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Uso de agrotóxicos no Brasil está fortemente ligado a mortes por leucemia em crianças

Avião aplicando agrotóxicos sobre lavoura de soja em Primavera do Leste (MT).
 

Nas últimas décadas, o Brasil se tornou o maior produtor de soja do mundo, assim como o maior consumidor de pesticidas. O uso abusivo de agrotóxicos (pesticidas e herbicidas) é problemático tanto para o equilíbrio ecológico quanto para a saúde pública, e contaminação do ambiente e de alimentos com essas substâncias tóxicas tem se tornado uma preocupação cada vez maior no país (1). Um novo estudo conduzido por pesquisadores Norte-Americanos e publicado no periódico PNAS (Ref.1) aumentou o alerta ao encontrar uma forte associação entre a expansão das plantações de soja na Amazônia e no Cerrado Brasileiros e um aumento significativo nas taxas de mortalidade por câncer infantil, particularmente leucemia. Análises dos dados apontaram que o crescente e excessivo uso de pesticidas era o fator causal mais provável.


(1) Leitura recomendada:


"A região da Amazônia Brasileira está passando por uma transição de baixa produção pecuária para uma cultura de soja intensificada com alto uso de pesticidas e herbicidas. A expansão aconteceu realmente muito rápido, e parece que esforços educacionais e treinamento para aplicadores de pesticidas não acompanharam o crescimento no uso de pesticidas," disse em entrevista a autora principal do estudo, Dra. Marin Skidmore, professora assistente na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, EUA (Ref.2). "À medida que essa transição ocorria, houve casos documentados de envenenamento por pesticidas de trabalhadores agrícolas e evidência de agrotóxicos em amostras de sangue e de urina de trabalhadores não-agrícolas nas comunidades ao redor. Isso indica que o processo ocorreu de modo potencialmente perigoso, deixando pessoas expostas." 


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A intensificação agrícola - aumento da produção de plantações em uma determinada área - é um caminho para a sustentabilidade, possibilitando o aumento do suprimento de alimentos enquanto minimiza os danos ambientais (!). Essa intensificação agrícola pode ser obtida por vários meios, complementares ou não, como melhor preparação do solo (ex.: fertilizantes), seleção de melhores cultivares, uso de plantas geneticamente modificadas (ex.: transgênicos) e uso controlado de agrotóxicos (pesticidas, herbicidas, inseticidas, fungicidas). O uso de agrotóxicos para eliminar pragas ou ervas daninhas, em particular, é problemático e frequentemente abusivo no contexto de intensificação agrícola. Piora a situação o uso de cultivares mais resistentes a esses produtos e a evolução de resistência em insetos e plantas (2), fatores que fomentam um uso cada vez mais excessivo dessas substâncias e potencializam os danos ambientais e à saúde humana.


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(!) Importante realçar que para a produção de proteínas, criação de insetos comestíveis é potencialmente mais eficiente e amigável ao meio ambiente do que a soja e outros cultivares. Entenda: Insetos Comestíveis: Solução para um mundo mais sustentável?

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(2) Leitura recomendada: 


Nos últimos anos, uso por meios diversos (ex.: pó, spray, etc.) de certos agrotóxicos ou o uso abusivo de agrotóxicos em geral e metabólitos associados têm sido ligados ao aumento de risco para várias doenças, incluindo em especial cânceres. Por exemplo, um estudo de 2022 encontrou que a fumigação (formulações de pesticidas voláteis) estava associada com um aumento significativo na incidência de cânceres em adultos e crianças nos EUA (Ref.3). Com base em estudos epidemiológicos e laboratoriais, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC) têm introduzido vários pesticidas - usados na agricultura e no ambiente doméstico - como carcinogênicos, em especial organoclorados (Ref.4). Mecanismos pelos quais os pesticidas e seus resíduos podem causar cânceres envolvem disrupções genéticas e epigenéticas, e crianças são tipicamente mais vulneráveis devido a fatores fisiológicos e comportamentais.


Herbicidas como o glifosato e a atrazina têm sido encontrados como contaminantes comuns em aquíferos na América Latina e no Caribe; ambos os herbicidas mencionados têm sido gradualmente banidos ou restritos devido aos seus efeitos potencialmente deletérios no ambiente e na saúde humana (Ref.5). A América Latina e a região Caribenha respondem por 14% da produção agrícola global e 23% das exportações mundiais de produtos agrícolas e de pescados. O rápido crescimento agrícola associado resultou em 20% do consumo mundial de pesticidas nessas regiões e um consumo per capita recorde dessas substâncias em relação a outras regiões do mundo (Ref.6).


No Brasil, é estimado o uso de quase 550 toneladas de pesticidas em 2018 (Ref.7), e regulações sobre esses produtos têm sido afrouxadas desde então. Mais de 1200 pesticidas e herbicidas, incluindo 193 deles contendo compostos químicos banidos na União Europeia, têm sido registrados no país entre 2016 e 2019 (4). E quase metade de todos os produtos aprovados contêm ingredientes ativos considerados de alta periculosidade, ou seja, associados a sérios danos ambientais e relacionados a efeitos tóxicos sobre a saúde humana. Vários agrotóxicos usados no Brasil podem causar desde condições agudas na pele e no sistema respiratório até doenças crônicas incluindo anormalidades hematológicas e hormonais, infertilidade, abortos, malformações fetais, doenças neurológicas e câncer. 


