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Mutação tornou o novo coronavírus mais infeccioso e potencialmente mais transmissível


A pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) continua avançando, e já acumula mais de 46 milhões de casos confirmados ao redor do mundo. Sua doença associada (COVID-19) é responsável por quase 1,2 milhão de mortes registradas. E esses números provavelmente estão muito subestimados. Tratamentos específicos e vacinas comprovadamente efetivas ainda não existem ainda, e por isso a importância de frear ao máximo a disseminação do vírus através de intervenções não-farmacológicas, como isolamento social, uso universal de máscaras, distanciamento social, aplicação de testes em massa e rastreamento dos casos. Outra preocupação nesse sentido é a contínua taxa de variação genômica do SARS-CoV-2 à medida que o vírus vai se disseminando entre a população, processo que pode potencialmente modificar sua virulência e patogenicidade. Cada nova infecção é uma jogada de dados, uma chance adicional de mutações mais perigosas se desenvolverem. E estamos dando muitas chances para o novo coronavírus.

Nesse último ponto, três estudos trouxeram preocupação em relação a uma mutação na proteína Spike (S, a coroa) do SARS-CoV-2. O primeiro estudo, publicado em julho no periódico Cell (1) encontrou que essa mutação (D614G) aumentou sua capacidade de replicação nas células humanas, provavelmente aumentando também sua eficiência de transmissão entre hospedeiros. O segundo estudo foi publicado na Nature (2), confirmando a evidência clínica do estudo prévio e aumentando a evidência de que também houve um aumento na capacidade de transmissão do vírus. O terceiro estudo, publicado no periódico mBIO (5) trouxe mais evidência de maior capacidade de transmissão com a mutação D614G e também a detecção de outra preocupante mutação. 

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O SARS-CoV-2 é o sétimo membro de beta-coronavírus envelopados de RNA (subgênero Sarbecovirus) e um dos três - junto com o SARS-CoV e o MERS-CoV - que pode levar a doenças de grave progressão, no caso, a COVID-19. O genoma viral do SARS-CoV-2 é constituído de RNA e é o maior entre os coronavírus conhecidos: 26-32 kb de comprimento. A mais notável característica desse e de outros coronavírus é a presença da glicoproteína Spike (S).


A glicoproteína S da transmembrana age como mediadora para a entrada do SARS-CoV-2 dentro da célula hospedeira, e inclui dois domínios: S1 para a interação com o receptor da célula hospedeira e S2 para a fusão das membranas viral e celular, respectivamente. Tanto o SARS-CoV-2 quanto o SARS-CoV usam a enzima angiotensina convertase 2 (ACE2) para entrar nas células. Em humanos, o ACE2 é expresso nas células endoteliais de artérias e veias, músculo liso arterial, epitélio do trato respiratório, epitélio do intestino delgado, epitélio do trato respiratório, e em células imunes. Em um pulmão adulto normal, o ACE2 é expresso primariamente nas células alveolares epiteliais do tipo II, as quais podem servir como um reservatório viral. O tecido com o maior número de receptores ACE2 se encontra na região do nariz e é onde os cientistas acreditam ser a porta de entrada da COVID-19 (I).

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O domínio de ligação do receptor (RBD) na proteína S é a parte genômica mais variável no grupo dos betacoronavírus e alguns locais da proteína SA podem ser sujeitas a seleção positiva (processo evolutivo adaptativo). Devido ao modo particular de replicação através do maquinário genético da célula hospedeira, várias mutações são naturalmente acumuladas nas populações de vírus como o SARS-CoV-2, e processos evolutivos de deriva genética potencializam a diversificação viral em um curto período de tempo. Apesar da abundante variabilidade genética do SARS-CoV-2 - com inúmeras variantes nucleotídicas únicas já identificadas em várias regiões genômicas - ainda é incerto se as mutações acumuladas até o momento tiveram algum impacto funcional da patogenicidade desse vírus. Rastrear essas possíveis mudanças fenotípicas é muito importante para o desenvolvimento de vacinas e de novos medicamentos e também para a preparação para a próxima fase da pandemia.

Uma das variações identificadas codifica uma mutação da proteína S, D614G, na região carboxila(C)-terminal do domínio S1. Essa região do domínio S1 está diretamente associada com a subunidade S2. Essa mutação com glicina no resíduo 614 (G614) tinha sido previamente detectada de ter aumentado em prevalência com alarmante velocidade e correlacionada com maiores cargas virais nos pacientes com COVID-19, sugerindo mudanças na virulência do SARS-CoV-2.

