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Ácaros no nosso rosto estão em dramático processo de transição evolutiva, aponta estudo

 
Ácaros (subclasse Acari) são pequenos aracnídeos com mais de 54 mil espécies conhecidas - incluindo carrapatos (Parasitiformes: Ixodida) - e possuindo origem evolucionária desde pelo menos o início do período Devoniano. Os ácaros são divididos em duas superordens ou ordens: Acariformes (ou Actinotrichida) e Parasitiformes (ou Anactinotrichida). A maioria dos ácaros são minúsculos (0,08 a 1 mm), mas os maiores podem alcançar até 2 cm. Na nossa espécie (Homo sapiens), ácaros do gênero Demodex são encontrados em abundância povoando os poros da pele, e muitas pessoas passam a vida sem perceber a presença desses parasitas. Agora, em um estudo publicado no periódico Molecular Biology and Evolution (Ref.2), pesquisadores encontraram forte evidência de que os ácaros da espécie D. folliculorum estão deixando de ser ectoparasitas obrigatórios para se tornarem simbiontes obrigatórios na nossa pele - e talvez caminhando para uma iminente extinção.


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Existem centenas de diferentes espécies de ácaros foliculares morfologicamente descritos para uma ampla variedade de animais, desde marsupiais até placentários, como tatus, morcegos, porcos, cães, roedores e primatas. Na maioria dos animais selvagens, os ácaros não causam patologias; no entanto, em animais domésticos, particularmente em cães e gatos, certos ácaros podem ser letais, apesar de estarem também presentes na maior parte dos cães saudáveis. Os humanos podem carregar duas espécies foliculares de ácaros: Demodex folliculorum, os quais se agregam em grupos na porção infundibular dos folículos capilares, e o Demodex brevis, o qual é uma espécie solitária habitando as glândulas sebáceas da pele. Os ácaros parasitando humanos são mais numerosos nas asas do nariz, na testa, no canal auditivo e sobre os mamilos, e se alimentam do sebo (gordura) naturalmente liberado pelas células nos poros da pele.


 

A prevalência do D. folliculorum e do D. brevis na população humana é provavelmente acima de 90%, e são transmitidos a partir da amamentação (transmissão vertical, "mãe-para-filho/a"). A quantidade desses ácaros por hospedeiro tende a aumentar com a idade e com um maior tamanho dos poros na pele; no entanto, a densidade dos ácaros em humanos alcança picos com a produção de sebo na pele entre 20 e 30 anos de idade, e à medida que os poros epidérmicos se tornam maiores nos adultos. Na maioria dos humanos, o D. folliculorum é completamente inofensivo, apesar de doença associada a esses parasitas (demodicose) já ter sido reportada na literatura médica. A demodicose está ligada a uma mutação de ganho de função no nosso sistema imune contra o Demodex


No período noturno, o D. folliculorum se torna ativo e se move entre os folículos procurando por um parceiro sexual. O ciclo de vida do Demodex desde o ovo até a vida adulta é em torno de 2 semanas, e é assumido que os adultos vivem mais uma ou duas semanas. Assumindo um ciclo médio de vida para o Demodex de 3 semanas e um tempo geracional médio de 22-33 anos, temos 382-579 gerações de ácaros antes da transmissão vertical. Considerando uma expectativa de vida de ~72,6 anos para um humano, temos 1262 gerações antes dos ácaros morrerem junto ao hospedeiro. Isso indica um significativo acúmulo de mutações antes desses parasitas serem transmitidos, as quais podem ser potencializadas com o processo evolutivo de deriva genética associado ao momento da transmissão (bottleneck) (!).  


(!) Leitura recomendadaO que é a deriva genética?


Para explorar a história evolutiva associada a esses parasitas e sua relação com a nossa espécie, os pesquisadores no novo estudo conduziram o primeiro sequenciamento genômico completo (DNA nuclear e mitocondrial, e transcriptomas) do D. folliculorum, revelando uma significativa perda de genes e de células relativamente desnecessários à medida que parecem estar evoluindo de ectoparasitas externos para ectosimbiontes obrigatórios, ou seja, não sendo mais capaz de sobreviver, realizar funções básicas e completar o ciclo de vida fora dos poros da nossa pele. 


