidade associada à variante na África do Sul e sugere que a nova cepa no Amazonas também é mais infecciosa. Esses resultados corroboram estudos prévios (!).
Um estudo mais recente conduzido pela Fundação FioCruz e publicado também como preprint (Ref.10), apontou que adultos infectados pela variante brasileira P.1 do novo coronavírus (SARS-CoV-2), identificada primeiro no Amazonas, têm uma carga viral – quantidade de vírus no corpo – dez vezes maior do que adultos infectados por outras variantes do vírus. Isso sugere - e corrobora evidências epidemiológicas - de que indivíduos infectados com a variante P.1 são bem mais infecciosos.
Através de um amplo estudo epidemiológico conduzido em 250 genomas do SARS-CoV-2 coletados em diferentes municípios do Amazonas entre março de 2020 e janeiro de 2021, os pesquisadores revelaram que o crescimento exponencial da primeira onda epidêmica no estado foi dirigido em maior parte pela disseminação da linhagem viral B.1.195, a qual foi gradualmente substituída pela linhagem B.1.1.28. A segunda onda coincidiu com a emergência da variante de atual preocupação (P.1), a qual evoluiu de um clado local B.1.1.28 no final de novembro e rapidamente substituiu a linhagem ancestral em menos de dois meses. Essas sucessivas substituições de linhagem virais e a nova e mais agressiva onda epidêmica no Amazonas foram fomentadas por fatores de relaxamento do distanciamento social e pelo fato da P.1 ser mais infecciosa (estimada ser quase 2 vezes mais transmissível), segundo apontou os dados do estudo. Com primeira detecção em Manaus, hoje a variante P.1 já foi detectada em 17 estados, e pode estar por trás, em parte, da agressividade da nova onda epidêmica assolando o país.
De acordo com os pesquisadores, a implementação de eficientes medidas de mitigação (máscaras, distanciamento social) combinadas com massiva vacinação serão cruciais para controlar a disseminação das novas variantes do SARS-CoV-2 no Brasil. Ou seja, ignorar o presidente Bolsonaro, e seguir as orientações das agências e especialistas de saúde.
Estudos clínicos diversos já mostraram que a mencionada variante Sul-Africana - muito similar à variante P.1 - possui forte capacidade de evasão (escape) imune - particularmente devido à mutação E484K -, reduzindo em várias vezes a eficácia de anticorpos monoclonais (terapias) e de anticorpos neutralizantes induzidos pelas vacinas. Três estudos revisados por pares publicados nos últimos dias na Nature (Ref.12-14) reforçaram o alerta nesse sentido, e um deles (Ref.4) encontrou que a linhagem 501Y.V2 era quase 10 vezes mais resistente à neutralização de anticorpos de plasma convalescente de pacientes recuperados (infectados com cepas prévias) e entre 10 e 12 vezes mais resistente aos anticorpos neutralizantes induzidos pelas vacinas de mRNA (Pfizer e Moderna). Reinfecções com essa variante devem estar ocorrendo em significativas taxas.
> No Rio de Janeiro foi detectada outra variante denominada B.1.1.28 (E484K) - chamada de P.2 -, a qual parece ter emergido via evolução convergente (processo evolutivo independente) em relação à linhagem no Amazonas, devido a similar pressão evolutiva durante o processo de infecção de milhões de pessoas. A variante, assim como a P.1, tem se disseminado rápido no Brasil.
> Uma variante de interesse (VOI), dentro da linhagem B.1.1.33, foi encontrada circulando no Brasil e carregando também a mutação E484K (Ref.15). A variante foi detectada entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021. Apesar de estar presente em vários estados, ainda não há sinais de que essa variante está se espalhando rápido (~3% de prevalência entre amostras analisadas até fevereiro). A presença da mutação E484K em várias variantes emergindo em diferentes partes do mundo - e coincidindo com maior capacidade de evasão imune - reforça o cenário de evolução convergente e contínua adaptação do vírus no hospedeiro humano.
Até o momento, não existe evidência de que as novas linhagens tornem as vacinas inefetivas, mas podem potencialmente torná-las menos efetivas em alguma extensão. Quanto mais o vírus circula e se multiplica nos hospedeiros, mais mutações emergem, por isso a importância do controle epidêmico, especialmente considerando o início das campanhas de vacinação em massa (!!). E o controle epidêmico efetivo freia a disseminação de variantes mais infecciosas já em circulação.
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ATUALIZAÇÃO (01/03/21): Em um estudo preprint (ainda sob processo de revisão de pares para ser publicado ontem no periódico The Lancet) (Ref.11), pesquisadores da Escola de Medicina da USP (Ribeirão Preto) encontraram que a nova variante Brasileira (P.1) parece possuir forte capacidade de evasão imune. Anticorpos do plasma convalescente de paciente infectados com uma variantes prévia circulando no Brasil (linhagem B) mostraram possuir 6 vezes menos capacidade de neutralização contra a P.1. Já o plasma de pessoas imunizadas com a vacina CoronaVac (5 meses após a dose de reforço) falhou em eficientemente neutralizar a variante P.1. Os resultados preliminares são mais do que preocupantes caso validados, e reforçam a importância das medidas de controle epidêmico (máscaras e distanciamento social) para reduzir ao máximo a disseminação das novas variantes.