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No estudo publicado na Cell, pesquisadores Norte-Americanos resolveram analisar mais a fundo as sequências da proteína-S disponíveis no banco de dados genômicos do GenBank isoladas de diferentes populações ao redor do mundo (um total de 30 mil sequências). Na análise preliminar, eles encontraram um resultado similar aos estudos prévios: o genótipo G614 não tinha sido detectado em fevereiro (entre 33 sequências), foi observado em baixa frequência em março (26%), mas aumentou rapidamente de prevalência em abril (65%) e maio (70%), indicando uma vantagem de transmissão em relação a outros vírus com o genótipo sem mutação (D614). De fato, hoje a variante G614 já é a mais prevalente no mundo.

E para eliminar co-fatores como efeito fundador (deriva genética) como causa do aumento de prevalência -, os pesquisadores analisaram a frequência das variantes D e G em todas as regiões associadas às sequências analisadas a nível de país, estado, cidade e bairro, considerando também medidas não-farmacológicas de controle epidêmico adotadas pelos governos regionais. Eles encontraram que a variante G frequentemente continuou se tornando mais prevalente mesmo após medidas de quarentena e fechamento de fronteiras. Isso reforça que essa nova versão do SARS-CoV-2 se tornou mais bem adaptada e pode estar representando um processo global de evolução.

Somando-se a isso, os pesquisadores analisaram os dados clínicos de 999 pacientes do Reino Unido, revelando que aqueles infectados com a variante G do vírus tinham maiores níveis de RNA viral, o que geralmente correlaciona com maiores cargas virais no corpo.

No próximo passo do estudo, para determinar se a mutação D614G alterou de fato as propriedades da proteína-S de um modo que poderia impactar sua transmissão ou replicação, os pesquisadores conduziram dois estudos experimentais independentes em culturas celulares (in vitro). Inicialmente, eles usaram um pseudo-vírus modificado para expressar proteína fluorescente e carregando a proteína-S do SARS-CoV-2 ou com o genótipo G614 ou com o genótipo D614 - um 'controle' também foi usado com uma variante FKO da proteína-S. Esses três grupos de pseudo-vírus (SD614, SG14 e SFKO) foram então colocados para infectar células HEK293T modificadas capazes de expressar o receptor humano ACE2 (hACE2-293T) e células HEK29T sem ACE2 (Mock-293T). Foram usados sempre os mesmos números de partículas virais para infectar cada cultura celular.

Os pesquisadores observaram que as os pseudo-vírus-G614 infectaram as células hACE2-293T com uma eficiência aproximadamente 9 vezes maior do que os pseudo-vírus-D614, e a uma taxa de replicação 3-6 vezes maior. 

Experimentos subsequentes visando elucidar o mecanismo pelo qual a mutação G614 aumentava a infectividade dos pseudo-vírus modificados indicaram que a glicina no resíduo 614 estabilizava a interação entre os domínios S1 e S2, limitando a clivagem da estrutura proteica em S1 pela furina. Além disso, a razão S1:S2 e o total de proteína S mostraram-se bem maiores nos pseudo-vírus G614 em relação aos D614.

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Para confirmar os achados, os pesquisadores usaram partículas similares a vírus (particules) compostas apenas das proteínas nativas do SARS-CoV-2: a nucleoproteína (N), a proteína da membrana (M), o envelope proteico (E), e a proteína S. Esses particules carregavam a proteína S D614 ou a mutação G614. Novamente, os particules G614 mostraram ter uma razão S1:S2 e uma proteína S total bem maiores - 3,4x e e 5x, respectivamente - do aqueles carregando a proteína S D614.

Nesse sentido, os pesquisadores concluíram que a mutação G614 otimiza a infecção viral através de dois mecanismos: reduz a clivagem do domínio S1 e aumenta a quantidade total de proteína S incorporada no vírion (partícula viral). No entanto, os pesquisadores também encontraram que a quantidade total de proteína S não parece influenciar a suscetibilidade viral ao ataque de anticorpos. É incerto também como a introdução de uma glicina no domínio S1 - à primeira vista prejudicial por causa da perda de uma ligação de hidrogênio na estrutura proteica - consegue estabilizar melhor essa região na proteína S (mas um número de hipóteses plausíveis foram propostas pelos autores do estudo).