(4) Leitura recomendada:


No novo estudo, os pesquisadores analisaram quase duas décadas de dados acumulados para investigar a mortalidade por câncer infantil durante a expansão do cultivo de soja e uso de pesticida ao longo dos biomas da Amazônia e do Cerrado. Especificamente eles analisaram mortes causadas por leucemia linfoblástica aguda (LLA)*, o câncer infantil associado ao sangue mais comum. A área de soja no Cerrado triplicou de 5 milhões de hectares em 2000 para 15 milhões de hectares em 2019. Na Amazônia, o aumento foi de 20 vezes durante esse mesmo período (0,25 milhão para 5 milhões de hectares). A análise do estudo incluiu dados demográficos, médicos, hídricos e de uso de terra primariamente de áreas classificadas como "rurais" e com pelo menos 25% de cobertura agrícola.


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*A leucemia linfoblástica (ou linfoide) aguda é uma neoplasia maligna do sistema hematopoiético caracterizada pela alteração do crescimento e da proliferação das células linfoides progenitoras na medula óssea, sangue e locais extra-medulares com consequente acúmulo de células jovens indiferenciadas, denominadas blastos. Febre, palidez e equimose são as manifestações clínicas mais comuns em crianças portadoras de LLA e decorrem da falência na hematopoiese normal, devido à infiltração medular de blastos leucêmicos. É a neoplasia maligna mais frequente (70%) entre as crianças menores de 15 anos de idade, e responde por aproximadamente 26% de todos os cânceres pediátricos. Entre todos os casos, 80% ocorrem em crianças e jovens adultos. Historicamente, fatores de risco apontados incluem exposição a pesticidas. Ref.8-9

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O uso de pesticida nas regiões estudadas aumentou entre 3 e 10 vezes durante o período considerado. Agricultores Brasileiros de soja aplicaram pesticidas a uma taxa 2,3 vezes maior por hectare do que nos EUA. 


Os pesquisadores mostraram que cada 10 pontos percentuais de aumento na produção de soja estavam associados com um adicional de 0,4 mortes por LLA de crianças com menos de 5 anos de idade e um adicional de 0,21 mortes de crianças com menos de 10 anos para cada 100 mil habitantes. No total, eles estimaram que 123 crianças com menos de 10 anos de idade morreram de LLA associada com exposição a pesticidas entre 2008 e 2019, de um total de 226 mortes por LLA reportadas no mesmo período. E investigação de fontes de água para consumo humano apontou que a ingestão de água superficial contaminada foi um meio importante de exposição. 


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Como o estudo é observacional e retrospectivo, uma relação causal não pode ser estabelecida, mas os pesquisadores tomaram muito cuidado para eliminar outras potenciais explicações. Nenhuma correlação foi encontrada entre mortes por LLA  e consumo de soja, mudanças no status socioeconômico, ou prevalência de plantações com menores taxas de aplicações de pesticidas. 

 

E o mais preocupante dos resultados do estudo é que os achados podem ser apenas a "ponta do iceberg", já que apenas mortes causadas por uma único tipo de câncer (LLA) foram investigadas. Exposição a pesticidas pode também resultar em casos não-letais de leucemia, e existe um risco de impactos sobre a comunidade adulta e adolescente, além de outros potenciais cânceres e doenças em geral. Aliás, progresso no tratamento dessa leucemia reflete hoje uma taxa de sobrevivência de 5 anos que alcança até 96% (Ref.10). Mais estudos são necessários para melhor esclarecer o real cenário. Evidências prévias acumuladas em estudos conduzidos no Brasil também corroboram correlações entre cânceres e exposição a pesticidas. 


Atualmente, no Brasil, existe um programa de certificação em desenvolvimento que requer treino e educação sobre segurança para aplicadores de pesticidas. Tais programas existem em vários países, incluindo os EUA, onde aplicadores de pesticidas precisam ser licenciados e participar de um programa anual sobre segurança desses produtos.


Porém, aqui no Brasil ainda lidamos com outro problema: vários agrotóxicos extremamente deletérios e proibidos em outros países, incluindo EUA, são ainda legalizados e amplamente usados.  



REFERÊNCIAS

  1. Skidmore et al. (2023). Agricultural intensification and childhood cancer in Brazil. PNAS, 120 (45) e2306003120. https://doi.org/10.1073/pnas.230600312
  2. https://aces.illinois.edu/news/soy-expansion-brazil-linked-increase-childhood-leukemia-deaths
  3. Kolok et al. (2022). Investigation of Relationships Between the Geospatial Distribution of Cancer Incidence and Estimated Pesticide Use in the U.S. West. GeoHealth, Volume6, Issue5, e2021GH000544. https://doi.org/10.1029/2021GH000544 
  4. Ataei & Abdollahi (2022). A systematic review of mechanistic studies on the relationship between pesticide exposure and cancer induction. Toxicology and Applied Pharmacology, Volume 456, 116280. https://doi.org/10.1016/j.taap.2022.116280
  5. Grondona et al. (2023). Pesticides in aquifers from Latin America and the Caribbean. Science of The Total Environment, Volume 901, 165992. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2023.165992
  6. https://ehp.niehs.nih.gov/doi/full/10.1289/EHP9934
  7. Lopes-Ferreira et al. (2022). Impact of Pesticides on Human Health in the Last Six Years in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19(6), 3198. https://doi.org/10.3390/ijerph19063198
  8. https://www.nature.com/articles/s41417-021-00418-1
  9. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. https://doi.org/10.1590/S1516-84842006000100011
  10. https://www.mdpi.com/2072-6694/14/8/2021

Uso de agrotóxicos no Brasil está fortemente ligado a mortes por leucemia em crianças Uso de agrotóxicos no Brasil está fortemente ligado a mortes por leucemia em crianças Reviewed by Saber Atualizado on novembro 02, 2023 Rating: 5

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