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Taxas de dengue caem dramaticamente em cidades na Colômbia após uso de mosquitos modificados

Figura 1. Liberação de mosquitos infectados com Wolbachia no Brasil. 
 

No encontro anual da Sociedade Americana de Medicina e Higiene Tropicais, realizado no último dia 22 de outubro em Chicago, EUA, pesquisadores reportaram que três cidades na Colômbia testemunharam uma dramática queda na incidência de dengue nos últimos anos seguindo a introdução de mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia (Ref.1). Essa bactéria foi experimentalmente introduzida em mosquitos Aedes aegypti e reduz de forma robusta a capacidade desses insetos de transmitir o vírus responsável pela doença. Em vizinhanças onde o mosquitos carregando a bactérias foram bem estabelecidos, a incidência de dengue caiu em 94-97%. 


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Os mosquitos foram liberados pelo Programa Mundial do Mosquito (WMP, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos que vem conduzindo experimentos similares na Austrália, Indonésia, Vietnã e aqui no Brasil. Na Colômbia, os mosquitos modificados foram introduzidos naquelas que são algumas das regiões mais populosas do país.

 

MOSQUITOS MODIFICADOS


Dengue é uma doença infecciosa causada pelo vírus DENV e transmitida por mosquitos do gênero Aedes, em especial o Aedes aegypti (1). Em 2019, a Organização Mundial de Saúde classificou a dengue como uma das 10 principais ameaças de saúde global. É estimado que 50 milhões a 100 milhões de casos sintomáticos ocorrem globalmente a cada ano. Epidemias de dengue ocorrem anualmente ou em intervalos multianuais, e o aumento de casos coloca considerável pressão nos serviços de saúde. A doença pode se manifestar como um quadro febril leve a moderado (80% dos casos) ou como um quadro hemorrágico severo e potencialmente letal (1). 


(1) Para mais informações: Médicos reportam caso de mulher que contraiu dengue no sul da França: alerta das mudanças climáticas


Os mosquitos Aedes aegypti são os vetores primários da dengue. Esforços para controlar as populações de A. aegypti com o uso de inseticidas ou métodos tornando o ambiente menos convidativo para reprodução desse inseto - incluindo mobilização comunitária para a eliminação ou redução de locais com água parada - têm se mostrado historicamente inefetivos ou pouco eficazes no controle da dengue como um problema de saúde pública na maioria dos países. E agrava o problema a questão do aquecimento global antropogênico, expandindo ambientes favoráveis ao estabelecimento do mosquito vetor e ameaçando novas populações humanas muito vulneráveis ao vírus DENV (1). Além disso, a única vacina licenciada contra a dengue, conhecida como Dengvaxia®, é problemática e não é recomendada para indivíduos sem prévia exposição ao DENV.


A bactéria da espécie Wolbachia pipientis infecta inúmeras espécies de insetos, é maternalmente transmitida e é um organismo endossimbiótico intracelular obrigatório, apesar de não ocorrer naturalmente no A. aeypti. Trans-infecção estável do mosquito A. aegypti com cepas de Wolbachia confere robusta resistência à infeção disseminada por vírus DENV (todos os quatro serotipos) e outros arbovírus. Portanto, a introgressão de cepas "antivirais" dessa bactéria em populações de A. aegypti é um promissor método de biocontrole da dengue. Essa estratégia envolve a liberação regular de mosquitos machos e fêmeas (ou larvas) artificialmente infectados com Wolbachi, e criados em laboratório, em meio às populações selvagens de A. aegypti ao longo de um período de vários meses. Isso leva à gradual infecção de vários outros mosquitos na área.


Figura 2. Microscopia eletrônica (A) de uma bactéria Wolbachia e (B) de uma bactéria Wolbachia em processo de divisão celular. É estimado que essa bactéria infecta naturalmente 40-60% de todas as espécies de insetos, incluindo alguns mosquitos, como o Culex pipiensDrosophila melanogaster e o Aedes albopictus. Mosquitos Aedes infectados por essa bactéria são muito resistentes ao DENV e são menos prováveis de ter vírus infecciosos na saliva - reduzindo dramaticamente o risco de transmissão viral para humanos durante alimentação [sangue] dos mosquitos fêmeas. 


