Quanto maior, melhor: Macaco-narigudo macho conquista mais fêmeas com um nariz maior, conclui estudo

Figura 1. Macaco-narigudo adulto macho.

 
Entre vários mamíferos, traços faciais exagerados e sexualmente selecionados em machos servem como sinalizações honestas da habilidade de luta (competição intraespecífica), e influenciam a escolha de parceiros sexuais pelas fêmeas. Entre os primatas, talvez o exemplo mais notável de traços fenotípicos faciais exagerados é o grande e bulboso nariz dos machos adultos de macacos-narigudos, primatas da família Cercopithecoidea. O nariz enorme e único do macaco-narigudo é um traço sexualmente dimórfico, cuja emergência evolutiva tem sido ligada a seleção sexual através de sinalização auditiva e visual. 

Agora, um estudo publicado na Scientific Reports (Ref.1) trouxe uma melhor descrição científica do "narigão" e forte evidência de suporte à hipótese de seleção sexual agindo em duas frentes: quanto maior o nariz, mais atrativo visualmente para fêmeas e mais poderosos os chamados sonoros masculinizados gerados. 

"Nós encontramos que machos possuem cavidades nasais muito maiores do que as fêmeas, e com um formato diferente em relação à cavidade nasal feminina," disse em entrevista a autora principal do novo estudo, Dra. Katharine Balolia, da Universidade Nacional Australiana (Ref.2). "Ser capaz de emitir chamados mais altos e profundos graças à cavidade nasal mais longa e maior ajuda os macacos machos a sinalizar o status de saúde e dominância."

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O macaco-narigudo (Nasalis larvatus) é um primata endêmico da ilha de Bornéu, no Sudeste Asiático, e hoje em perigo de extinção devido a fatores antropogênicos causando perda, fragmentação e degradação do habitat florestal dessa espécie. Por outro lado, evidência empírica recente sugere que a população selvagem dessa espécie tem se mantido estável nas últimas duas décadas (Ref.3-4). O macaco-narigudo é arbóreo e tipicamente vive em grupos sociais com um único macho e múltiplas fêmeas (apesar de grupos de sexos misturados ocasionalmente ocorrerem com vários machos adultos). Existem também grupos formados apenas por machos, e machos são às vezes solitários. De hábitos diurnos, esses macacos possuem uma dieta vegetariana - folívora e frugívora - e são bons nadadores, chegando a nadar até 20 metros submersos em água (Ref.5).

Os macacos-narigudos são sexualmente dimórficos. Machos possuem um comprimento de 70 cm e massa corporal entre 16 e 22 kg, enquanto as fêmeas medem 60 cm e possuem entre 7 e 12 kg. Especialmente notável é a presença de um grande e protuberante nariz nos machos, o qual parece potencializar vocalizações através de ressonância. O nariz das fêmeas é bem menor (Fig.2). A estrutura nasal externa serve também como sinal visual, onde crescimento nasal exagerado nos machos está associado com o número de fêmeas adultas em cada grupo de acasalamento, e os narizes de machos que estão nesses grupos são significativamente maiores do que aqueles de machos em grupos de não-acasalamento. 

Figura 2. À direita, um macaco-narigudo fêmea com o seu filhote, e, à esquerda, um macho e uma fêmea. Essa espécie exibe membranas entre os membros permitindo melhor habilidade de natação. Nunca vivem a mais de 600 metros longe de um rio e comumente pulam das árvores para mergulhar. Expectativa de vida alcança até 23 anos. São predados tipicamente por crocodilos e leopardos.

Figura 3. Macaco-narigudo macho exibindo ereção peniana. Os machos adultos possuem um escroto preto e um pênis vermelho. 

No quesito acústico, os macacos-narigudos emitem vários sons comunicativos e existe evidência que as estruturas nasais hipertrofiadas entre os machos atuam de forma importante na produção vocal, com maiores razões formantes (uma medida de propriedades de ressonância) estando aparentemente associadas com um maior tamanho do nariz. Portanto, estruturas nasais hipertrofiados em macacos-narigudos machos podem permitir vocalizações nasais mais altas, profundas e de baixa frequência, especificamente zurros (85 Hz), buzinas (140 Hz) e rugido (137 Hz).

