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Nova espécie de ave surge em Galápagos, e os cientistas acompanharam o processo evolutivo


- Atualizado no dia 11 de janeiro de 2023 -

Um impactante estudo publicado em 2017 na Science (Ref.1) descreveu a evolução de uma nova espécie de ave no arquipélago de Galápagos em menos de 36 anos (apenas ~2 gerações!), a partir de hibridização e seleção natural. O fenômeno evolutivo testemunhado comprovou um mecanismo evolucionário de especiação previamente proposto, com os cientistas acompanhando o processo "ao vivo" - aliás, um processo natural de macroevolução.

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Inicialmente, é importante desmistificar uma errônea e popular ideia. Nem sempre a reprodução entre duas distintas espécies dá origem a descendentes necessariamente inférteis. Entre os animais vertebrados, um exemplo bem famoso disso são os cruzamentos entre tigres e leões (Qual é o maior felino do mundo?). Outro exemplo é associado à nossa própria espécie (Homo sapiens), onde diversas análises genéticas nas últimas décadas têm mostrado que hibridizávamos comumente com neandertais (Homo neanderthalensis), resultando em indivíduos híbridos férteis, estes os quais foram responsáveis por transmitir e manter significativa quantidade de DNA neandertal em várias populações humanas até hoje (Neandertais, arte e linguagem). Aliás, hibridizamos com outras espécies humanas, em especial com os Denisovanos com descendentes férteis (Denisovanos e a suruba interespécies na Ásia). Entre as plantas, hibridizações entre espécies bem distintas marcaram a origem de inúmeras novas espécies, em especial durante as domesticações conduzidas por humanos após a emergência da agricultura (Como nova informação genética é gerada durante o processo evolutivo?).

Espécies são definidas por vários parâmetros (!), mas impossibilidade de descendentes férteis a partir de hibridização com outras espécies não é um deles.


Bem, deixando isso claro, voltemos ao surgimento da nova espécie de ave.

O cruzamento de duas espécies pode resultar na formação de uma nova espécie após um certo número de gerações, caso essa última seja mantida isolada reprodutivamente em relação às suas 'espécies pais'. A especiação através de híbridos sem duplicação cromossômica, ou seja, uma especiação híbrida homoploide (sem mudança no número de cromossomos), é bem estável mas rara. Possíveis exemplos desse mecanismo evolucionário já haviam sido reportados em plantas, borboletas, moscas, peixes, mamíferos e aves. No entanto, apenas dois cenários, envolvendo as borboletas do gênero Heliconius e três exemplos associados com os girassóis do gênero Helianthus, encontram um rigoroso critério onde se propõe que a hibridização foi a causa específica desse tipo de especiação.

Mas, no geral, a especiação por hibridização parece ser relativamente comum em plantas e relativamente rara entre animais, especialmente vertebrados. Existem algumas espécies de aves que já mostraram ser híbridas, como o Pato-Havaiano e o Pardal-Italiano. Entre os mamíferos, suspeita-se que  o lobo-do-leste (Canis lycaon) e o lobo-vermelho (Canis rufus) são híbridos do lobo-cinzento (Canis lupus) e do coiote (Canis latrans) - ou apenas subespécies do lobo-cinzento, estes os quais frequentemente geram híbridos com os coiotes na América-do-Norte (aliás, quase todos os lobos-cinzentos parecem ter algum grau de mistura genética com os coiotes).

No estudo publicado na Science, pesquisadores da Universidade de Princeton, EUA, combinaram um estudo ecológico e genômico explorando os famosos pássaros Fringilídeos de Darwin - um grupo de aves passeriformes também conhecidas como 'Fringilídeos de Galápagos' - documentando em detalhes uma especiação por hibridização, isolamento reprodutivo e seleção natural no meio selvagem.

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Tudo começou quando um imaturo macho finch imigrou para pequena ilha de Daphne Major (0,34 quilômetros quadrados) em 1981, no arquipélago de Galápagos. Assemelhando-se com a espécie Geospiza fortis, mas sendo 70% maior e com um canto único, análise genética com marcadores de microsatélites em finches nas ilhas vizinhas primeiramente indicaram que esse estranho pássaro era um híbrido entre as espécies G. fortis e G. scandens, e originário da ilha adjacente de Santa Cruz, longe 8 km da Daphne. Porém, análises filogenéticas subsequentes mostraram que a ave sendo rastreada era uma espécie separada, o G. conirostirs, este o qual ocorre especificamente na ilha Española, distante mais de 100 km do sul de Galápagos. Nisso, os pesquisadores resolveram acompanhar o percurso de vida desse espécime e seus eventuais descendentes por seis geração ao longo dos próximos 31 anos.