Importante, a Wolbachia facilita sua própria introgressão populacional ao manipular as taxas reprodutivas entre mosquitos modificados e mosquitos selvagens (Fig.3).


Figura 3. Ilustração de como a incompatibilidade citoplásmica dá às fêmeas infectadas com a bactéria Wolbachia uma significativa vantagem reprodutiva, devido aos ovos inviáveis produzidos entre machos infectados e fêmeas sem infecção. Ref.2

O fenótipo reprodutivo expresso por insetos infectados pela Wolbachia depende tanto da espécie do hospedeiro quanto pela cepa da bactéria, e pode resultar em feminização, morte de machos, partenogênese ou, mais comumente, incompatibilidade citoplásmica (IC). Cepas desenvolvidas para a trans-infecção de A. aegypti (wAlbB, wMelPop e wMel) resultam em IC, tornando os ovos resultantes do acasalamento entre machos infectados e fêmeas não-infectadas inviáveis, enquanto fêmeas infectadas pela bactéria produzem ovos viáveis e carregando a Wolbachia - e independentemente do status de infecção do macho. Isso, a médio e a longo prazo, acaba resultando em uma proporção cada vez maior de mosquitos infectados com a bactéria em uma dada região.


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Nos últimos anos, estudos epidemiológicos e randomizados têm reportado dramáticas reduções na incidência de dengue em comunidades onde mosquitos modificados foram estabelecidos (Ref.3). Um estudo randomizado publicado em 2021 no NEJM (Ref.4), incluindo mais de 8 mil pessoas em  Yogyakarta, Indonésia, distribuídos em 12 áreas geográficas, mostrou eficácia de 77% e de 86% contra a dengue e contra hospitalização por dengue, respectivamente, em áreas com liberação dos mosquitos modificados. Um estudo publicado recentemente na Scientific Reports (Ref.5), acompanhando os resultados da liberação de mosquitos modificados em Townsville, Austrália, durante o período de de outubro de 2014 até fevereiro de 2019, encontrou que a taxa de transmissão de dengue foi reduzida por um fator de aproximadamente 20 relativo às populações de mosquitos selvagens, e uma redução de até 95% da incidência de dengue 24 meses após a liberação dos mosquitos modificados. 


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> Existem programas de intervenção que usam apenas mosquitos machos infectados com a Wolbachia, visando apenas redução da população de A. aegypti em uma dada região (Ref.6).


> Após ingerir sangue de uma pessoa virêmica (com dengue), partículas virais do DENV se replicam no intestino do A. aegypti. Os vírus, então, precisam atravessar a barreira intestinal, alcançar a circulação sanguínea do inseto, entrar na hemolinfa e infectar outros tecidos, alcançando as glândulas salivares após ~7 dias. Uma vez na saliva do mosquito, o vírus pode ser passado para um novo hospedeiro humano na próxima alimentação do mosquito [fêmea]. Cientistas ainda não sabem ao certo como a bactéria Wolbachia confere resistência viral aos mosquitos, mas múltiplos mecanismos parecem estar envolvidos, incluindo modificações intracelulares induzidas pela infecção bacteriana (ex.: alteração do conteúdo lipídico, e disrupção do citoesqueleto e do complexo de Golgi), competição intracelular por recursos e espaço, degradação de RNA viral, elevação da imunidade do hospedeiro e manipulação de genes antivirais e pró-virais no DNA hospedeiro. Ref.7-8


> Apesar da proteção antiviral conferida pela infecção com a Wolbachia aparentemente ser de difícil contorno por mecanismos evolutivos virais, existe preocupação que, a longo prazo, o vírus DENV desenvolva efetiva resistência, tornando a estratégia de biocontrole inefetiva. Isso em especial devido ao fato da proteção antiviral ser incompleta (parte significativa dos mosquitos infectados pela bactéria são ainda suscetíveis ao DENV). Experimentos laboratoriais recentes têm demonstrado seleção positiva em sequências genéticas do DENV em culturas sob pressão seletiva imposta pela Wolbachia (Ref.9). Pesquisadores recomendam que a "corrida armamentista" entre Wolbachia e DENV seja continuamente acompanhada no mundo real (Ref.8). 