ATUALIZAÇÃO (01/03/21): Estudo conduzido por pesquisadores do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), sugeriu que até 61% das pessoas infectadas com variantes prévias podem estar suscetíveis à reinfecção com a variante P.1. Para mais informações sobre o estudo, acesse: Variante Brasileira emergiu em novembro, é mais transmissível e é capaz de causar reinfecção, sugere estudo
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QUATRO POSSÍVEIS CENÁRIOS
Em um artigo-comentário publicado no periódico The Lancet (Ref.6), especialistas propuseram e exploraram quatro possíveis cenários para explicar o que está acontecendo em Manaus. Como mencionado, um estudo Brasileiro publicado ano passado estimou que 76% da população na cidade havia sido infectada pelo SARS-CoV-2, sugerindo um bom nível de imunidade de rebanho. Essa última sugestão havia sido reforçada pelo fato de que, após o pico epidêmico em abril de 2020, as hospitalizações na cidade permaneceram estáveis e relativamente baixas por 7 meses (maio-novembro), mesmo com os relaxamentos na medida de controle epidêmico nesse período. No entanto, em janeiro deste ano um novo e pior surto emergiu em Manaus, culminando inclusive com uma grave crise de falta de oxigênio nos hospitais fomentada pela negligência governamental.
Existem quatro não-mutualmente exclusivas e possíveis explicações para a reemergência do surto da COVID-19 em Manaus:
- Primeiro, a taxa de infecção pelo SARS-CoV-2 pode ter sido superestimada durante a primeira onda epidêmica, com a população permanecendo abaixo do limiar de imunidade até o início de dezembro de 2020. A estimativa de 76% foi alcançada descontando a queda natural de imunidade (anticorpos) da população infectada, e esse desconto pode ter sido exagerado. Porém, mesmo considerando um erro analítico dessa natureza, a taxa de infecção cairia para próximo de 50%, o que garantiria importante proteção imune contra grandes surtos.
- Segundo, a imunidade contra a infecção pode ter começado a cair dramaticamente a partir de dezembro de 2020, após mais de 8 meses de massiva infecção inicial. Porém, a imunidade não é composta apenas de anticorpos no soro sanguíneo (imunidade humoral), mas também na memória imune (imunidade celular) garantida por células-T e células-B. Um estudo publicado recentemente na Nature (Ref.7) mostrou que o nível de imunidade celular contra o SARS-CoV-2 permanece constante ao longo de 6 meses, em contraste com o contínuo declínio da imunidade humoral.
- Terceiro, e mais preocupante, a nova linhagem viral B.1.1.28 (K417N / E484K / N501Y) pode ter forte capacidade de evasão imune - como sugerem suas mutações -, causando elevados níveis de reinfecções. Dados preliminares da vacina da Novavax (Ref.8), testadas em 4400 voluntários na África do Sul e em 15 mil voluntários no Reino Unido, mostraram que apesar dela ser 85% efetiva contra a variante Britânica 501Y.V1, a efetividade foi inferior a 50% contra a variante Sul-Africana 501Y.V2, esta a qual já representa mais de 90% dos casos registrados de COVID-19 na África do Sul. E a variante Sul-Africana é bem similar à variante Amazônica, com particular menção às mutações E484K e N501Y.
- Quarto, as linhagens virais circulando nessa segunda onda em Manaus podem ser bem mais transmissíveis, espelhando a linhagem viral Sul-Africana. Mesmo sem maior capacidade de evasão imune, uma maior transmissibilidade pode vencer a barreira da imunidade de rebanho.
Segundo o artigo-comentário, as novas linhagens do SARS-CoV-2 podem potencialmente causar ressurgência de casos em regiões onde estão circulando caso tenham maior transmissibilidade e caso estejam associadas a escape antigênico. Por esse motivo, contínuo acompanhamento genético, imunológico, clínico e epidemiológico é crítico nesse momento da pandemia. Por outro lado, se o novo surto em Manaus tiver sido causado por declínio de imunidade dentro da população, é esperado que novos surtos sejam observados em outros lugares ao redor do mundo, independentemente das cepas circulantes.
(!!) Leitura recomendada: Vacina é o início da real luta contra o novo coronavírus: Evolução viral sob pressão seletiva
REFERÊNCIAS
- https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/01/13/governo-do-am-confirma-1o-caso-de-reinfeccao-pelo-coronavirus-com-variante-que-chegou-ao-japao.ghtml
- https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/nota_tecnica_ms_2021-01-12.pdf
- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/29/alemanha-proibe-entrada-de-viajantes-com-origem-no-brasil-para-tentar-conter-nova-variante-de-coronavirus.ghtml
- https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55677738
- https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2021.01.13.426558v1
- https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)00183-5/fulltext
- https://www.nature.com/articles/s41586-021-03207-w
- https://www.nature.com/articles/d41586-021-00268-9
- https://portal.fiocruz.br/noticia/nota-tecnica-da-fiocruz-aborda-sars-cov-2-e-nova-variante-no-am
- https://www.researchsquare.com/article/rs-275494/v1
- https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3793486
- https://www.nature.com/articles/s41586-021-03398-2
- https://www.nature.com/articles/s41591-021-01294-w
- https://www.nature.com/articles/s41586-021-03402-9
- https://virological.org/t/a-potential-sars-cov-2-variant-of-interest-voi-harboring-mutation-e484k-in-the-spike-protein-was-identified-within-lineage-b-1-1-33-circulating-in-brazil/645