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Lítio é essencial para o funcionamento normal do cérebro, aponta estudo

Um estudo publicado na Nature (Ref.1) trouxe múltiplas evidências de que o lítio - um metal constituinte de baterias (1) - é naturalmente encontrado no cérebro humano e de outros mamíferos, realizando funções vitais nesse órgão e protegendo-o de patologias neurodegenerativas, como o Alzheimer (2). O estudo foi conduzido ao longo de 10 anos e seus achados foram baseados em uma série de experimentos envolvendo camundongos e em análises de tecidos cerebrais humanos e amostras sanguíneas de indivíduos em vários estágios de saúde cognitiva. A perda de lítio no cérebro mostrou ser uma das primeiras mudanças cerebrais levando ao Alzheimer e, em camundongos, o uso de um suplemento de lítio reverteu o quadro de Alzheimer e sem toxicidade.


"A ideia de que deficiência de lítio pode ser a causa da doença de Alzheimer é nova e sugere uma nova oportunidade terapêutica," disse em entrevista o autor principal do novo estudo, Bruce Yankner, professor de genética e neurologia no Instituto Blavatnik da Faculdade de Medicina de Harvard, EUA (Ref.2). Yanker foi o primeiro a demonstrar na década de 1990 que a proteína beta-amiloide é tóxica no cérebro e é um dos principais nomes no campo de estudo do Alzheimer.


"Lítio é como outros nutrientes que nós obtemos da dieta, como ferro e vitamina C," disse Yanker. "É a primeira demonstração de que o lítio existe em um nível natural no corpo que é biologicamente significativo e sem a necessidade de administrá-lo como um medicamento."


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Para a maioria das pessoas, a palavra "lítio" remete imediatamente ao tratamento de pacientes com doenças mentais. De fato, o lítio - no caso o íon associado (Li+) em sais - tem sido usado em altas doses (150-360 mg de Li) por mais de 100 anos, e quase que exclusivamente, para tratar transtorno bipolar e várias formas de doenças mentais. Em 1886, uma forma altamente ionizável desse metal, carbonato de lítio (Li2CO3) foi introduzida para tratar quadros de depressão, sendo a forma atual de administração em tratamentos psiquiátricos. E, nesse sentido, o lítio continua sendo o "padrão ouro" para o tratamento farmacológico e prevenção de relapsos visando transtornos bipolares tipo I e tipo II. É também efetivo em prevenir comportamento suicida durante um episódio depressivo maior.


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> Apesar da sua forte eficácia terapêutica, durante os últimos anos o lítio tem sido cada vez menos administrado devido à sua toxicidade em doses terapêuticas (até 1,8 g/dia de carbonato de lítio) e à necessidade de monitoramento da concentração de Li+ no sangue para prevenir sérios efeitos tóxicos. Ref.3


> Sobre os mecanismos neurobiológicos pelos quais o lítio promove efeitos antidepressivos e de estabilização do humor, acesse a Ref.4

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Além do seu uso terapêutico, o lítio é tradicionalmente considerado sem importância no corpo humano em termos nutricionais. Porém, acúmulo cada vez maior de evidências científicas aponta que quantidades traços desse metal são essenciais para o bom funcionamento do corpo de animais diversos, desde insetos até mamíferos. O lítio é encontrado na água e em fontes alimentares diversas em níveis de microgramas até miligramas, ou seja, é parte da dieta humana e estamos expostos continuamente aos íons desse metal. 


Fontes na dieta ricas em lítio incluem (Ref.5-8): 


- água mineral;

 

- sal de cozinha (!);


- e diversos alimentos de origem vegetal, incluindo raízes, bulbo (ex.: cebola e alho), grãos, frutas, folhas (ex.: verduras) e batatas. 


Consumo diário de lítio por humanos pode variar muito - talvez de 0,1,0 mg/dia até 30 mg/dia - dependendo da população analisada, hábitos alimentares e fatores geográficos. Não existe uma quantidade mínima para ingestão de lítio recomendada por agências de saúde ou por sólida evidência científica, e é incerto a partir de qual quantidade o lítio passa a ser tóxico. Existe sugestão na literatura acadêmica de que o consumo de lítio por humanos não deve exceder 1 mg/dia, mas esse valor é apontado como conservador.


Entre animais diversos, o lítio parece ser importante para adequada função reprodutiva e existe evidência de que possui propriedades anti-inflamatórias (Ref.6,9). 


