Essa pequena e estranha planta possui o maior genoma conhecido, revela estudo
Figura 1. População selvagem de Tmesipteris oblanceolata. Ref.1 |
O DNA - sigla em inglês para 'ácido desoxirribonucleico' - é uma molécula orgânica polimérica que representa o material hereditário em humanos e outros organismos vivos na Terra (1). A informação no DNA é armazenada na forma de um código constituído de quatro bases químicas [nucleotídeos] conectadas entre si por ligações de hidrogênio: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). O genoma nuclear humano possui aproximadamente 3,2 bilhões de pares de bases, divididos em moléculas lineares de DNA de diferentes tamanhos contidas em 46 cromossomos (2). Muitas sequências de nucleotídeos nas moléculas de DNA humano constituem genes que comumente expressam proteínas com funções diversas. Porém, apesar do grande tamanho, o genoma humano está longe de ser o maior e mais complexo entre os organismos vivos como popularmente pensado.
Leitura complementar:
- (1) Cientistas "brincando de Deus": Letras artificiais no DNA
- (2) Existe ainda o genoma mitocondrial: uma molécula circular de DNA constituída por >16,5 mil nucleotídeos. Para mais informações: Afinal, as mitocôndrias são sempre herdadas da mãe em humanos?
Aliás, tamanho genômico não está fortemente correlacionado com a complexidade anatômica ou sistêmica de um organismo. Particularmente, muitas plantas exibem genomas gigantescos, várias vezes maior do que o genoma humano. Nesse sentido, um estudo publicado esta semana no periódico iScience (Ref.3) revelou o maior genoma até o momento descrito, pertencente a uma pequena e estranha planta da espécie Tmesipteris oblanceolata. O genoma nuclear dessa planta é 50 vezes maior do que o genoma humano: 160,45 bilhões de pares de bases!
Entre os seres vivos eucariontes, onde encontramos organismos mais complexos como plantas, animais e fungos, tamanhos genômicos vão desde alguns poucos milhões de pares de bases (Mbp) até vários bilhões de pares de bases (Gbp) (Fig.2). Genomas fúngicos miniaturizados, incluindo o menor genoma eucariótico conhecido (2,6 Mbp) pertencente ao parasita intracelular obrigatório Encephalitozoon intestinalis - responsável por doenças gastrointestinais em humanos (Ref.4) -, entra em grande contraste com aqueles encontrados em outros grupos onde genomas se expandiram até 5 ordens de magnitude. Porém, apenas em algumas linhagens de plantas e animais extremas expansões genômicas além de 100 Gbp são observadas.
Figura 2. Distribuição de tamanhos genômicos ao longo das principais linhagens de plantas, animais e fungos. Ref.1 |
Entre animais, "genomas obesos" existem em apenas duas linhagens de cordados: peixes-pulmonados (classe Dipnoi), onde o tamanho genômico alcança até 129,9 Gbp na espécie Protopterus aethiopicus, e nas salamandras da família Proteidae (classe Amphibia), com tamanho genômico de até 117,47 Gbp na espécie Necturus lewisi. Por outro lado, várias plantas vasculares exibem genomas obesos e extremos, com variação de tamanho genômico de 2400x, incluindo o maior genoma historicamente registrado: 148,89 Gbp, pertencente à angiosperma da espécie Paris japonica. Outros exemplos de destaque que podem ser citados são a planta parasita Viscum album (100,84 Gbp) e samambaias da família Psilotaceae, como a espécie Tmesipteris obliqua (147 Gpp).
Figura 3. Os 10 maiores genomas historicamente registrados em eucariontes. Ref.1 |
A desconexão entre tamanho genômico e complexidade do organismo vivo tem historicamente intrigado os biólogos, um enigma apelidado de "Paradoxo C-value". Avanços no campo da genética e dos sequenciamentos genômicos têm trazido convincente evidência de que essa grande e aparentemente aleatória variação de tamanho genômico está comumente associada ao fenômeno de poliploidia - especialmente nas angiospermas (3) -, abundância de sequências repetidas de DNA não-codificante e dinâmicas dos processos que amplificam, erodem e deletam DNA (4).
Sugestão de leitura:
- (3) Como nova informação genética é gerada durante o processo evolutivo?
- (4) Ácaros no nosso rosto estão em dramático processo de transição evolutiva, aponta estudo
Ter abundante genoma pode fornecer "matéria-prima" para a criação de nova informação genética com potencial adaptativo a longo prazo. Por outro lado, replicar o enorme genoma a cada nova divisão celular no organismo acaba também consumindo muitos recursos (ex.: minerais) e energia, implicando em um alto custo bioquímico, metabólico e regulatório a curto prazo - que pode ser potencialmente compensado em um ambiente relativamente estável e com pouca competição. Nesse caminho, é possível também que o acúmulo genômico excessivo seja fruto de seleção neutra, ou seja, não resulta em vantagem e nem em desvantagem.
No novo estudo, pesquisadores usaram citometria de fluxo com iodeto de propídio para analisar o tamanho genômico em plantas do gênero Tmesipteris. As análises revelaram que uma rara espécie encontrada na Nova Caledônia e em alguns arquipélagos vizinhos, no sul do Oceano Pacífico, possui o maior genoma até o momento reportado: 160,75 Gbp.
Figura 4. (A) Espécime selvagem de Tmesipteris oblanceolata. (B) Detalhes de estômatos e sinângios da espécie. Ref.1 |
O gênero Tmesipteris (Psilotaceae) é um grupo relativamente pouco estudado constituído por ~15 espécies, as quais são principalmente plantas epifíticas ocorrendo na Oceania e em várias Ilhas Pacíficas. Não apresentam raízes verdadeiras ou folhas, sendo fixadas em substratos [ex.: sobre estruturas de outras plantas] por rizoides. Até o momento, o tamanho genômico de apenas duas espécies haviam sido reportados: uma tetraploide T. tannensis (73.19 Gbp) e outra octoploide, T. obliqua (147.29 Gbp). Ou seja, gigantismo genômico parece ser comum no grupo. O genoma da T. oblanceolata - especificamente a subespécie T. o. linearifolia - é ~7% maior do que o recorde prévio (P. japonica).
Os autores do novo estudo descrevendo a descoberta sugeriram que o massivo genoma da T. tannensis é resultado dos efeitos combinados de poliploidia e acúmulo de DNA repetitivo. E aparentemente a T. tannensis é também octoploide.
A descoberta estende a diferença entre o menor e o maior genomas conhecidos de eucariontes para >61000x, e para ~2500x entre plantas. Pesquisadores comentando sobre o estudo sugerem que a T. tannensis pode marcar o pico ou pelo menos próximo do pico de tamanhos genômicos possíveis nos eucariontes (Ref.5-6).
REFERÊNCIAS
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK21134/
- https://www.genome.gov/genetics-glossary/Chromosome
- Pellicer et al. (2024). A 160 Gbp fork fern genome shatters size record for eukaryotes. iScience. https://doi.org/10.1016/j.isci.2024.109889
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7938802/
- https://www.nature.com/articles/d41586-024-01567-7
- https://www.science.org/content/article/unassuming-fern-has-largest-known-genome-and-no-one-knows-why