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Chimpanzés fêmeas também manifestam menopausa, aponta estudo

Figura 1. Chimpanzé idosa e na menopausa, no Parque Nacional de Kibale, Uganda.

 

Até o momento, cientistas acreditavam que apenas humanos e algumas espécies de cetáceos - incluindo notavelmente as orcas (Orcinus orca) - exibiam menopausa, ou seja, fim precoce da capacidade reprodutiva. Em outras palavras, menopausa seria um traço de exceção em relação ao padrão observado nos animais em geral: fêmeas continuam férteis até a morte ou muito próximo da morte. Porém, três estudos recentemente publicados desafiaram essa ideia e colocaram em xeque a principal hipótese usada para explicar a evolução da menopausa (1). Um desses estudos, publicado esta semana no periódico Science (Ref.1), trouxe sólida evidência de que um grupo de chimpanzés-comuns (Pan troglodytes) em Uganda exibe fim da fertilidade vários anos antes da morte natural; na média, fêmeas viviam 20% da vida adulta em um estado pós-reprodutivo. E mais: com mudanças hormonais similares à transição reprodutiva em humanos. Os achados fortemente argumentam que real menopausa também é exibida em chimpanzés no habitat natural.


(1) Leitura recomendada: Por que humanos passam pela menopausa?


"O estudo conduzido por Wood et al. ilumina e levanta questões sobre a evolução da menopausa," comentou o biólogo evolucionário e professor da Universidade de Exeter, Dr. Michael Cant, sobre o paper na Science (Ref.2). "Também realça o poder de difíceis estudos de campo e de longo prazo - frequentemente suportados com baixo orçamento e em constante risco de desligamento - em transformar entendimentos fundamentais da biologia e do comportamento humanos."


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Evolução biológica é enraizada na premissa que traços são fixados via seleção natural no sentido de maximizar a contribuição genética de um indivíduo para a próxima geração. Considerando esse contexto, é esperado, a princípio, que capacidade reprodutiva acompanhe o máximo da longevidade do indivíduo. Porém, em um número de espécies, a perda de capacidade reprodutiva faz parte integral ou parcial da vida adulta. Isso pode envolver castas estéreis de vários insetos sociais (ex.: formigas), comportamento altruísta observado na espécie de afídeo Quadrartus yoshinomiyai (1), e a menopausa exibida por humanos e algumas espécies de cetáceos (1). A menopausa se destaca por existir uma perda aparentemente programada e muito precoce da capacidade reprodutiva afetando as fêmeas.


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> O termo 'menopausa' é derivado de duas palavras Gregas: "meno", que significa mês ou menstruação e "pause", que significa cessar ou parada. Combinando esses termos, menopausa significa literalmente "parada da menstruação". Menstruação faz referência à descamação do revestimento uterino junto com sangue e tecido que desce através da vagina. Esse processo ocorre em humanos e algumas outras espécies de mamíferos (2). Na maioria das espécies de mamíferos, menstruação não ocorre; esses animais experienciam um ciclo de cio onde o revestimento uterino é reabsorvido ao invés de ser descamado. Por definição, portanto, a maioria dos mamíferos não exibem menopausa. Porém, isso não significa que eles não experienciam similar senescência reprodutiva, como orcas. 


(2) Leitura recomendada: Por que os humanos menstruam?

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Animais são ditos de ter uma longevidade pós-reprodutiva (menopausa) quando a senescência reprodutiva ocorre mais rápido do que a senescência somática geral (envelhecimento natural das células do corpo). O início da longevidade pós-reprodutiva é definida como a perda irreversível da capacidade de produzir filhotes devido a fatores biológicos intrínsecos. As fêmeas de humanos modernos (Homo sapiens) passam, em média, 43% dos anos de vida em um estado de permanente esterilidade (sem capacidade de ovular), com um padrão de manifestação exibindo notável baixa variabilidade ao longo de múltiplas populações e alta hereditariedade (40-60%). Em contraste, machos da nossa espécie retêm capacidade reprodutiva (produção de gametas reprodutivos viáveis) ao longo de toda a fase adulta. Mas por que isso ocorre? 