Estudos ecológicos têm apontado que uma maior ingestão de lítio através de fontes naturais (ex.: água de consumo público) está correlacionada com menores taxas de suicídios e de certos transtornos psiquiátricos em humanos, porém evidência nesse sentido é ainda muito limitada (Ref.10-11).


E, nos últimos anos, evidência crescente tem apontado que o lítio possui papel protetor contra doenças neurodegenerativas, incluindo Alzheimer, esclerose lateral amiotrófica e Parkinson (Ref.4). No caso do Alzheimer, vários fatores de risco relacionados à dieta, estilo de vida e o ambiente têm sido identificados, mas a contribuição desses fatores para a patogênese da doença é ainda pouco esclarecida. Homeostase alterada de certos metais é um desses fatores e isso inclui o lítio.


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No novo estudo, pesquisadores da Faculdade de Medicina de Harvard primeiro exploraram o papel de vários íons metálicos na patogênese do Alzheimer, usando espectrometria de massa acoplada com plasma (ICP-MS) para avaliar a abundância de 27 metais no cérebro e no sangue de indivíduos sem problemas cognitivos e de indivíduos com problemas de memória (estágio inicial de demência) ou Alzheimer. De todos os metais analisados, apenas o lítio estava associado com níveis significativamente reduzidos no córtex pré-frontal de indivíduos com problemas de memória ou Alzheimer (Fig.1). Porém, nenhuma diferença foi encontrada entre os grupos em relação aos níveis de lítio no cerebelo e no sangue.

 

Figura 1. Gráfico de dispersão de diferentes metais analisados em indivíduos sem problemas cognitivos e indivíduos com Alzheimer, mostrando um agrupamento principal e um ponto notavelmente fora desse agrupamento correspondendo ao lítio (Li). Perda cortical de lítio mostrou ser uma das primeiras mudanças levando ao Alzheimer. Ref.1

Os pesquisadores replicaram esse achado em amostras obtidas de múltiplos bancos cerebrais nos EUA. O achado também corroborou estudos populacionais prévios mostrando que níveis maiores de lítio no ambiente, incluindo na água de consumo público, estavam correlacionados com taxas menores de demência.


Essa primeira parte do estudo indicou que a homeostase endógena de lítio é perturbada no cérebro de indivíduos no início do desenvolvimento de demência e com Alzheimer. Em indivíduos saudáveis os níveis corticais de lítio são altos relativo aos indivíduos afetados por demência.


Além disso, como as análises diretas de lítio no cérebro envolveram pessoas que não foram submetidas a tratamentos baseados em carbonato de lítio, os pesquisadores foram capazes de mostrar que existe uma faixa normal desse metal no tecido cerebral. Isso sugere que o lítio possui um papel essencial na fisiologia cerebral.


Já na segunda parte do estudo, os pesquisadores conduziram uma série de experimentos envolvendo camundongos e demonstraram que a depleção de lítio no cérebro não está meramente ligada ao Alzheimer - atua promovendo a doença.


Camundongos saudáveis alimentados com uma dieta quimicamente restrita em lítio exibiram uma redução de ~50% nos níveis corticais desse metal no cérebro, similar àqueles de pacientes com Alzheimer. Essa redução cortical de lítio mostrou acelerar o processo de envelhecimento, promovendo inflamação no cérebro, perda de conexões sinápticas entre neurônios e declínio cognitivo.


Em modelos de camundongos para o Alzheimer, redução nos níveis de lítio aceleraram de forma dramática a formação de placas beta-amiloides e estruturas que lembram emaranhados neurofibrilares (Fig.2). A depleção de lítio também ativou células inflamatórias  no cérebro chamadas de micróglias (3), prejudicando a habilidade dessas células de degradarem amiloides; causou a perda de sinapses, axônios e mielina protetora de neurônios (Fig.3); e acelerou o declínio cognitivo e a perda de memória. Todos esses processos são assinaturas clássicas associadas à progressão da doença de Alzheimer.

 

Figura 2. Em (A), tecido cerebral cortical de camundongos saudáveis, mostrando em verde depósitos de beta-proteínas. Em (B), deficiência de lítio levou a um aumento dramático desses depósitos. Em (C), tecido cerebral cortical de camundongos saudáveis, mostrando emaranhados neurofibrilares de proteína tau (roxo e vermelho). Em (D), deficiência de lítio mostrou aumentar de forma significativa a quantidade desses emaranhados. Ref.1

 

Figura 3. Imagem via microscopia eletrônica mostrando que a deficiência de lítio afina a mielina que protege os neurônios (à direita) em comparação com os neurônios de camundongos saudáveis (à esquerda). Ref.1


Os experimentos com camundongos também revelaram que o lítio alterou a atividade de genes conhecidos de elevar ou reduzir o risco de Alzheimer, incluindo o mais notável até o momento descrito: gene APOE.


