Uso de Cannabis por adolescentes está associado a um risco 11x maior de transtorno psicótico, alerta estudo

O uso recreativo da maconha por adolescentes vem aumentando de forma robusta nas últimas décadas. Como o cérebro nessa fase de idade (12-18 anos) está em um período final e crucial de neurodesenvolvimento, interações de agentes externos com o sistema endocannabinoide podem trazer sérias consequências deletérias. Isso está sendo reforçando por estudos observacionais (prospectivos e retrospectivos) e experimentais publicados nos últimos anos (1). Em especial, existe significativa evidência acumulada associando o uso de Cannabis em jovens com maior risco de psicoses (ex.: esquizofrenia). Piora o cenário considerando que o uso recreativo da Cannabis é feito geralmente via fumo.

(1) Sugestão de leitura:

Fumo e uso recreativo da maconha: lobo sob pele de cordeiro

Um estudo publicado esta semana no periódico Psychological Medicine (Ref.1) reforçou o alerta, ao encontrar um elevado aumento de risco para psicose em adolescentes usando Cannabis. Segundo os resultados do estudo - o qual analisou dados populacionais e de serviços de saúde em Ontário, Canadá, acumulados no período de 2009 a 2012 -, o uso recreativo de Cannabis por jovens com idades de 12 a 19 anos estava associado com um aumento de 11x no risco de desenvolvimento de transtornos psicóticos.

Estudos prévios tipicamente têm analisado também dados do século XX, quando a maconha comumente usada era menos potente, ou seja possuía menor concentração de THC. Isso provavelmente leva a uma subestimação do risco de psicose relativo ao uso mais recente da droga. Para contextualizar, a potência de THC da Cannabis vendida no Canadá aumentou de ~1% em 1980 para 20% em 2018.

"Nós encontramos uma associação muito forte entre uso de Cannabis e risco de transtorno psicótico na adolescência. Surpreendentemente, nós não encontramos evidência de associação em jovens adultos," disse em entrevista o autor principal do estudo, Dr. André McDonald, da Universidade de Toronto, Canadá (Ref.2). "Esses achados são consistentes com a teoria de neurodesenvolvimento apontando que os adolescentes são especialmente vulneráveis aos efeitos da Cannabis."

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Transtornos psicóticos são os tipos mais severos e debilitantes de transtornos mentais, caracterizados pela inabilidade de distinguir a experiência interna da mente da realidade externa do ambiente em volta. Representam momentos de profunda turbulência mental, onde a realidade e a imaginação se entrelaçam de maneira desconcertante. Os episódios psicóticos, muitas vezes caracterizados por alucinações, delírios e desorganização do pensamento, são sintomáticos de diversos transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia, transtorno bipolar e transtorno esquizoafetivo.

Esquizofrenia, o tipo mais comum de transtorno psicótico, inclui um diverso conjunto de sintomas, incluindo desilusões, alucinações, perda de contato com a realidade, perda de motivação, isolamento social e prejuízos cognitivos.

Entre 2,3% e 3,5% das pessoas irão experienciar algum tipo de transtorno psicótico ao longo da vida. A maioria dos transtornos psicóticos primeiro começam a se desenvolver no final da adolescência e início da fase adulta. Transtornos psicóticos estão associados com vários desfechos adversos, incluindo suicídio, desemprego, moradia em rua, e uma expectativa média de vida 10-20 anos menor do que a população em geral.

Vários estudos epidemiológicos sugerem que o uso de Cannabis pode ser um significativo fator de risco para transtornos psicóticos. E essa associação é biologicamente plausível. Indivíduos jovens têm sido identificados como potencialmente vulneráveis ao uso de Cannabis, à medida que o cérebro ainda está em desenvolvimento. Durante esse período de neurodesenvolvimento, o uso de Cannabis é suspeito de impactar o sistema endocanabinoide (2) de um modo que prejudica o refinamento sináptico, o desenvolvimento de matéria branca (3) e o receptor de ligação CB1. O principal componente psicoativo da Cannabis é o tetrahidrocanabinol (THC), que é pensado de explicar esse processo disruptivo e deletério no cérebro.