Existem duas principais hipóteses que tentam explicar a evolução da menopausa. A mais defendida, Hipótese da Avó, argumenta que fêmeas mais velhas sem capacidade reprodutiva, mas ainda fortes e saudáveis, ajudam na criação e na proteção das netas, aumentando a taxa de sobrevivência dessas últimas e, consequentemente, a chance de transmissão do legado genético para as próximas gerações. Múltiplas evidências acumuladas suportam essa hipótese, especialmente para populações humanas e de orcas (1). Já a Hipótese do Conflito Reprodutivo argumenta que o limite reprodutivo imposto pela menopausa reduz o número potencial de filhotes mas aumenta a chance de sobrevivência de outros filhotes gerados no mesmo grupo familiar ao reduzir o conflito por alimento e outros recursos reprodutivos entre mães, avós, netas, etc. (em especial com grávidas e lactantes).


Porém, nenhuma dessas hipóteses, à princípio, explica por que a menopausa é aparentemente tão rara entre os animais. 


Além de humanos, apenas algumas poucas espécies de cetáceos da ordem Odontoceti, incluindo orcas e baleias-de-aleta-curta, exibem real menopausa, pelo menos o que evidências mais convincentes e robustas até o momento acumuladas sugerem. Por outro lado, muitos cientistas apontam evidências sugestivas de que a menopausa ou fenômeno similar é muito mais comum em mamíferos, mas estudos são ainda limitados na coleta de dados suportando esse cenário.


CHIMPANZÉS NA MENOPAUSA


Em um estudo de campo publicado esta semana na Science (Ref.1), pesquisadores coletaram dados demográficos e comportamentais de uma comunidade de chimpanzés-comuns selvagens (subespécie Pan troglodytes schweinfurthii) vivendo no Parque Nacional de Kibale, Uganda, desde 1995. No total, foram acompanhadas 185 fêmeas, incluindo medidas de taxas de mortalidade e de fertilidade, durante o período de 1995 até 2016. E, para investigar se as fêmeas na comunidade - conhecida como Ngogo - passavam por uma menopausa similar àquela de humanos (fim reprodutivo fisiológico e não-patológico), análises laboratoriais foram conduzidas em amostras de urina coletadas de 66 fêmeas com variados status reprodutivos e de idade (14 a 67 anos). Nas análises laboratoriais, cinco hormônios foram quantificados e esperados de espelhar a função ovariana: LH, FSH, estradiol, pregnanediol e estrona.


Os resultados mostraram que a fertilidade nas fêmeas de chimpanzés declinava após 30 anos de idade e nenhum nascimento era mais observado após 50 anos (Fig.2). E, na comunidade analisada e diferente de outras populações de de chimpanzés, não era incomum fêmeas viverem por muito tempo após a idade de 50 anos. No total, 16 fêmeas no grupo de análise foram identificadas vivendo em estado pós-reprodutivo, com representação pós-reprodutiva (PrP) de 0,195; isso significa que fêmeas alcançando a fase adulta (14 anos de idade) vivem próximo de 20% dessa fase sem capacidade reprodutiva. As análises laboratoriais confirmaram que essas fêmeas experienciavam uma transição reprodutiva similar à menopausa humana, caracterizada por aumento dos níveis de FSH e LH e níveis declinantes de estrógenos e progestinas.