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> A interação em simbiose, seja parasitismo seja mutualismo, é convencionalmente classificada como obrigatória ou facultativa. Simbiose obrigatória sugere que pelo menos um dos parceiros não pode completar seu ciclo de vida por conta própria, enquanto simbiose facultativa sugere que os parceiros não necessariamente requerem a ajuda do outro para sobreviverem e/ou reproduzirem. No parasitismo, o parasita simbionte não traz necessariamente benefícios para o hospedeiro. Simbiontes obrigatórios sempre evoluem de indivíduos de vida livre. Ref.3

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Entre os achados mais notáveis, os pesquisadores encontraram que:


- Devido à existência isolada do D. folliculorum, sem exposição a ameaças externas, sem competição com outros parasitas e sem encontros com outros ácaros carregando genes distintos e diversos, dramática redução genética levou essa espécie a se tornar um organismo extremamente simples, com pequenas pernas impulsionadas por apenas 3 únicas células musculares. O D. folliculorum sobrevive com o menor número de proteínas codificadas (9707 genes codificantes)  e o segundo menor genoma (tamanho genômico de 51,6 Mbp) entre os artrópodes conhecidos.  


- A redução genética observada é a razão para o comportamento noturno dessa espécie. Esse ácaro não possui mais proteção contra a radiação ultravioleta (UV) da luz solar e ainda perdeu o gene que faz com que seja acordado pela luz solar (gene TIM) - ou seja, passa o período diurno inteiro "dormindo". Além disso, esse parasita não mais consegue produzir melatonina - uma molécula que faz pequenos invertebrados ficarem ativos à noite - ao perder a enzima necessária para sintetizá-la (AANAT), mas mesmo assim consegue ficar ativo à noite para se reproduzir usando a melatonina secretada pela pele humana no anoitecer (mais um traço de crucial dependência dos humanos e total sincronização com o hospedeiro).


- A depredação genética e arranjo único dos genes do D. folliculorum também resultaram no anômalo hábito de acasalamento dessa espécie. Os órgãos reprodutivos desse ácaro se deslocaram para a parte anterior do corpo, e os machos exibem um pênis que se projeta para cima na parte da frente do corpo, significando que os machos precisam ficar posicionados abaixo das fêmeas para um efetivo acasalamento enquanto se penduram no fio capilar da pele humana.



- Inversão dentro dos genes Hox dessa espécie produziu pedipalpos (apêndices bucais) extra protuberante para a busca e captura de alimento, especialmente robusto no estágio de ninfa. Isso ajuda na sobrevivência dos indivíduos mais jovens. 


- O D. folliculorum possui muito mais células quando mais jovem (estágio de ninfa) do que quando está no estágio adulto. Aliás, essa espécie possui o menor número de células já identificadas entre os artrópodes. Segundo os pesquisadores, esse é o primeiro passo no sentido desse parasita se tornar um simbionte obrigatório.


- A falta de exposição a potenciais parceiros com uma carga genética mais variada (extrema endogamia) pode estar levando o D. folliculorum para um "beco sem saída" evolucionário, e potencialmente para uma extinção. Isso nunca havia sido observado em um animal. Além de estar sob baixa pressão seletiva, esse parasita perdeu vários dos genes de reparação do DNA, o que eleva significativamente o risco de várias mutações deletérias serem passadas adiante para novas gerações em novos hospedeiros durante o processo de deriva genética associado à transmissão vertical. A estável e não patológica relação com humanos está provavelmente encaminhando essa espécie para a extinção, como simples consequência matemática e estatística.


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Através de uma análise microscópica e anatômica detalhada do D. folliculorum, os pesquisadores também confirmaram que essa espécie possui ânus. Antes era especulado que os ácaros parasitas na nossa pele iam acumulando as fezes no corpo até a morte, quando então o material fecal seria liberado e causaria potenciais inflamações de pele. Pelo visto, essa má fama não possui suporte científico. Aliás, os pesquisadores no novo estudo sugeriram que a longa e pacífica relação desses parasitas com os humanos pode estar associada a benefícios para ambos os lados; por exemplo, esses animais podem estar contribuindo com a limpeza dos poros da nossa pele ao consumirem o excesso de sebo produzido. 



REFERÊNCIAS

  1. https://www.americanarachnology.org/about-arachnids/arachnid-orders/acari/
  2. Smith et al. (2022). Human Follicular Mites: Ectoparasites Becoming Symbionts, Molecular Biology and Evolution, Volume 39, Issue 6, msac125. https://doi.org/10.1093/molbev/msac125
  3. Nguyen & van Baalen (2020). On the difficult evolutionary transition from the free-living lifestyle to obligate symbiosis. PLoS ONE 15(7): e0235811. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235811


Ácaros no nosso rosto estão em dramático processo de transição evolutiva, aponta estudo Ácaros no nosso rosto estão em dramático processo de transição evolutiva, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on junho 24, 2022 Rating: 5

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