Neurotransmissor GABA está presente no veneno dos peixes mais venenosos do mundo, revela estudo
Figura 1. Um peixe-pedra da espécie Synanceia verrucosa, no Recife de Mantis, em Queensland, Austrália. |
Popularmente conhecidas como "peixes-pedra", as espécies Synanceia verrucosa e a Synanceia horrida são consideradas os peixes mais venenosos conhecidos, e associados com vários acidentes potencialmente letais envolvendo humanos. Tipicamente encontrados em regiões marinhas rasas e quentes no Indo-Pacífico, Golfo Pérsico e Mar Vermelho, as toxinas no veneno desses peixes têm sido pouco caracterizadas. Em um estudo publicado recentemente no periódico FEBS Open Bio (Ref.1) pesquisadores usaram múltiplas técnicas analíticas para caracterizar o veneno desses peixes e descobriram a presença de três neurotransmissores: ácido gama-aminobutírico (GABA), colina e 0-acetilcolina. Embora o GABA tenha sido previamente encontradas no veneno de aranhas, vespas e cobras, é a primeira vez que esse neurotransmissor é identificado no veneno de peixes. Esse componente em toxinas é capaz de modular a função cardiovascular com um amplo espectro de efeitos, incluindo elevação da taxa cardíaca e redução da pressão sanguínea.
Existem cinco espécies de peixes-pedras (gênero Synanceia, família Synanceiidae) descritas: S. horrida, S. verrucosa, S. alula, S. nana e S. platyrhyncha. Esses peixes podem crescer até 35-50 cm em comprimento e exibem uma coloração geralmente acinzentada e pele modificada que fornecem excelente camuflagem entre rochas e corais no solo marinho, ajudando tanto na predação quanto na defesa contra potenciais predadores. Possuem até 15 espinhas na nadadeira dorsal que ficam eretas quando o peixe é perturbado (Fig.2). Picadas a partir dessas espinhas causam muita dor e até envenenamento letal em humanos, e a região da ferida fica tipicamente azulada e inchada. A dor severa pode irradiar para todo o membro afetado, acompanhada de parestesia ("dormência").
Como não possuem mecanismos musculares associados às espinhas venenosas, o veneno é injetado no corpo das vítimas de forma passiva e involuntária (ex.: quando uma pessoa pisa em cima desses peixes). A maioria dos acidentes envolvendo humanos são considerados de baixa gravidade, com uma média hospitalar variando de horas até dias seguindo o envenenamento. Em casos mais severos, ressuscitação cardiopulmonar (RCP) pode ser necessária nos primeiros socorros e hospitalizações podem durar por mais de 1 semana, incluindo internação em UTI com assistência respiratória (ex.: ventilação mecânica) e intervenções cirúrgicas.
Para alívio da dor e inativação do veneno nos primeiros socorros, é recomendado imersão do membro afetado em água a 42-45°C por pelo menos 20 minutos, no sentido em que as proteínas do veneno são muito instáveis sob aquecimento e tendem a desnaturar. Nesse contexto, tratamento térmico pode ser mais efetivo do que administração intramuscular de potentes fármacos analgésicos (Ref.6). Vítimas devem sempre buscar atendimento médico, visando inclusive profilaxia contra o tétano.
Sintomas sistêmicos causados pelo veneno do peixe-pedra incluem febre, delírio, fraqueza e paralisia musculares, edema pulmonar, dificuldade respiratória, hipotensão, bradicardia, arritmia, convulsões, falha cardíaca e, em alguns casos, morte. O neurotransmissor GABA presente no veneno pode ser um fator importante no desenvolvimento de taquicardia transiente, hipotensão e desconforto respiratório.
Existe antídoto contra o veneno de peixes-pedra e funciona neutralizando propriedades hemolíticas e de permeabilidade vascular da mistura de toxinas, reduzindo danos teciduais e fornecendo analgesia. A administração do antídoto pode ser feita pela via intramuscular ou por infusão intravenosa. Uma ampola contendo 2000 unidades do antídoto neutraliza aproximadamente 20 mg de veneno, e dosagens são determinadas de acordo com o número de perfurações por espinhas do peixe (Ref.2).
> Além do veneno associado às espinhas, os peixes-pedras também produzem uma substância esbranquiçada tóxica na pele (ictiocrinotoxina) que parece ter múltiplas funções, desde defesa contra predadores até controle populacional de organismos epibiontes (ex.: algas, protozoários e cirrípedes) crescendo sobre a pele (Fig.5).
REFERÊNCIAS
- Saggiomo et al. (2024). Interrogating stonefish venom: small molecules present in envenomation caused by Synanceia spp. FEBS Open Bio. https://doi.org/10.1002/2211-5463.13926
- Saggiomo et al. (2021). The Geographic Distribution, Venom Components, Pathology and Treatments of Stonefish (Synanceia spp.) Venom. Marine Drugs 19(6), 302. https://doi.org/10.3390/md19060302
- Lennox-Bulow et al. (2023). Stonefish (Synanceia spp.) Ichthyocrinotoxins: An ecological review and prospectus for future research and biodiscovery. Toxicon, Volume 236, 107329. https://doi.org/10.1016/j.toxicon.2023.107329
- https://europepmc.org/article/med/20099677
- https://platform.almanhal.com/Files/Articles/22640
- Phee-Kheng & Darlene (2013). Hot water immersion as a treatment for stonefish sting: A case report. Malasysian Family Physician, 30;8(1):28–32. https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC4170453/
- Maillaud et al. (2020). Is stonefish Synanceia verrucosa envenomation potentially lethal?" Toxicon. https://doi.org/10.1016/j.toxicon.2020.05.019