Canabinol prolonga o sono, aponta estudo
Figura 1. Medidas de EEG do padrão de sono de roedores sob efeito do canabinol mostraram tempo estendido nos estados REM e não-REM. |
Diversos componentes da Cannabis, em particular canabinoides, possuem potencial terapêutico, mas alguns têm sido pouco explorados nesse sentido, como o canabinol (CBN). Em um novo estudo, pesquisadores da Universidade de Sidney, Austrália, identificaram que esse composto é capaz de melhorar o sono. É o primeiro estudo a usar medidas objetivas para mostrar que o canabinol aumenta de forma significativa a duração do sono em ratos, tanto na fase REM (movimento rápido dos olhos) quanto na fase não-REM. O achado foi publicado recentemente no periódico Neuropsychopharmacology (Ref.1) e fornece suporte para alegações anedóticas sugerindo propriedades soníferas da Cannabis "vencida" comparáveis a fármacos de mesma finalidade. Testes clínicos em humanos já estão sendo conduzidos.
"Por décadas, existe o folclore sugerindo que Cannabis envelhecida tornava os consumidores sonolentos por causa do acúmulo de CBN, no entanto não existia evidência convincente corroborando isso," disse em entrevista o autor principal do estudo, Dr. Jonathon Arnold (Ref.2). "Nosso estudo fornece a primeira evidência objetiva de que o CBN prolonga o sono, pelo menos em ratos, ao modificar a arquitetura do sono de uma forma benéfica."
A planta da Cannabis contém ~500 compostos dos quais ~125 são canabinoides - ou, mais especificamente, fitocanabinoides. Entre esses compostos, os mais conhecidos e explorados terapeuticamente e recreativamente são o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). O THC é o principal constituinte psicoativo e intoxicante da Cannabis. Um notável produto de oxidação do THC é o canabinol (CBN), este o qual foi o primeiro canabinoide descoberto em 1896. Enquanto a concentração inicial de CBN é muito baixa na Cannabis, esse valor aumenta progressivamente à medida que extratos ou partes da planta são expostos ao ar, calor e luz.
Narrativa popular tem sugerido que maconha envelhecida - por causa do CBN - exerce efeitos soporíficos (indutor de sono) tão potentes quanto àqueles de fármacos soníferos tradicionais, como benzodiazepinas. E aproveitando dessa alegação, fabricantes têm desenvolvido produtos baseados no CBN isolado visando pessoas com problemas relacionados ao sono. Mas esse alegado efeito sedativo ou hipnótico para o CBN não é cientificamente comprovado e evidência científica favorável é muito limitada.
Desordens afetando o sono são altamente prevalentes, sendo estimado que até metade da população mundial exibe sintomas de insônia, com um quinto enfrentando insônia de forma crônica. Atuais fármacos associados a terapias de sono possuem eficácia limitada e, mais importante, efeitos colaterais indesejados, incluindo dependência (física e psíquica) e sonambulismo.
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O CBN é capaz de se ligar e ativar receptores CB1 do sistema endocanabinoide de mamíferos, mas de forma muito menos intensa do que o THC. Esse canabinoide, portanto, pode potencialmente impactar o sono através do sistema endocanabinoide, este o qual regula ciclos de sono-despertado e interfere nas diferentes fases do sono.
Para investigar potenciais efeitos pró-sono do CBN, pesquisadores no novo estudo conduziram múltiplos experimentos em ratos e mediram objetivamente parâmetros de sono através de polissonografia - permitindo análise de padrões de atividade elétrica no córtex cerebral. Um total de 62 ratos machos [linhagem Long-Evans] de 9 anos de idade foram usados nos experimentos. Esses ratos receberam CBN altamente purificada (dose = 10 mg/kg), e os efeitos desse composto no sono foram comparados com aqueles exercidos pelo fármaco zolpidem, comumente usado em tratamentos de insônia. Os efeitos neurobiológicos e a farmacocinética do metabólito ativo do CBN (11-hidróxi-CBN ou 11-OH-CBN) foram também avaliados.
Os resultados dos experimentos confirmaram que o CBN aumenta de forma significativa a duração do sono, e com magnitude comparável ao zolpidem na fase de sono não-REM. Além disso, o CBN estendeu também a fase REM, algo que não foi observado com o zolpidem. Por outro lado, o CBN mostrou atrasar o início do sono e com ação de mais longa duração do que o zolpidem. Esse último ponto sugere que pacientes com problemas de insônia que afetam o sono mais próximo do despertar podem ser melhor beneficiados com o uso dessa substância.
Os pesquisadores mostraram também que o metabólito 11-OH-CBN no cérebro alcançava concentrações no cérebro equivalentes àquelas da molécula de CBN e exibia significativa interação com os receptores CB1, apontando que ambos os compostos atuam influenciando a arquitetura de sono e exercendo ação hipnótica.
E, ao contrário da molécula THC, o CBN não mostrou ter efeitos intoxicantes nos ratos.
Somados, os resultados do estudo justificam testes clínicos em humanos para avaliar o real valor terapêutico do CBN na medicina.
Aliás, existe já um estudo clínico randomizado e placebo-controlado em fase final na Universidade de Sidney, onde pacientes com insônia primária receberam doses de 30 mg e de 300 mg de CBN. A dose menor é aquela comumente comercializada em produtos baseados nesse canabinoide. Já a dose maior é baseada na dose equivalente em ratos que mostrou exibir significativo efeito pró-sono (10 mg/kg em ratos = ~100 mg em um humano de 60 kg) e multiplicada por um fator de 3 para compensar a baixa disponibilidade oral do CBN.
Os resultados desse estudo clínico em humanos será em breve publicado mas parecem muito promissores (Ref.2). Porém, estudos clínicos de maior porte ainda serão necessários para comprovação científica.
E importante realçar que o estudo com ratos é limitado ao incluir apenas animais machos e não avaliar os impactos da interrupção do tratamento, ou seja, potenciais efeitos deletérios no sono após os ratos pararem de receber o CBN. É também incerto se os efeitos do CBN na prolongação do sono são realmente intermediados pelos receptores CB1; outros alvos moleculares como canais do receptor de potencial transiente (TRP) - que também influenciam nos ritmos circadianos e ciclos de sono-despertado - podem ser possíveis caminhos alternativos ou complementares.
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REFERÊNCIAS
- Arnold et al. (2024), A sleepy cannabis constituent: cannabinol and its active metabolite influence sleep architecture in rats. Neuropsychopharmacol. https://doi.org/10.1038/s41386-024-02018-7
- https://www.sydney.edu.au/news-opinion/news/2024/11/12/cannabinol-increases-sleep-objective-measure-lambert.html