Batatas evoluíram a partir dos tomates, revelou estudo
![]() |
Figura 1. Batatas emergiram de um antigo evento de hibridização envolvendo tomates. |
Apesar de à primeira vista parecerem plantas bem distintas, batatas e tomates pertencem ao mesmo gênero: Solanum spp. (Solanaceae). E, segundo um estudo genômico publicado esta semana na Cell (Ref.1), batatas e tomates possuem uma relação evolucionário muito mais íntima do que antes pensado. Há 8-9 milhões de anos, ocorreu uma hibridização natural entre plantas de tomates selvagens e plantas similares à batata associadas à espécie Solanum etuberosum, dando origem à linhagem das batatas. O estudo sugere que esse evento evolucionário possibilitou o desenvolvimento de tubérculos ("batatas") no gênero, estruturas hipertrofiadas subterrâneas e associadas ao caule que armazenam nutrientes (reserva energética da planta).
"Nossos achados mostram como um evento de hibridização entre espécies pode engatilhar a evolução de novos traços, permitindo até que novas espécies emerjam," disse em entrevista um dos autores do estudo, Sanwen Huang, da Academia Chinesa de Ciências Agrárias, na China (Ref.2). "Nós finalmente resolvemos o mistério de onde as batatas vieram."
Com aproximadamente 100 gêneros e entre 2500 e 3000 espécies descritas, as plantas angiospermas da família Solanaceae (ordem Solanales) possuem grande importância econômica e ecológica. Dentro dessa família, o maior gênero (Solanum) é constituído por ~1500 espécies com distribuição quase global e incluindo cultivares críticos como a batata-comum (S. tuberosum), o tomate domesticado (S. lycopersicum) e o pepino (S. muricatum).
A batata-comum ou cultivada é atualmente o terceiro cultivar mais importante do mundo e, junto com o trigo, o arroz e o milho, é responsável por 80% do consumo calórico humano (1). Dentro do gênero Solanum, a batata cultivada e outras 107 espécies selvagens com relação próxima ("batatas selvagens") compreendem a linhagem monofilética Petota, a qual é ecologicamente e morfologicamente distinta das linhagens de parentesco próximo Etuberosum e Tomato (ambos grupos monofiléticos).
A linhagem Tomato compreende 17 espécies de tomates cultivados e selvagens (2). Já a linhagem Etuberosum consiste de apenas 3 espécies nativas da América do Sul (Fig.2).
Leitura recomendada:
- (1) Qual é a relação entre Hemocromatose e a Grande Fome?
- (2) Cientistas criaram tomates "doces" a partir de engenharia genética
Em contraste com a linhagem dos tomates, as linhagens Etuberosum e das batatas são representadas por espécies geófitas (plantas com órgãos subterrâneos de re-germinação), permitindo propagação vegetativa dessas plantas através de caules subterrâneos (estolhos nas batatas e rizomas na linhagem Etuberosum). Além disso, as batatas possuem órgãos tuberculares especializados - as porções inchadas dos estolhos - que armazenam água e carboidratos e servem como órgãos nutritivos e reprodutivos (Fig.3).
![]() |
Figura 3. Diferente de espécies da linhagem Etuberosum (ex.: S. etuberosum), as batatas (ex.: S. tuberosum) exibem tubérculos que são uma importante fonte de alimentação humana. |
Nesse contexto, a origem das batatas tem sido um grande mistério na ciência. Espécies de tomates e de Etuberosum são principalmente diploides, enquanto que as espécies de batatas incluem tanto diploides (dois conjuntos completos de cromossomos) quanto poliploides. Diploides em todas essas linhagens possuem o mesmo número de cromossomos (2n = 24) e morfologia cromossômica similar. Em aparência, plantas modernas da batata são quase idênticas às espécies de Etuberosum, no Chile. Porém, como mencionado, tubérculos estão presentes apenas nas batatas. E, para complicar, análises filogenéticas apontam que as batatas possuem relação mais próxima com os tomates.
Para tentar esclarecer a origem das batatas - em especial a inovação dos tubérculos no gênero Solanum -, pesquisadores no novo estudo analisaram 450 genomas de batatas cultiváveis (S. tuberosum) e 56 genomas de espécies selvagens de batatas. Eles encontraram que todas essas espécies de batatas continham uma mistura estável e balanceada de material genético derivado das linhagens Etuberosum e dos tomates, apontando que a planta ancestral da batata emergiu como fruto de hibridização dessas duas linhagens há 8-9 milhões de anos.
Tomates e a linhagem Etuberosum possuem um ancestral comum há cerca de 14 milhões de anos, mas a divergência ao longo de 5 milhões de anos de anos não impediu o cruzamento natural entre essas linhagens.
Os pesquisadores também rastrearam a origem de dois genes (SP6A e IT1) cruciais para a formação dos tubérculos que caracterizam as plantas da batata. E mais uma vez a hibridização mostrou-se fundamental: o gene SP6A teve origem dos tomates, enquanto o gene ITI possui origem da linhagem Etuberosum.
A emergência dos tubérculos coincidiu com um evento geológico de subida das montanhas Andinas, há 6-10 milhões de anos, um período de dramáticas mudanças ecológicas. O armazenamento de nutrientes no subsolo através dessas estruturas provavelmente favoreceu os híbridos em meio ao novo ambiente desafiador (seleção natural) e permitiu eventos de especiação dando origem eventualmente às várias espécies de batatas que conhecemos hoje.
Tubérculos também permitem que as plantas da batata se reproduzam sem sementes ou polinização. Essa reprodução vegetativa pode ter compensado a baixa fertilidade dos primeiros híbridos. O crescimento de novas plantas através de brotos nos tubérculos teria permitido expansão e ocupação de nichos ecológicos diversos nas Américas Central e Sul por batatas, com recuperação de fertilidade e rápida diversificação de espécies.
Especiação por hibridização - a recombinação de diferentes alelos e genes de espécies distintas - é uma força evolucionária significativa e tem marcado de forma notável a história evolutiva das angiospermas (3). Esse dramático fluxo genético fornece uma grande variedade genética para indivíduos em um curto período de tempo, potencialmente facilitando adaptação a ambientes diversos - através de seleção natural e evolução de novos genes - e acelerando a origem de novas espécies (4). Radiação evolucionária em uma linhagem é provável de ocorrer após eventos de especiação por hibridização.
Leitura complementar:
- (3) Como nova informação genética é gerada durante o processo evolutivo?
- (4) Especiação ao vivo: Cientistas acompanharam o nascimento de uma nova espécie de ave em Galápagos
REFERÊNCIAS
- Huang et al. (2025). Ancient hybridization underlies tuberization and radiation of the potato lineage. Cell. https://doi.org/10.1016/j.cell.2025.06.034
- https://www.eurekalert.org/news-releases/1092263
- Tepe et al. (2016). Relationships among wild relatives of the tomato, potato, and pepino. Taxon, Volume 65, Issue 2, Pages 262-276. https://doi.org/10.12705/652.4
- Hosaka et al. (2024). Allotetraploid nature of a wild potato species, Solanum stoloniferum Schlechtd. et Bché., as revealed by whole-genome sequencing. The Plant Journal, Volume 121, Issue 1, e17158. https://doi.org/10.1111/tpj.17158
