Uso de psicodélicos ligado a um elevado aumento de risco para esquizofrenia, aponta estudo
De acordo com um novo estudo conduzido por pesquisadores Canadenses e publicado no periódico JAMA Psychiatry (Ref.1), indivíduos com visitas ao departamento de emergência hospitalar envolvendo uso de alucinógenos (ex.: "cogumelos mágicos") estão sob um alto risco de desenvolver esquizofrenia. O achado coincide com o aumento cada vez maior de popularidade para o uso terapêutico e recreativo de psicodélicos, um tipo de alucinógeno. Nesse sentido, alucinógenos incluem substâncias como psilocibina (1), LSD, DMT (2) e MDMA (3). O estudo acompanhou mais de 9,2 milhões de indivíduos em Ontário, Canadá, e encontrou que aqueles visitando um departamento de emergência por causa de psicodélicos tinham um risco aumentado em 21 vezes para o desenvolvimento de esquizofrenia comparado com a população em geral. Mesmo após levar em consideração o uso concomitante de outras substâncias psicoativas e transtornos mentais, o risco permanecia 3,5 vezes maior para esquizofrenia.
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"Enquanto existe grande entusiasmo para terapias assistidas por psicodélicos como uma nova modalidade de tratamento para problemas mentais, nós precisamos lembrar que dados ainda são limitados sobre os benefícios e os riscos para o uso terapêutico dessas substâncias," alertou em entrevista o Dr. Daniel Myran, pesquisador na Universidade de Ottawa e um dos autores do novo estudo (Ref.2).
Transtornos psicóticos são os tipos mais severos e debilitantes de transtornos mentais, caracterizados pela inabilidade de distinguir a experiência interna da mente da realidade externa do ambiente em volta. Representam momentos de profunda turbulência mental, onde a realidade e a imaginação se entrelaçam de maneira desconcertante. Os episódios psicóticos, muitas vezes caracterizados por alucinações, delírios e desorganização do pensamento, são sintomáticos de diversos transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia, transtorno bipolar e transtorno esquizoafetivo.
Esquizofrenia, o tipo mais comum de transtorno psicótico, inclui um diverso conjunto de sintomas, incluindo desilusões, alucinações, perda de contato com a realidade, perda de motivação, isolamento social e prejuízos cognitivos.
Transtornos psicóticos estão associados com vários desfechos adversos, incluindo suicídio, desemprego, moradia em rua, e uma expectativa média de vida 10-20 anos menor do que a população em geral.
O novo estudo analisou retrospectivamente e a nível populacional todos os indivíduos em Ontário com idades de 14 a 65 anos de idade e sem histórico de psicose (transtorno do espectro esquizofrênico ou induzida por substância) entre o período de janeiro de 2008 até dezembro de 2021. Em particular, o estudo examinou se indivíduos com visitas ao departamento de emergência de um hospital envolvendo uso de alucinógenos tinham um risco aumentado para transtorno do espectro esquizofrênico.
Entre os principais achados da análise:
- enquanto taxas anuais de visitas a departamentos de emergência envolvendo alucinógenos ficaram estáveis entre 2008 e 2012, um aumento de 86% foi observado entre 2013 e 2021;
- dentro de três anos após visita a um departamento de emergência envolvendo alucinógenos, 4% dos indivíduos eram diagnosticados com esquizofrenia, comparado a 0,15% para membros da população geral seguindo o mesmo período - um risco 21 vezes maior;
- indivíduos com visitas a um departamento de emergência envolvendo alucinógenos possuíam um risco 4,7 vezes e 1,5 vezes maior de esquizofrenia, respectivamente, comparado a indivíduos com visitas a um departamento de emergência envolvendo álcool e Cannabis.
Devido à natureza observacional do estudo, não foi possível comprovar causalidade, mas os achados são um sério alerta para indivíduos com suscetibilidade ao desenvolvimento de psicoses ou histórico familiar para transtornos psicóticos.
O achado também se soma a evidência prévia de que pacientes esquizofrênicos que usaram psicodélicos manifestam sintomas de forma precoce em comparação com pacientes esquizofrênicos sem uso de psicodélicos.
Por outro lado, um estudo observacional prévio publicado no início deste ano também no JAMA Psychiatry (Ref.3) encontrou uma associação negativa entre uso naturalístico de psicodélicos por adolescentes e sintomas psicóticos, mas positivo para sintomas maníacos em indivíduos com vulnerabilidade genética para esquizofrenia ou transtorno bipolar I. O estudo analisou 16255 participantes, constituídos por irmãos gêmeos e com 541 do total reportando uso passado de psicodélicos.
Relato de Caso
O ácido lisérgico dietilamida (LSD) é um psicodélico ilícito que, quando tomado a doses moderadas, produz mudanças na percepção corporal, distorção temporal e efeitos psicotrópicos frequentemente descritos como "experiências místicas".
