Material inovador pode permitir que simples movimentos do corpo carreguem dispositivos eletrônicos
Figura 1. Na imagem sobreposta na foto, secção transversal via FE-SEM de um nanogerador piezoelétrico CPENG com 21 camadas. Ref.1 |
"É revolucionário," disse em entrevista o autor principal do novo estudo, Dr. Asif Khan, pesquisador no Departamento de Engenharia Elétrica e Computacional da Universidade de Waterloo (Ref.2). "Nós fizemos o primeiro dispositivo do tipo que pode carregar eletrônicos a um baixo custo e com eficiência sem precedentes."
No efeito piezoelétrico - descrito pela primeira vez na segunda metade do século XIX -, a compressão de cristais assimétricos ao longo dos eixos hemihedrais produz polarização elétrica e descompressão dos mesmos cristais na mesma direção gera uma corrente elétrica com um sinal reverso. Materiais piezoelétricos - que não se limitam a cristais - também exibem piezoeletricidade quando são torcidos ou curvados. Especificamente, essas deformações mecânicas fazem com que cargas elétricas livres na estrutura do material vão para a superfície em lados opostos, criando uma polarização elétrica. E, de forma reversa, quando um material piezoelétrico é submetido a um campo elétrico, sua estrutura é mecanicamente deformada (Ref.4). O nível do potencial elétrico gerado é proporcional à magnitude do estresse mecânico aplicado sobre o material piezoelétrico (Ref.5).
Contanto que o material piezoelétrico permaneça intacto - ou seja, não seja quebrado, algo inevitável com o tempo - uma tensão elétrica será produzida toda vez que um novo estresse mecânico ocorre e é liberado. Se essa tensão elétrica é conectada a um circuito, resultando em uma corrente, é possível utilizar o material piezoelétrico submetido continuamente a estresses mecânicos para gerar eletricidade e alimentar dispositivos eletrônicos ou carregadores.
A nível macroscópico, vários materiais cristalinos e poliméricos exibem comportamento piezoelétrico, incluindo quartzo (SiO2), óxido de zinco (ZnO), cristais wurtzita-estruturados, sal de Rochelle, cerâmicas de zirconato titanato de chumbo (fórmula Pb(Zr,Ti)O3), titanato de bário (BaTiO3) e fluoreto de polivinilideno (um filme polimérico). Esses materiais possuem importante aplicação comercial em transdutores (ex.: sensores eletromecânicos), dispositivos actuatores (transformando energia elétrica em movimentos físicos) e geradores de energia elétrica em macroescala. Um típico acendedor de gás usado em fogões é um exemplo de aplicação cotidiana desses materiais, onde estresse mecânico é usado para gerar faíscas elétricas. Devido à sua alta atividade piezoelétrica, o Pb(Zr,Ti)O3 (ou PZT) é o mais comumente utilizado em várias tecnologias.
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> Outra vantagem de materiais piezoelétricos é a capacidade de amplificar baixa tensão elétrica quando os cristais são alinhados adequadamente. Por exemplo, um potencial de 9 V colocado em um sistema piezoelétrico pode ser amplificado para 90 V. Ref.6
> Talvez o exemplo mais famoso e pioneiro de aplicação em larga escala da piezoeletricidade foi a construção de uma pista de dança em 2008 na boate Holandesa Club Watt, em Rotterdam. Com 270 metros quadrados, a pista foi construída com material piezoelétrico e aproveitava o estresse mecânico causado pelas pessoas dançando para gerar eletricidade: na média, cada indivíduo dançando era capaz de produzir 20 Watts de energia elétrica. Ref.5
> Materiais biológicos podem também exibir efeito piezoelétrico, incluindo DNA, osso e várias proteínas.
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Em nível microscópico, materiais nanométricos piezoelétricos têm sido cada vez mais explorados nos últimos anos para aplicações tecnológicas. Podemos citar, por exemplo, nanotubos e nanolâminas de nitreto de boro (BN) organizado em arranjos hexagonais bidimensionais (2D). Mais recentemente, efeito piezoelétrico tem sido descoberto e explorado em líquidos iônicos (Ref.7).
Usando o efeito piezoelétrico, é possível coletar vibrações e estresses mecânicos gerados pela movimentação do corpo humano (ex.: caminhadas e corridas) e transformá-las em energia elétrica e limpa para carregar dispositivos eletrônicos.
Porém, materiais tradicionalmente usados para geração de piezoeletricidade com alta eficiência - representados primariamente por cerâmicas - são limitados em termos de flexibilidade, fragilidade e/ou custo para esse tipo de reciclagem energética (movimentos do corpo humano → eletricidade). Materiais poliméricos - incluindo nanogeradores piezoelétricos - são uma melhor opção nesse sentido e podem gerar tensão elétrica que excede 3 V (suficiente para a maioria das aplicações em carregadores), mas tipicamente com baixa densidade de corrente (até ordens de magnitude inferior aos valores encontrados nos materiais cerâmicos).
No avanço trazido pelo novo estudo, pesquisadores exploraram materiais piezoelétricos baseados em haletos organometálicos perovskitas (OHPs), especificamente funcionalizando o composto FAPbBr2I com poliestireno e resultando em um nanogerador piezoelétrico do tipo cascata (CPENG) com alta densidade de corrente. Aplicando uma força de 4,2 N (0,42 kg na superfície terrestre) sobre uma camada única do material desenvolvido, obteve-se uma tensão de aproximadamente 29 V e uma corrente de ~11µA/cm2. Com 14 camadas do material, densidade da corrente alcançou 105 µA/cm2 - performance superior a compósitos equivalentes de cerâmica. O material demonstrou também alta resiliência, resistindo a ~1000 ciclos mecânicos sem deterioração na performance.
Com o novo nanogerador piezoelétrico, é possível, por exemplo, construir acessórios leves, versáteis, baratos e altamente eficientes para uso no corpo capazes de carregar a bateria de smartphones, notebooks e outros dispositivos eletrônicos mesmo com pequenos movimentos corporais.
No momento, os pesquisadores entraram com um pedido de patente e estão trabalhando com uma companhia Canadense para comercializar o nanogerador para uso em aviação, especificamente para alimentar sistemas em aviões que monitoram o status de segurança dos equipamentos (Ref.2).
REFERÊNCIAS
- Khan et al. (2024). Breaking dielectric dilemma via polymer functionalized perovskite piezocomposite with large current density output. Nature Communications 15, 9511. https://doi.org/10.1038/s41467-024-53846-6
- https://uwaterloo.ca/news/charge-your-phone-just-moving-your-body
- Katzir, S. (2006). The Discovery of the Piezoeletric Effect. The Beginnings of Piezoelectricity, 15–64. https://doi.org/10.1007/978-1-4020-4670-4_2
- Zhang et al. (2014). Piezoelectric effects and electromechanical theories at the nanoscale. Nanoscale, 6(22), 13314–13327. https://doi.org/10.1039/C4NR03756A
- http://large.stanford.edu/courses/2018/ph240/macfarlane1/
- https://www.sciencedirect.com/topics/engineering/piezoelectric-effect
- https://sc.edu/study/colleges_schools/engineering_and_computing/news_events/news/2022/farouk_piezoelectric_materials.php
- https://www.chemistry.msu.edu/news/2024-8-blanchard-nsf-piezoelectric.aspx