Macacos-narigudos machos exibem dois tipos de vocalização que dependem fortemente da região nasal do trato vocal ("vocalizações nasaladas"): buzinas e rugidos nasais, raramente ou nunca elicitados por fêmeas. O terceiro tipo de vocalização nasalada, zurro, é feita de forma mais frequente pelos machos do que pelas fêmeas. Buzinas e rugidos nasais são caracterizados como chamados altos e com alta concentração de energia na emissão sonora. O zurro também é um chamado alto, e emitido através do trato vocal nasal. Por outro lado, "gritos", os quais são o principal tipo de vocalização expresso pelas fêmeas e por indivíduos imaturos, exibem alta frequência (1350 Hz) e não são considerados chamados altos; além disso, o grito não depende fortemente da região nasal do trato vocal.

          

Porém, a extensão para a qual estruturas nasais hipertrofiadas dos machos evoluíram devido a pressões seletivas associadas com sinalização visual ou sinalização é difícil de avaliar apenas examinando o tecido nasal mole (estrutura externa). É esperado, por exemplo, que o tamanho da cavidade nasal seja também aumentado entre os machos em relação às fêmeas e outros táxons de primatas próximo-relacionados que não emitem chamados nasalados altos e de alta amplitude. Além disso, a cavidade entre os macacos-narigudos machos é esperada de exibir uma forma única, capaz de emitir vocalizações altas e profundas (alta-amplitude, baixo formante). 

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Nesse sentido, no novo estudo, os pesquisadores resolveram analisar em mais detalhes as características morfológicas associadas às estruturas nasais dos macacos-narigudos no contexto da hipótese de seleção sexual. Para isso, usaram escaneamentos tridimensionais (3D) de crânios dessa espécie conservados em coleções de museus, visando determinar as medidas dimensionais e formatos da estrutura interna da cavidade óssea nasal. 

Eles encontraram que:

- a abertura nasal do macaco-narigudo macho é 29% maior do aquela da fêmea, mesmo após controle para massa corporal;

- a cavidade nasal dos machos é 26% maior do que aquela das fêmeas, relação que permaneceu significativa mesmo após correção para tamanho corporal;

- diferenças nos formatos da cavidade nasal eram significativas entre machos e fêmeas, como nas margens nasais inferior e superior e na posição relativa da fossa lacrimal superior;

- existia uma relação positiva e significativa entre tamanho da abertura nasal e idade relativa, e essa relação entre as duas variáveis não mostrou ser significativa nas fêmeas. 

Importante, o acentuado dimorfismo sexual na estrutura nasal dos macacos-narigudos superou significativamente aquele encontrado em outras espécies de macacos da família Cercopithecoidea (!), indicando também diferenciada e intensa ação de seleção sexual.

Figura 4. Dra. Katharine Balolia examinando um escaneamento 3D de um macaco-narigudo macho para melhor entender o porquê do nariz ficar tão grande nos machos. Ref.2

Somados, os achados do estudo suportaram as hipóteses de sinalização visual e acústica para as estruturas nasais hipertrofiadas nos macacos-narigudos machos. O formato e tamanho da estrutura óssea da cavidade nasal dos machos evoluíram no sentido de facilitar em especial a produção das vocalizações nasaladas de baixa frequência e alta energia. E os grandes narizes [estrutura externa carnuda] espelhando a estrutura óssea diferenciada junto com as vocalizações masculinas atuariam [visual e sonoro] sinalizando de forma honesta a qualidade e status social do macho para as fêmeas.

Segundo os autores do estudo, o ambiente de floresta densa na qual os macacos-narigudos evoluíram pode também ter contribuído para a notável hipertrofia nasal. Esses macacos frequentemente são impossibilitados de verem uns aos outros devido à massiva cobertura de folhagens e, nesse sentido, chamados altos e nasalados são importantes para a comunicação entre os indivíduos sem grande proximidade visual, especialmente entre os machos, ao otimizar a propagação da emissão sonora.

O grande nariz carnudo e caído dos machos provavelmente foi ficando cada vez maior ao longo do percurso evolucionário para aumentar a habilidade das vocalizações nasaladas masculinizadas, via ressonância. De fato, o macaco-narigudo macho endireita rigidamente o nariz quando faz esses chamados. Isso é observado em outra espécie de mamífero sem parentesco próximo: o raro e ameaçado antílope saiga (Saiga tatarica), que também exibe uma proeminente morfologia nasal, tensionando e estendendo o nariz quando emite rugidos nasais. 

