Fósseis revelam apêndices cutâneos similares a penas e nunca antes descritos em nenhum animal
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Figura 1. (A) Reconstrução artística de um Mirasaura. (B) Crista fossilizada de um Mirasaura, constituída de apêndices cutâneos similares a penas. (Arte: Stephan Spiekmann) |
Cobertura corporal com apêndices cutâneos elaborados, em particular pelos e penas, tem sido alvo de forte pressão seletiva nas linhagens aviárias e de mamíferos. Esses apêndices possuem funções diversas, incluindo redução na perda de calor corporal, sinalizações visuais e, no caso das penas, voo. A estrutura dos pelos e das penas é significativamente distinta e mais complexa dos que as escamas dos répteis em geral. E, até o momento, era incerta a existência ou diversidade de outros apêndices cutâneos complexos nos vertebrados. Nesse último ponto, um estudo publicado recentemente no periódico Nature (Ref.1) descreveu um estranho réptil diapsídeo do Triássico (Mirasaura grauvogeli) que exibia uma crista dorsal complexa e similar - mas distinta - a penas. A função dessa crista é incerta, mas provavelmente era usada para comunicação visual com outros membros da espécie.
"Mirasaura desenvolveu uma alternativa às penas muito antes dos dinossauros emergirem na história da Terra, algo que nós não esperávamos," disse em entrevista o Dr. Rainer Schoch, especialista em répteis e chefe do Departamento de Paleontologia do Museu Estadual de História Natural de Stuttgart, na Alemanha (Ref.2).
Amniotas - clado de vertebrados que inclui répteis, aves e mamíferos (1) - são caracterizados por vários tipos de estruturas tegumentares (que revestem o corpo), incluindo escamas, pelos, chifres, galhadas (2), garras, unhas (3) e penas. Os tegumentos englobam um vasto espectro de tamanhos e morfologias nos amniotas extintos e ainda vivos que se desenvolvem por meio de interações dermo-epidérmicas especializadas. Durante a embriogênese, penas, fios capilares (pelos) e a maior parte das escamas seguem trajetórias similares de desenvolvimento e de controle genético. Nos pelos de mamíferos e nas penas de aves, o placode epidérmico é subsequentemente invaginado para dentro da derme para formar um folículo (4). A beta-queratina (β-queratina) que forma escamas, penas e garras nos répteis - e genes regulatórios associados à produção dessa proteína - pode ser rastreada até o ancestral dos amniotas. Nesse sentido, elementos genéticos cruciais para o desenvolvimento de apêndices tegumentares ou cutâneos complexos já existiam muito antes dos dinossauros aviários e mamíferos emergirem no planeta.
Leitura recomendada:
- (1) Quem veio primeiro: o ovo ou o réptil? Descoberta de um fóssil na China ajudou a esclarecer a questão
- (2) Qual a função das galhadas nos alces e outros cervídeos?
- (3) Por que nós e outros primatas temos unhas?
- (4) Qual é a função do cabelo no escalpo humano?
Até o momento, a única evidência fóssil de apêndice cutâneo complexo em répteis além da linhagem aviária e dos pterossauros (!) pertence à espécie Longisquama insignis, um pequeno réptil diapsídeo que viveu no Triássico Médio ou Tardio (Fig.2). Análises iniciais dos vestígios fossilizados de L. insignis apontavam que as projeções alongadas na parte dorsal dessa espécie eram "proto-penas", mas análises posteriores têm mostrado que essas estruturas diferem fundamentalmente das penas em vários aspectos, incluindo ausência de barbas. A natureza dos apêndices tegumentares no Longisquama continua sem conclusivo esclarecimento, assim como o posicionamento filogenético desse táxon.
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(!) Existe forte evidência fóssil de que penas evoluíram também nos pterossauros. Para mais informações: Pterossauros eram dinossauros voadores?