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INTERVENÇÃO NA COLÔMBIA 


O programa de liberação de mosquitos modificados da WMP na Colômbia foi iniciado em 2015, em Aburrá Valley, e gradualmente expandiu as liberações até o final de 2020. Eventualmente, as cidades de Bello, Mendellín e Itagï, com uma área combinada de 135 quilômetros quadrados e com 3,3 milhões de pessoas, foram completamente cobertas. Pesquisadores da WMP estimam que 60% dos mosquitos locais nessas cidades estão agora carregando a bactéria Wolbachia (áreas "totalmente tratadas").


Quando os cientistas compararam a incidência de dengue nas áreas totalmente tratadas com aquela nas mesmas regiões nos 10 anos antes da intervenção, eles encontraram uma redução de 95% em Bello e de 97% em Itagüí nas taxas de casos da doença. E desde que o projeto tece início, não houve nenhum grande surto de dengue nessas regiões, espelhando um período de 6 anos de supressão sustentada de dengue.


Apesar do estudo ser observacional e retrospectivo, corrobora resultados de estudos clínicos e epidemiológicos prévios mostrando dramáticas reduções nas taxas de casos e de hospitalização por dengue.


PLANOS DE EXPANSÃO


Atualmente, a WMP está conduzindo um estudo similar àquele na Colômbia na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, em colaboração com a FioCruz. E, no começo desde ano, a organização anunciou planos de construir uma fábrica no Brasil para produzir mosquitos modificados em larga escala para serem liberados em várias áreas urbanas do país nos próximos 10 anos (Ref.10). A fábrica pretende produzir até 5 bilhões de mosquitos infectados com Wolbachia por ano.


Porém, apesar dos resultados positivos, os moquitos modificados ainda não foram oficialmente endorsados pela OMS. A tecnologia ainda espera avaliação do Grupo de Controle de Vetores da OMS.


REFERÊNCIAS

  1. https://www.nature.com/articles/d41586-023-03346-2 
  2. Ferguson et al. (2017). Using Wolbachia for Dengue Control: Insights from Modelling. Trends in Parasitology, Volume 34, Issue 2, P102-113. https://doi.org/10.1016/j.pt.2017.11.002
  3. Fox et al. (2023). Wolbachia-carrying Aedes mosquitoes for preventing dengue infection. Cochrane Database Systemic Review, 2023(3): CD015636. https://doi.org/10.1002%2F14651858.CD015636
  4. Utarini et al. (2021). Efficacy of Wolbachia-Infected Mosquito Deployments for the Control of Dengue. New England Journal of Medicine, 384:2177-2186. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2030243
  5. Ogunlade et al. (2023). Quantifying the impact of Wolbachia releases on dengue infection in Townsville, Australia. Scientific Reports 13, 14932. https://doi.org/10.1038/s41598-023-42336-2
  6. https://link.springer.com/article/10.1186/s13063-022-06976-5
  7. Asgari et al. (2023). Analysing inhibition of dengue virus in Wolbachia-infected mosquito cells following the removal of Wolbachia. Virology, Volume 581, Pages 48-55. https://doi.org/10.1016/j.virol.2023.02.017
  8. Edenborough et al. (2021). "Using Wolbachia to Eliminate Dengue: Will the Virus Fight Back?" Journal of Virology, Vol. 95, No. 13. https://doi.org/10.1128/jvi.02203-20
  9. Kien et al. (2023). Genome evolution of dengue virus serotype 1 under selection by Wolbachia pipientis in Aedes aegypti mosquitoes, Virus Evolution, Volume 9, Issue 1, 2023, vead016, https://doi.org/10.1093/ve/vead016
  10. https://www.nature.com/articles/d41586-023-01266-9

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