Mas o achado mais interessante nessa segunda parte experimental: quando os pesquisadores alimentaram os camundongos com orotato de lítio (C5H3LiN2O4) junto à água de consumo, danos cerebrais relacionados ao Alzheimer foram revertidos e a função de memória foi restaurada, mesmo em roedores velhos com a doença em estágio avançado - revertendo o estado e a saúde do cérebro para um estágio mais saudável e jovem. E, notavelmente, a manutenção de níveis estáveis de lítio no início da vida desses camundongos foi capaz de prevenir a manifestação do Alzheimer - um achado indicando que o lítio promove a doença. A suplementação com orotato de lítio exigiu doses muito pequenas e não mostrou sinais de toxicidade nos roedores.


Mas por que exatamente o lítio é depletado em áreas corticais do cérebro de indivíduos com Alzheimer?


Os experimentos mostraram que os depósitos de placas beta-amiloides sequestram lítio no cérebro, levando à sua redução na área cortical normal e prejudicando as funções cognitivas. Em camundongos, níveis de lítio nas placas beta-amiloides mostraram ser 3-4 vezes maiores do que em regiões corticais adjacentes livres de placas. O orotato de lítio, em específico, consegue driblar essas placas proteicas e devolver o lítio necessário às funções cerebrais. E outros compostos de lítio podem ser ainda mais biodisponíveis e efetivos nesse sentido - mas que não parece ser o caso do carbonato de lítio.


Estudos clínicos em humanos são necessários para avaliar o efeito de suplementação com orotato de lítio na prevenção e no tratamento de Alzheimer. Se os achados em geral do novo estudo forem corroborados por outros grupos independentes de pesquisa, uma nova teoria sobre o Alzheimer pode ser estabelecida e novas vias terapêuticas envolvendo sais de lítio podem revolucionar o campo da neuromedicina.


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REFERÊNCIAS

  1. Aron et al. (2025). Lithium deficiency and the onset of Alzheimer’s disease. Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-025-09335-x
  2. https://hms.harvard.edu/news/could-lithium-explain-treat-alzheimers-disease
  3. Bai et al. (2025). Sex differences in lithium concentrations among bipolar patients with different episodes based on real-world therapeutic monitoring data. BMC Psychiatry 25, 655. https://doi.org/10.1186/s12888-025-07111-9
  4. Puglisi-Allegra et al. (2021). Translational evidence for lithium-induced brain plasticity and neuroprotection in the treatment of neuropsychiatric disorders. Translational Psychiatry 11, 366. https://doi.org/10.1038/s41398-021-01492-7
  5. Marshall, T. M. (2015). Lithium as a Nutrient. Journal of American Physicians and Surgeons, Volume 20, Number 4. Link do PDF 
  6. Jans et al. (2023). Dietary lithium stimulates female fecundity in Drosophila melanogaster. BioFactors, Volume 50, Issue 2, Pages 326-346. https://doi.org/10.1002/biof.2007
  7. Sager, M. (2025). Lithium—Occurrence and Exposure—A Review. Toxics 13(7), 567. https://doi.org/10.3390/toxics13070567
  8. Iordache et al. (2024). Lithium Content and Its Nutritional Beneficence, Dietary Intake, and Impact on Human Health in Edibles from the Romanian Market. Foods 13(4), 592. https://doi.org/10.3390/foods13040592
  9. Mastella et al. (2023). The Protective Effect of Lithium Against Rotenone may be Evolutionarily Conserved: Evidence from Eisenia fetida, a Primitive Animal with a Ganglionic Brain. Neurochemical Research 48, 3538–3559. https://doi.org/10.1007/s11064-023-04001-y
  10. Bjørklund & Storchylo (2024). Lithium in Drinking Water and its Potential Impact on Mental Health: A Review, Current Medicinal Chemistry, Volume 32, Issue 19, p. 3735 - 3747. https://doi.org/10.2174/0109298673315171240702103413
  11. Gonçalves et al. (2025). Association Between Natural Lithium Exposure and Suicide Rate: An Ecological and Biomonitoring Study in Portugal. Nutrients 17(7), 1283. https://doi.org/10.3390/nu17071283
  12. https://www.nature.com/articles/d41586-025-02471-4
Lítio é essencial para o funcionamento normal do cérebro, aponta estudo Lítio é essencial para o funcionamento normal do cérebro, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on agosto 22, 2025 Rating: 5

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