> Dinossauros emergiram há cerca de 245 milhões de anos, no Triássico (Ref.5). Dinossauros aviários provavelmente emergiram no Jurássico Inferior. Para mais informações: Aves emergiram antes ou depois dos tiranossauros?
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No novo estudo, pesquisadores analisaram dois esqueletos fossilizados bem preservados e 80 espécimes de apêndices tegumentares isolados pertencentes a um diapsídeo do gênero Mirasaura que viveu há aproximadamente 247 milhões de anos (Fig.3). Esses fósseis foram coletados no período entre 1930 e 1978, em uma região montanhosa na França, e nenhum pertencia a indivíduos adultos. Os pesquisadores usaram uma bateria de técnicas analíticas para examinar os dados fósseis, incluindo microscopia de escaneamento eletrônico, tomografia de síncrotron e análise filogenética.
O Mirasaura possuía uma série de pelo menos 16 estruturas sobrepostas sobre o dorso do corpo e se estendendo verticalmente a partir da região espinhal - mas sem evidência de conexão com as vértebras. Variando em comprimento de >50 milímetros (mm) na frente até menos de 5 mm na parte de trás da crista, os apêndices mostraram ser bem distintos de penas nas análises - mas com características similares, incluindo o contorno, o sulco central estreito e a disposição (geometria) de melanossomos. Enquanto reais penas consistem de várias estruturas ramificadas delicadas chamadas "barbas", não existe evidência de tais ramificações nos apêndices do Mirasaura. As análises também não revelaram nenhuma homologia estrutural com qualquer outro apêndice tegumentar de amniotas ainda vivos.
Isso aponta que os apêndices do Mirasaura evoluíram de forma independente - e talvez convergente - em relação às penas dos dinossauros aviários. A função desses apêndices é incerta, mas provavelmente eram usados para comunicação visual (ex.: atração de parceiros sexuais) ou - caso fossem eriçáveis - para deter o avanço de predadores ("efeito de espanto").
As análises também mostraram que o Mirasaura possuía um crânio similar àquele de aves, incluindo quase ausência de dentes. O longo focinho - parecido com um bico - provavelmente era usado para extrair insetos de estreitos buracos em árvores (dieta insetívora) (Fig.4). O corpo desse réptil também exibia várias adaptações arborícolas, incluindo membros, garras e cauda preênsil otimizados no sentido de agarrar em galhos. E, interessante, esse gênero mostrou ter relação filogenética próxima com o gênero Longisquama dentro do clado Drepanosauromorpha - uma linhagem com relação próxima aos répteis basais.
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Figura 4. Reconstrução artística do Mirasaura no seu habitat natural, caçando insetos. |
Nesse sentido, os fósseis do Mirasaura fornecem a primeira evidência direta de que o desenvolvimento de apêndices cutâneos complexos provavelmente teve origem no período Carbonífero, há mais de 300 milhões de anos e próximo do ancestral comum de todos os répteis. É ainda incerto se cristas dorsais tegumentares eram comuns entre os drepanossauros.
REFERÊNCIAS
- Spiekman et al. (2025). Triassic diapsid shows early diversification of skin appendages in reptiles. Nature 643, 1297–1303. https://doi.org/10.1038/s41586-025-09167-9
- https://www.naturkundemuseum-bw.de/en/press/detailansicht/a-wonder-fossil-changes-our-understanding-of-reptile-evolution
- Reisz & Sues (2000). The 'feathers' of Longisquama. Nature 408, 428. https://doi.org/10.1038/35044204
- Buchwitz & Voigt (2012). The dorsal appendages of the Triassic reptile Longisquama insignis: reconsideration of a controversial integument type. Paläontologische Zeitschrift 86, 313–331. https://doi.org/10.1007/s12542-012-0135-3
- https://www.nhm.ac.uk/discover/when-did-dinosaurs-live.html
- https://www.nhm.ac.uk/discover/news/2025/july/bizarre-new-fossil-reptile-had-crest-unlike-anything-seen-before.html
- https://www.nature.com/articles/d41586-025-01711-x