O pássaro imigrante (geração 0), então, cruzou com uma fêmea G. fortis, gerando um descendente que cruzou com outra fêmea G. fortis. A partir daí, todos os outros cruzamentos ocorreram dentro dessa nova linhagem, de forma endogâmica, ou seja, a partir da geração 2 toda essa linhagem se comportou como uma espécie independente relativa aos outros pássaros na ilha. 

Apesar dos cruzamentos entre membros familiares tão próximos, os descendentes se adaptaram bem ao ambiente, algo que ficou claro com a boa taxa reprodutiva e alta taxa de sobrevivência até a fase adulta. Em 2010, já existiam na ilha oito pares em acasalamento e 36 indivíduos (o máximo populacional registrado até o momento de publicação do estudo). Em 2012, eram oito pares observados e 23 indivíduos das gerações de 3 a 6.

Para explicar o sucesso de sobrevivência e reprodução isolada que deu origem a nova espécie, temos:

1. Sucesso ecológico: Uma maior bico e maior tamanho corporal provavelmente são o ponto chave. Análises morfológicas da nova linhagem, assim como das espécies G. conirostris e G. fortis, mostraram que as dimensões corporais representavam um intermediário entre essas duas últimas espécies (ancestrais), mas mais próximo do G. fortis (espécie com predominância genética na nova linhagem). Por outro lado, o bico da nova linhagem era mais similar àquele da espécie G. conirostris, mesmo com uma menor contribuição genética desse último.  Esse padrão fenotípico provavelmente foi fruto de seleção natural, especialmente sobre os genes ALX1 e HMGA2 - associados com as dimensões do bico -, talvez facilitando a alimentação e competição por recursos com outras espécies na região.

2. Isolamento reprodutivo: Para criar uma nova linhagem de espécies, é necessário que essas se afastem - em termos reprodutivos - dos seus 'progenitores' e passem a procriar entre si. No caso dos fringilídeos de Darwin, uma importante barreira para o inter-cruzamento é estabelecida por uma diferenciação no canto e na morfologia. A nova linhagem mostrou total isolamento em relação ao G. fortis, e provável total isolamento relativo às populações de G. conirostris; até a publicação do estudo, cruzamentos entre as aves da nova linhagem e as espécies ancestrais não foram observados. Somando-se a isso, temos o canto único dos machos da nova linhagem, algo crucial para o isolamento reprodutivo entre essas aves. Provavelmente esse canto único foi fruto de uma cópia imperfeita do canto presente em pássaros de Daphne, após ter primeiro aprendido com o seu pai em Española.

A nova população fundada de fringilídeos de Darwin é uma iniciante espécie híbrida - nomeada até o momento de linhagem Big Bird (Ref.4) -, isolada reprodutivamente e ecologicamente segregada de outras espécies associadas e coexistentes.

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Sempre assumiu-se que a especiação via híbridos homoploides era um processo bem mais lento, que levava centenas de gerações. Mas essa nova espécie de ave provou que esse processo evolucionário pode levar tão pouco quanto 3 gerações, apesar de ser uma ocorrência rara e necessitar de certas condições especiais, como ilhas isoladas. O esquema abaixo resume o percurso evolucionário acompanhado passo a passo pelos cientistas.

Todas as 18 espécies de fringilídeos de Darwin derivam de uma única espécie ancestral que colonizou o arquipélago de Galápagos há cerca de 1 a 2 milhões de anos. Desde estão, essas aves se diversificaram em diferentes espécies, mudando o formato e tamanho dos bicos para se adaptarem aos diferentes ambientes encontrados nas ilhas dessa região.

Esses pássaros foram cruciais para os trabalhos de Charles Darwin, durante sua segunda expedição do HMS Beagle às ilhas Galápagos. Se ele ainda estivesse vivo para ver esse novo estudo, estaria dando pulos de felicidade!


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REFERÊNCIAS
  1. Lamichhaney et al. (2017). Rapid hybrid speciation in Darwin’s finches. Science, Vol. 359, Issue 6372. https://doi.org/10.1126/science.aao4593
  2. https://www.princeton.edu/news/2017/11/27/study-darwins-finches-reveals-new-species-can-develop-little-two-generations
  3. https://www.science.org/doi/10.1126/science.aar4796
  4. Rubin et al. (2022). Rapid adaptive radiation of Darwin’s finches depends on ancestral genetic modules. Science Advances, Vol. 8, Issue 27. https://doi.org/10.1126/sciadv.abm5982

Nova espécie de ave surge em Galápagos, e os cientistas acompanharam o processo evolutivo Nova espécie de ave surge em Galápagos, e os cientistas acompanharam o processo evolutivo Reviewed by Saber Atualizado on novembro 28, 2017 Rating: 5

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