Nesse caminho, fêmeas podem ter começado a considerar narizes maiores visualmente atrativos durante seleção de parceiros sexuais como um sinal honesto de saúde e dominância. Aliás, os resultados do estudo foram consistentes com a ideia de que o nariz dos machos fica maior com o avanço da idade, coincidindo particularmente com oportunidades de reprodução. Um nariz mais pronunciado acaba espelhando a conquista de um status de dominância, afugentando outros machos e atraindo fêmeas que estão prontas para o acasalamento.

(!) MACACO MISTERIOSO

 

Curioso mencionar que nos últimos anos um estranho espécime de primata vivendo na companhia de macacos da espécie Trachypithecus cristatus (Fig.5) parece ser fruto de hibridização envolvendo o macaco-narigudo (Nasalis larvatus). O aparente híbrido vive ao longo do Rio Kinabatangan, em Sabah, na Malásia, e primeiro foi registrado em 2017. Um estudo de 2022 trouxe convincente evidência suportando o cenário de hibridização (Ref.6). Mesmo com o ancestral comum dessas duas espécies divergindo há aproximadamente 9,21 milhões de anos, e ambas pertencendo a gêneros distintos, hibridização efetiva entre os dois táxons (N. larvatus e T. cristatus) parece ser possível. Aliás, essas duas espécies já foram flagradas se acasalando (Fig.5E). 

Figura 5. Registros em foto do "macaco misterioso", provável híbrido. (A) "Misterioso macaco" juvenil em interação com uma fêmea adulta de T. cristatus (provavelmente a mãe), nessa foto tirada em 2017. (B) "Misterioso macaco" sub-adulto e sozinho, em 2018. (C) "Misterioso macaco" sub-adulto se alimentando sozinho e (D) com um T. cristatus juvenil, uma fêmea adulta T. cristatus e outro indivíduo T.  cristatus, ambas as fotos tiradas em 2018. (E) Macho adulto N. larvatus acasalando com uma fêmea adulta T. cristatus na mesma área (foto de 2017). (F) "Macaco misterioso" claramente identificável como uma fêmea com mamas inchadas, segurando um bebê, que parece ser seu filhote, nessa foto tirada em 2020. Ref.6

Coloração e outras características morfológicas do aparente híbrido fêmea são intermediárias entre o N. larvatus e o T. cristatus, e o espécime parece ser fértil. Como o "macaco misterioso" vive em uma área altamente fragmentada, é possível que fatores antropogênicos de degradação do habitat das espécies em questão tenham fomentando o raro evento de hibridização, ao limitar as oportunidades de acasalamento com membros da própria espécie. Esse evento - junto com a persistente competição por estreitos nichos ecológicos e escassos recursos - pode ser também um potencial alerta de eventual extinção de uma das duas espécies a longo prazo dependendo da pressão antropogênica e sucesso adaptativo dos híbridos.

REFERÊNCIAS

1. Balolia & Fitzgerald (2024). Male proboscis monkey cranionasal size and shape is associated with visual and acoustic signalling. Scientific Reports 14, 10715. https://doi.org/10.1038/s41598-024-60665-8
2. https://reporter.anu.edu.au/all-stories/bigger-is-better-male-proboscis-monkeys-enhanced-noses-evolved-to-attract-mates
3. Toulec et al. (2022). A decade of proboscis monkey (Nasalis larvatus) population monitoring in Balikpapan Bay: Confronting predictions with empirical data. American Journal of Primatology, Volume 84, Issue 2, e23357. https://doi.org/10.1002/ajp.23357
4. Matsuda et al. (2020). Population dynamics of the proboscis monkey Nasalis larvatus in the Lower Kinabatangan, Sabah, Borneo, Malaysia. Oryx, 54(4):583-590. https://doi.org/10.1017/S0030605318000467
5. https://animaldiversity.org/accounts/Nasalis_larvatus/
6. Lhota et al. (2022). Is Malaysia’s "mystery monkey" a hybrid between Nasalis larvatus and Trachypithecus cristatus? An assessment of photographs. International Journal of Primatology 43, 513–532. https://doi.org/10.1007/s10764-022-00293-z