Leitura recomendada:

Além de psicose, uso recreativo de Cannabis por adolescentes está ligado a uma piora na saúde mental em geral. E essa ligação pode ter ficado mais forte nas últimas duas décadas.

No século XX, a Cannabis produzida e comercializada era significativamente menos potente do que os produtos encontrados hoje no mercado legal e ilegal. Por exemplo, a potência média de THC na maconha ilícita no Canadá aumentou de <1% antes de 1980 para 6% no final da década de 1990, 15% em 2016, e 20% em 2018. Novos tipos de produtos canábicos também se tornaram mais populares, incluindo extratos de Cannabis, os quais podem alcançar potência de 95%.

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No novo estudo, pesquisadores da Universidade de Toronto, do Centro para Dependência e Saúde Mental (CAMH) e do Instituto para Ciências Clínicas Avaliativas (ICES) analisaram dados populacionais de >11 mil jovens em Ontário, Canadá, e registros no uso de serviços de saúde, incluindo hospitalizações, visitas ao departamento de emergência e visitas ambulatoriais. Os dados incluíram uso auto-reportado de Cannabis e diagnósticos subsequentes de transtornos psicóticos.

As análises mostraram que entre os adolescentes que foram hospitalizados ou visitaram o departamento de emergência por causa de um transtorno psicótico, cerca de 5 em cada 6 tinham um histórico de uso de Cannabis. Comparado com o não-uso de Cannabis, o uso dessa droga estava associado com um risco 11 vezes maior de transtorno psicótico em qualquer ponto durante a adolescência (12-19 anos de idade). Por outro lado, os pesquisadores não encontraram evidência de associação entre uso de Cannabis e risco de transtorno psicótico durante o início da fase adulta (20-33 anos de idade).

O estudo, portanto, traz nova e importante evidência epidemiológica consistente com a hipótese de que a adolescência é um período particularmente vulnerável para o uso de Cannabis.

Porém, os autores não conseguiram eliminar totalmente uma relação de "causação reversa". Já foi sugerido que a associação entre uso de Cannabis por adolescentes e psicose pode estar ligado a indivíduos com sintomas psicóticos se "automedicando" com a droga ou predispostos ao uso da droga. Embora não exista relevante suporte científico nesse sentido, é uma possibilidade. Nesse mesmo sentido, pode também existir uma relação bidirecional e de retroalimentação, onde uso de Cannabis potencializa sintomas psicóticos e vice-versa.

Independentemente desse ponto de incerteza, os resultados do estudo acendem um sério alerta, especialmente em meio aos movimentos de legalização da Cannabis em vários países.

"À medida que os produtos comercializados de Cannabis se tornaram mais amplamente disponíveis, e possuem maior conteúdo de THC, o desenvolvimento de estratégias de prevenção visando adolescentes é mais importante do que nunca," disse em entrevista uma das coautoras do estudo, Dr. Susan Bondy, cientista afiliada do ICES e professora associada na Universidade de Toronto (Ref.2).

"A juventude Canadense está entre os mais pesados usuários de Cannabis no mundo. Se nós seguirmos o princípio da precaução, a mensagem principal é que mais precisa ser feito para prevenir o uso precoce de Cannabis," completou o Dr. McDonald (Ref.2)

Outro estudo também publicado este mês, no periódico Addiction (Ref.3), analisando prospectivamente e retrospectivamente adolescentes com idades de 16 a 18 anos no Reino Unido nascidos na década de 1990, encontrou um risco 2x maior para experiências psicóticas a partir de 19-24 anos de idade naqueles indivíduos usando Cannabis de alta potência. Em torno de 6,4% dos jovens analisados usando Cannabis tiveram novas experiências psicóticas, comparado com 3,8% nos não-usuários. No Reino Unido, a concentração de THC na Cannabis aumentou em 14% de 1970 a 2017, com o mercado Britânico hoje dominado por variedades de alta potência da droga (ex.: skunk).

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ALERTA! Outro problema cada vez mais comum e associado com o uso recreativo e abusivo de Cannabis: O que é a Síndrome da Hiperêmese por Canabinoide?

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REFERÊNCIAS