Em um relato de caso recentemente publicado no periódico Cureus (Ref.4), pesquisadores descreveram uma mulher de 29 anos, previamente saudável e sem histórico familiar conhecido de psicose, que aparentemente usou Cannabis junto com LSD. Alguns dias após esse único uso de LSD, a paciente em questão deu entrada hospitalar com sintomas psicóticos e estado "irreconhecível" pelos familiares. A paciente parecia paranoica sobre seus arredores e murmurando repetitivamente frases como "Whiskey Mike" e "síndrome do impostor" sem maior elaboração.
Exame físico da paciente revelou sintomas catatônicos como mutismo, postura rígida, agitação e esterotipia. Compreensiva análise descartou causas orgânicas ou condições de origem autoimune. Durante o curso de hospitalização, a psicose da paciente foi progressivamente piorando, incluindo aumento de comportamentos auto-destrutivos como batidas da cabeça em móveis e arranhões em seu próprio corpo. Além disso, ela se tornou fisicamente agressiva contra amigos e sexualmente preocupada com amigos e funcionários do sexo masculino no hospital.
Uso de múltiplos antipsicóticos falharam, como risperidona e olanzapina. Ziprasidona mostrou limitada melhora. Eventualmente, a equipe médica decidiu usar terapia eletroconvulsiva, a qual resultou em dramática melhora. Após cinco sessões eletroconvulsivas, os sintomas foram completamente resolvidos, com alta hospitalar.
Militares e Psicodélicos
O novo estudo Canadense é de especial interesse no campo militar. Devido às impactantes e traumáticas experiências de veteranos em campos de batalha, muitos acabam enfrentando vários desafios mentais e físicos. Nos EUA, é estimado que mais de 17 veteranos morrem por suicídio diariamente, e estudos sugerem que entre 44% e 72% dos veteranos ficam altamente estressados durante a transição da vida militar para a vida civil. Nesse contexto, muitos membros do corpo militar têm buscado ajuda ou alívio em drogas psicodélicas.
Um estudo publicado este mês no periódico Journal of Psychoactive Drugs (Ref.5) analisou 426 participantes [veteranos Norte-Americanos] categorizados em dois grupos - usuários (217) e não-usuários (209) de psicodélicos - e encontrou que substâncias psicodélicas usadas incluíam psilocibina ("cogumelo mágico"), LSD, quetamina, MDMA (ecstasy), ayahuasca, ibogaína (4), 5-MeO-DMT (substância extraída de um sapo) (5) e mescalina. As razões mais comuns reportadas para uso dessas substâncias eram cura ou tratamento (69%), exploração espiritual (47,5%) e recreação (38,7%). Uma grande parcela dos participantes reportaram ter transtorno do estresse pós-traumático, depressão e ansiedade.
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Enquanto a maioria dos participantes reportaram usar substâncias psicodélicas em locais ou espaços espirituais, com amigos e em clínicas médicas ou asilos - fora (ex.: México) e dentro dos EUA - alguns participantes faziam o uso sozinhos e sem qualquer orientação ou acompanhamento médico, aumentando o risco para eventos adversos.
No geral, os participantes desse estudo avaliaram as experiências psicodélicas como benéficas seja quando consideravam a experiência uniformemente positiva (88,6%) seja quando enfrentavam um ou mais efeitos adversos (81,3%). Os eventos adversos mais comuns eram flashbacks e abstinência ou tentativa de reduzir o uso de psicodélicos.
> Importante lembrar que psicodélicos são ainda ilegais nos EUA, inclusive para uso terapêutico.
Alerta também importante:
REFERÊNCIAS
- Myran et al. (2024). Emergency Department Visits Involving Hallucinogen Use and Risk of Schizophrenia Spectrum Disorder. JAMA Psychiatry. https://doi.org/10.1001/jamapsychiatry.2024.3532
- https://www.ices.on.ca/publications/journal-articles/risk-of-schizophrenia-spectrum-disorder-in-individuals-with-emergency-department-visits-involving-hallucinogen-use/
- Simonsson et al. (2024). Adolescent Psychedelic Use and Psychotic or Manic Symptoms. JAMA Psychiatry, 81(6):579-585. https://doi.org/10.1001/jamapsychiatry.2024.0047
- https://www.cureus.com/posters/2731-from-psychedelic-exploration-to-psychosis-a-unique-case-report-demonstrating-the-susceptibility-to-schizophrenia-unveiled-by-a-single-lsd-experience
- Davis et al. (2024). The Epidemiology of Psychedelic Use Among United States Military Veterans. Journal of Psychoactive Drugs. https://doi.org/10.1080/02791072.2024.2401977