Figura 2. Três fêmeas em estado pós-reprodutivo analisadas no estudo. Da esquerda para a direita: Marl (morreu aos 69 aos de idade), Mar (morreu aos 64 anos) e Sutherland (ainda viva e com 61 anos). Ref.1 


Até o momento, entre os primatas em ambiente natural, menopausa era observada apenas em humanos. É possível que as condições favoráveis na comunidade Ngogo, incluindo baixos níveis de predação, grande disponibilidade de alimento e sucesso em competições inter-grupos possibilitaram um anômalo alto PrP. Tipicamente, chimpanzés selvagens são sobrevivem além de 50 anos. Porém, é incerto se a menor longevidade observada em outras populações de chimpanzés é a regra ou se impactos ambientais e pressão de caça impostos por humanos têm historicamente reduzido a expectativa de vida desses primatas, tornando mais rara a frequência de indivíduos na pós-menopausa. De fato, em Ngogo, os chimpanzés estão isolados e menos afetados por doenças e atividades humanas.


Considerando a menopausa como um traço típico de chimpanzés, a hipótese da avó se torna falha para explicá-la nesses primatas. Isso porque as fêmeas jovens de chimpanzés deixam o grupo familiar para acasalamento e reprodução, ou seja, mães e avós são separadas. Nesse sentido, a hipótese do conflito reprodutivo pode ser favorecida, onde fêmeas de chimpanzés param de competir por recursos reprodutivos e oportunidades de acasalamento com outras fêmeas - essas as quais, a longo prazo, muitas vezes podem ser netas ou outros parentes geneticamente muito próximos que migraram de outros grupos.


Apesar disso, essas hipóteses não são mutualmente exclusivas. A hipótese da avó pode complementar a hipótese do conflito reprodutivo para explicar por que humanos possuem um valor de PrP (em torno de 0,4-0,5) muito maior do que os chimpanzés do estudo.


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O estudo também suporta a possibilidade de que a menopausa pode ser um traço antigo e conservado ao longo da evolução humana desde pelo menos o último ancestral compartilhado com chimpanzés.


COMUM OU INCOMUM?


Em outro estudo publicado esta semana no periódico Cell (Ref.3), pesquisadores resolveram investigar o quão comum era a menopausa em mamíferos não-humanos, após observação de que roedores em condições laboratoriais vivem muito além do fim da capacidade reprodutiva. Primeiro, eles propuseram um novo termo para ser usado ao invés de "menopausa", no caso, oopausa. Nesse sentido, oopausa faria referência à exaustão de folículos viáveis nos ovários das fêmeas, melhor representando o fim da capacidade reprodutiva em qualquer espécie de mamífero e afastando o fenômeno de uma simples cessação do ciclo menstrual observada em humanos.


Na segunda parte do estudo, os pesquisadores analisaram dados reprodutivos publicados na literatura acadêmicos sobre >70 espécies mantidas em cativeiro e no ambiente natural. Eles focaram em três linhas de evidências sugerindo ausência de ovulação nas fêmeas: dados demográficos de sobrevivência e de fertilidade em diferentes idades, exames ovarianos, e medidas fisiológicas como níveis hormonais. Os resultados apontaram que >80% das espécies analisadas perdiam a capacidade reprodutiva muito antes da morte natural. A lista incluía cavalos, bovinos domesticados, elefantes Asiáticos e Africanos, camundongos domésticos e também chimpanzés (corroborando o estudo na Science).


Porém, como grande parte dos dados foram coletados de animais mantidos em cativeiro, é incerto se a perda da capacidade reprodutiva é um fenótipo realmente natural nos animais analisados, ou uma consequência de fatores antropogênicos ou de estresse ainda não esclarecidos. Por outro lado, o estudo se soma a evidências prévias de que a menopausa - ou "oopausa" - é muito mais comum no clado Mammalia (mamíferos).