Outra interessante questão levantada pelos pesquisadores é o porquê dos vírus carregando a mutação G614 parecem ser mais transmissíveis porém sem resultar em diferenças observáveis de severidade da doença. Nesse sentido, é possível que altos níveis de proteína S funcional aumentam as chances de transmissão hospedeiro-para-hospedeiro, mas que outros fatores limitam a taxa e a eficiência de replicação intra-hospedeiro. Pode ser também que a perda quantitativa de proteína S seja compensada por uma mais eficiente fusão com o receptor ACE2 nas células do hospedeiro. É também possível que uma maior patogenicidade esteja ocorrendo com os vírus carregando a mutação G614, mas ainda não estamos conseguindo perceber com os atuais métodos analíticos sendo empregados.

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ATUALIZAÇÃO (10/12/20): Em um estudo preprint publicado na plataforma bioRxiv, pesquisadores encontraram que a mutação D614G otimiza os caminhos lisossômicos associados com a proteína Spike, acelerando a entrada do SARS-CoV-2 nas células não-infectadas.
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No estudo publicado na Nature, os pesquisadores avaliaram o impacto dessa mutação nas capacidades de disseminação e de replicação do SARS-CoV-2, e também na eficácia das vacinas sendo hoje testadas. Para isso, eles geneticamente modificaram a cepa viral USA-WA1/2020 - sequenciada (genoma completo) no começo do ano (3) - para expressar a proteína S com a mutação D614G. Em testes in vitro, os pesquisadores confirmaram que a mutação otimiza a replicação do vírus em células pulmonares humanas epiteliais e dos tecidos aéreos humanos através de uma infectividade melhorada das partículas virais (vírions).

Em testes in vivo, hamsters infectados com a variante G614 produziram maiores contagens de partículas virais infecciosas na região nasal e na traqueia, mas não nos pulmões, confirmando a evidência clínica de que a mutação D614G otimiza as cargas virais no trato respiratório superior dos pacientes com COVID-19 e pode aumentar o potencial de transmissão.

Por fim, hamsters infectados com vírus G614 exibiram uma quantidade modestamente maior de anticorpos neutralizantes SARS-CoV-2-específicos do que hamsters infectados com o vírus D614, indicando que (i) a mutação pode não reduzir a habilidade das vacinas sendo testadas para proteger contra a COVID-19 e que (ii) anticorpos terapêuticos deveriam ser testados especificamente contra o vírus G614 (agora o mais prevalente) (4).

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O terceiro estudo, mais recente e publicado no mBIO, analisou 5085 amostras de pacientes com COVID-19 nos EUA, e encontrou um total de 285 mutações entre as populações virais isoladas, produzidas por uma combinação de deriva genética envolvendo alelos neutros (não prejudicam nem ajudam o vírus) com pressão seletiva do nosso sistema imune. E entre essas mutações, a mais notável foi justamente a D614G. Durante a onda inicial da pandemia, os pesquisadores encontraram que 71% dos pacientes no Hospital Metodista de Houston estavam infectados com partículas virais carregando essa mutação; essa prevalência foi para 99,9% na segunda onda de surto epidêmico na região de Houston (uma área metropolitana com uma população total de 7 milhões e etnicamente diversa). Isso, mais uma vez, sugere um vírus mais contagioso, e os pesquisadores encontraram sinais de seleção positiva para a emergência dessa mutação. 

O estudo também identificou uma mutação (S373P) que permite o vírus evadir um anticorpo monoclonal neutralizante naturalmente produzido pelo organismo humano (CR3022), potencialmente tornando a variante viral mais difícil de ser combatida pelo nosso sistema imune. Felizmente, por enquanto, a mutação é ainda rara e não parece fazer a doença mais severa para os pacientes infectados.

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ATUALIZAÇÃO (12/11/20): Um estudo publicado na Science, através de experimentos in vitro (cultura de células epiteliais humanas) e in vivo (hamsters Sírios) e usando partículas virais do SARS-CoV-2 engenhadas para expressaram a mutação D614G, reforçou a conclusão que essa mutação tornou o vírus mais infeccioso, com maior capacidade de transmissão e bem mais competitivo do que cepas virais sem a mutação.
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(4) Os mais promissores tratamentos com anticorpos são aqueles baseados em anticorpos monoclonais. Para mais informações, acesse: Primeiro medicamento reportado efetivo para casos leves e moderados de COVID-19

(5) Publicação do estudo: https://mbio.asm.org/content/11/6/e02707-20
Mutação tornou o novo coronavírus mais infeccioso e potencialmente mais transmissível Mutação tornou o novo coronavírus mais infeccioso e potencialmente mais transmissível Reviewed by Saber Atualizado on outubro 27, 2020 Rating: 5

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