Novas variantes do SARS-CoV-2 estão se espalhando rápido na África do Sul e na Costa Rica
Dois estudos preprints (ainda não-revisados por pares) publicados hoje trouxeram mais detalhes de reportes já previamente discutidos pela comunidade científica, e que se juntam ao caso da preocupante nova variante no Reino Unido (linhagem B.1.1.7). Mais alertas reforçando que as medidas não-farmacológicas de controle epidêmico (máscaras, distanciamento social, etc.) precisam continuar seguindo firmes, especialmente considerando que as vacinas e crescente imunidade de rebanho começará a colocar pressão seletiva sobre o novo coronavírus (SARS-CoV-2).
COSTA RICA
No primeiro estudo, pesquisadores investigaram a evolução do SARS-CoV-2 na Costa Rica, onde a epidemia têm se agravado desde maio - com as flexibilizações das medidas de controle epidêmico - e acumula mais de 140 mil casos registrados. Os pesquisadores identificaram 177 variantes distintas do vírus, a maioria trazendo assinaturas e padrões de mutação já observados ao redor do mundo, incluindo a altamente prevalente mutação (D614G), com prevalência no país de 98,6%.
Porém, os pesquisadores também identificaram uma mutação (T1117I) se tornando, aparentemente, bastante prevalente na Costa Rica, e associada à proteína Spike - principal meio de entrada do vírus na célula hospedeira a partir da interação com o receptor glicoproteico ACE2. Essa mutação já havia sido identificada em 12 outros países - com o primeiro caso registrado em março na Alemanha -, porém em baixíssima prevalência (0,06% em mais de 224 mil amostras). Na Costa Rica, sua prevalência aumentou progressivamente de 0% em maio para 14,5% em agosto). É incerto se essa observação resulta de análise estatística tendenciosa, ou se pode ter sido fruto de simples deriva genética (e não seleção natural).
Considerando a localização da mutação T1117I (substituição de uma treonina por uma isoleucina) na proteína Spike, não se espera mudanças na interação dessa última com o ACE2 (transmissibilidade) ou na interação com nossas células imunes. No entanto, mais estudos são necessários para melhor esclarecer as implicações dessa mutação.
ÁFRICA DO SUL
No segundo estudo, um time internacional de pesquisadores - incluindo cientistas Brasileiros da UFMG e da Fundação Oswaldo Cruz - reportaram uma nova e preocupante linhagem do SARS-CoV-2 (501Y.V2) - mais recentemente renomeada para B.1.351 - caracterizada por oito mutações na proteína Spike, incluindo três em importantes resíduos no domínio de ligação ao receptor (RBD) - K417N, E484K e N501Y - que podem ter significância funcional. A linhagem emergiu na África do Sul durante a primeira onda epidêmica no país em uma área metropolitana severamente atingida (Baía de Nelson Mandela). A linhagem, então, se espalhou rápido, se tornando, dentro de semanas, a linhagem dominante na Cidade do Cabo (capital do país). Existe evidência de aumento de transmissibilidade e potencial de evasão imune associados à variante.
Em um estudo publicado como preprint (ainda sem revisão por pares) na plataforma bioRxiv (!), o pesquisador Filip Fratev, da Universidade do Texas, realizou cálculos de perturbação de energia livre (FEP) e de dinâmica molecular entre a interação do RBD com a mutação N501Y e o receptor humano ACE2 e o anticorpo neutralizante STE90-C11 derivado de um paciente com COVID-19. Fratev encontrou uma mais forte interação RBD-ACE2 e uma diminuição de quase 160 vezes da interação RBD-anticorpo. Isso pode explicar a maior capacidade de disseminação das linhagens virais com essa mutação e sugere uma possível redução na eficácia das vacinas sendo testadas;
A mutação E484K na região RBD da proteína Spike está também associada com evasão imune em relação a anticorpos neutralizantes contra o SARS-CoV-2, e um estudo preprint recente (!!) - conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro - encontrou evidência de que essa variante já está em ampla circulação no Rio de Janeiro, Brasil.
É incerto a origem de uma linhagem com tantas mutações, mas assim como é proposto para a variante no Reino Unido, cientistas desconfiam de evolução intra-hospedeiro ao longo de uma prolongada replicação viral (infecção persistente) - por exemplo, a mutação N501Y é uma de várias mutações na proteína Spike que emergiu em um paciente nos EUA que ficou infectado pelo SARS-CoV-2 por 20 semanas. Como na África do Sul infecção pelo HIV é altamente prevalente, não seria raro pacientes imunossuprimidos co-infectados pelo SARS-CoV-2, facilitando longos períodos de COVID-19 antes de total recuperação.
Ambas as linhagens B.1.1.7 emergentes de SARS-CoV-2 no Reino Unido (HV69-70del, Y144del, N501Y, A570D, P681H, T716I, S982A, D1118H)1 e B.1.351 na África do Sul (L18F, D80A, D215G, R246I, K417N, E484K, N501Y e A701V)2 adquiriu oito substituições de aminoácidos definidores de linhagem na proteína Spike, sendo a mutação N501Y no domínio de ligação ao receptor a única substituição de aminoácidos comum detectada em ambas as linhagens.
No Reino Unido, foi reportado a confirmação de dois casos da variante B.1.351, em Londres e no noroeste da Inglaterra, em duas pessoas que viajaram para a África do Sul (3). Aliás, a variante Sul-Africana parece carregar mais mutações do que a nova linhagem se espalhando rápido no Reino Unido.
Publicação dos estudos:
- (1) https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.12.21.423850v1.full.pdf
- (2) https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.12.21.20248640v1.full.pdf
- (!) https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.12.23.424283v1
- (!!) https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.12.23.20248598v1
(3) Referência adicional: BBC News
> Boa parte das mutações (deleções, substituições, edições endógenas, recombinações) do SARS-CoV-2 e de outros vírus ocorre durante o processo de transcrição e replicação do RNA viral (via complexo replicase–transcriptase), onde erros acabam ocorrendo na formação da sequência genética, como a introdução de uma letra/base nitrogenada errada (A, G, C ou U). Porém, evidências mais recentes sugerem que danos (ex.: oxidação) e edições endógenas (ex.: enzimas antivirais do hospedeiro) são a forma dominante de mutações do SARS-CoV-2 intra-hospedeiro, resultando em típicas assimetrias na cadeia genética do vírus. De qualquer forma, quanto mais o vírus se dissemina e se replica, mais erros, e mais mutações.
> Mutações podem impactar a eficácia das vacinas e da imunidade naturalmente adquirida, e de tratamentos. Para mais informações, acesse: Vacina é o início da real luta contra o novo coronavírus: Evolução viral sob pressão seletiva