CONTROLE DE QUALIDADE


O estudo na Cell alimenta hipóteses alternativas para explicar a evolução da menopausa que não envolvem seleção positiva. Ao invés de ser um traço adaptativo, a menopausa pode ser apenas um subproduto de uma longevidade maior (ex.: acúmulo de mutações deletérias) ou de seleção positiva para outros mecanismos reprodutivos mais eficientes em fêmeas mais jovens. Nesse último cenário, um estudo publicado recentemente no periódico Journal of Zoology (Ref.4) sugeriu que real menopausa emerge em mamíferos com longa longevidade, grande cérebro e sem oogênese pós-natal (ou seja, número fixo de potenciais oócitos viáveis desde o nascimento) por causa da necessidade de intenso controle de qualidade das mitocôndrias nos gametas femininos. 


Mitocôndrias - a organela responsável pela produção energética nos organismos eucarióticos - são tipicamente passadas pelo lado materno nos mamíferos. Mitocôndrias de alta qualidade são necessárias para suportar a endotermia (3) junto com a alta demanda energética requerida para o desenvolvimento e manutenção de grandes cérebros associados com alta capacidade cognitiva e complexas interações sociais, como observado em primatas superiores, elefantes e cetáceos. Isso limitaria o número de gametas femininos (oócitos) viáveis carregando mitocôndrias com adequada qualidade ao longo da vida. Após múltiplas ovulações ao longo de vários ciclos menstruais ou de cio, e deterioração de mitocôndrias nos oócitos durante o armazenamento de longo prazo em espécies sem oogênese, e o limitado número de oócitos conservado desde o nascimento, a fêmea perderia sua capacidade reprodutiva (fim da ovulação) ao ficar sem oócitos viáveis, independentemente do potencial de longevidade. 


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(3) Em aves e mamíferos, a endotermia acaba demandando até cinco vezes mais mitocôndrias por célula do que a quantidade encontrada em outros organismos eucarióticos. Isso sugere um trabalho mais árduo de filtragem impedindo a transmissão de mitocôndrias defeituosas ou incompatíveis. É também sugerido que a endotermia evoluiu para facilitar quadros febris.


Para mais informações: 

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Menopausa seria primariamente um subproduto do mecanismo do controle de qualidade das mitocôndrias nos gametas. Como machos de mamíferos não transmitem mitocôndrias como regra geral, a espermatogênese não seria limitada.


Porém, segundo a hipótese proposta pelo estudo, seleção positiva pode ter atuado para manter um excessivo período de sobrevivência no estado pós-reprodutivo em algumas espécies - ex.: humanos e orcas - por causa de benefícios sugeridos pela hipótese da avó. No caso de animais em cativeiro ou em condições anormalmente favoráveis permitindo maior longevidade, indivíduos cessariam a capacidade reprodutiva bem antes da morte natural simplesmente por causa do número limitado de oócitos viáveis de boa qualidade. Por exemplo, é estimado que 83% das espécies de mamíferos em zoológicos vivem 60% [média] mais do que em ambiente selvagem (Ref.3). Seria também o caso dos chimpanzés em Uganda?


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Importante realçar que a hipótese ainda é especulativa e carece de mais investigação. 


REFERÊNCIAS

  1. Wood et al. (2023). Demographic and hormonal evidence for menopause in wild chimpanzees. Science, Vol. 382, Issue 6669. https://doi.org/10.1126/science.add5473
  2. https://www.eurekalert.org/news-releases/1005490
  3. Winkler & Gonçalves (2023). "Do mammals have menopause?" Cell, Volume 186, Issue 22, P4729-4733. https://doi.org/10.1016/j.cell.2023.09.026
  4. https://www.science.org/content/article/menopause-may-be-widespread-among-mammals-challenging-famed-hypothesis
  5. Monaghan & Ivimey-Cook (2023). No time to die: Evolution of a post-reproductive life stage. Journal of Zoology, Volume 321, Issue 1, Pages 1-21. https://doi.org/10.1111/jzo.13096
  6. https://www.nature.com/articles/d41586-023-03308-8

Chimpanzés fêmeas também manifestam menopausa, aponta estudo Chimpanzés fêmeas também manifestam menopausa, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on outubro 28, 2023 Rating: 5

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