COVID-19 pode causar redução no volume de matéria cinzenta do cérebro
Em um estudo publicado no periódico Neurobiology of Stress (1), pesquisadores da Universidade do Estado da Georgia e do Instituo de Tecnologia da Georgia, EUA, reportaram que pacientes com COVID-19 que requerem terapia de oxigênio ou experienciam febre mostram reduzido volume de matéria cinzenta na rede frontal-temporal do cérebro. Além disso, o estudo encontrou que um menor volume de matéria cinzenta nessa região do cérebro estava associada com um maior nível de deficiências entre os pacientes com COVID-19, mesmo seis meses após a liberação do hospital.
Além dos sintomas mais bem estabelecidos e caracterizados como febre, tosse, fatiga, dispneia e dor de cabeça, complicações neurológicas em pacientes com COVID-19 têm sido cada vez mais reportadas (2). As mais frequentes complicações neurológicas reportadas são danos à consciência, confusão e agitação, as quais são mais comuns em pacientes com quadro severo da doença. Alguns pacientes com COVID-19 também desenvolvem encefalopatia, convulsão, anosmia e disgeusia, as quais podem ser causadas pela invasão do vírus nos sistemas nervosos periféricos. Nesse caso, evidências têm sido conflitantes relativas à causa dos danos cerebrais na COVID-19: danos diretos pelo SARS-CoV-2 (infecção de células neurais ou de suporte neural) ou danos indiretos gerados pela excessiva resposta imune (ex.: tempestade de citocinas).
(2) Para mais informações, acesse:
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Historicamente, pacientes com doença obstrutiva pulmonar crônica que podem causar reduzido suprimento de oxigênio para o cérebro têm mostrado reduções no volume de matéria cinzenta em amplas regiões do cérebro, incluindo o córtex frontal, o córtex cingulado, e outras regiões subcorticais. Atividade, metabolismo, função e estrutura cerebrais dos lobos frontal e temporal estão sendo frequentemente reportados de serem afetados pela COVID-19, incluindo hiperintensidade de matéria branca (axônios e sinapses) na região cortical frontal, lobo frontal direito e córtex pré-frontal direito com ou sem terapia de oxigênio.
A matéria cinzenta (regiões cerebrais com alta concentração de corpos celulares) é a parte mais significativa no cérebro no sentido de permitir o funcionamento normal do corpo humano nas atividades do dia-a-dia. Constitui a camada mais externa do cérebro, e, diferente da matéria branca, não é pesadamente mielinizada e contém a maior parte dos somas neuronais, tornando-a com uma coloração bronzeada quando circulação sanguínea está presente, mas acinzentada quando o cérebro está fora do corpo (ex.: autopsia). Somas neuronais são estruturas circulares ocupadas pelo núcleo dos neurônios. A matéria cinzenta também se estende do cérebro até a medula espinhal.
Anormalidades na matéria cinzenta podem afetar o quão bem neurônios funcionam e se comunicam.
No novo estudo, os pesquisadores analisaram via tomografia computacional 120 pacientes com patologias ou anormalidades neurológicas, incluindo 58 com COVID-19 aguda e 62 sem COVID-19, controlados por idade, sexo e comorbidades. Os pacientes foram selecionados no Hospital Azienda Socio Sanitaria Territoriale Spedali Civili, Brescia, Itália. Eles também usaram análise morfométrica fonte-baseada, uma estratégia que fortalece o poder estatístico para estudos com tamanhos amostrais moderados.
As análises mostraram que o volume de matéria cinzenta em uma rede frontal-temporal era reduzido em pacientes recebendo terapia de oxigênio ou com febre comparados com aqueles que não estavam recebendo terapia com oxigênio ou sem febre. Além disso, pacientes com os maiores níveis de debilidades causadas pela COVID-19 tinham menor volume de matéria cinzenta nos giros superior, medial e médio-frontal quando liberados do hospital e seis meses depois, mesmo quando controlado para doenças cerebrovasculares. Pacientes com febre tinham uma redução significativa no volume de matéria cinzenta nos giros inferior e médio-temporal e no giro fusiforme comparado com pacientes sem febre. Resultados sugerem que a COVID-19 pode afetar a rede frontal-temporal através de febre ou falta de oxigênio.
Reduzida matéria cinzenta nos giros superior, medial e médio-frontal estava também presente em pacientes com agitação quando comparado com pacientes sem agitação. Isso implica que mudanças na matéria cinzenta na região frontal do cérebro pode mediar distúrbios de humor comumente exibidos por pacientes com COVID-19.
Mudanças na matéria cinzenta causadas pela COVID-19 podem explicar várias manifestações neurológicas observadas nos pacientes afetados nessa doença que vão além de outras manifestações clínicas associadas a danos cerebrais, como derrames e encefalites. Isso aumenta a preocupação com consequências de médio a longo prazo da doença nos pacientes recuperados, especialmente nos casos mais severos.
(1) Publicação do estudo: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2352289521000345
Referência adicional: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK553239/