Cientistas descobrem nova forma amorfa de gelo: "Pode ser água líquida congelada no tempo"

Fig.1. Parte do sistema usado para produzir o gelo amorfo de densidade média. (Ref.1)

Normalmente, quando a água congela, esta cristaliza e suas moléculas (H2O) são rearranjadas em uma estrutura hexagonal, resultando no gelo que observamos no dia-a-dia, o qual é menos denso do que a água líquida - uma anômala propriedade para um cristal. Dependendo das condições de solidificação (ex.: pressão e velocidade de congelamento), vários outros rearranjos regulares de gelo podem ser também obtidos (~20 fases cristalinas já descritas) (1). O que é incomum são formas amorfas de água sólida, ou seja, sem estrutura organizada e regular. Existem duas formas amorfas de gelo conhecidas, as quais podem ser produzidas aqui na Terra. Na década de 1930, ao congelar vapor de água depositado em superfícies muito frias (<-150°C), cientistas criaram gelo amorfo de baixa densidade (0,94 g/cm3 a pressão ambiente e ); na década de 1980, ao submeter gelo Ih (uma fase cristalina) ou gelo amorfo de baixa densidade a uma alta pressão e baixa temperatura, cientistas criaram gelo amorfo de alta densidade (1,15 g/cm3).

(1) Leitura recomendada: Cientistas alcançam uma fase da água antes só vista na teoria: Gelo Superiônico

Gelo amorfo é o principal tipo de gelo encontrado no espaço e no Universo em geral - onde o ambiente tipicamente não fornece energia térmica suficiente para o processo de cristalização. Cometas são cheios de gelo amorfo de baixa densidade. Aqui na Terra, gelo amorfo é pensado de ocorrer apenas nas frias camadas superiores da atmosfera. Aliás, gelo amorfo de alta densidade derruba aquela ideia de que o gelo é sempre necessariamente um sólido menos denso do que a água líquida (1 g/cm3).

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Em um novo estudo publicado na Science (Ref.1), pesquisadores conseguiram criar uma nova forma de gelo amorfo, usando esferas de aço inoxidável resfriadas a uma temperatura próxima de -200°C com nitrogênio líquido. Gelo cristalino ("normal") foi misturado com essas esferas em um recipiente fechado (Fig.1), e então agitadas vigorosamente a uma frequência de 20 vezes/segundo e por um longo período de tempo, produzindo um pó branco de gelo. Análise de raio-X no pó de gelo resultante confirmou a "destruição" da cristalinidade do sólido (Fig.2), formando uma nova forma de gelo amorfo de média densidade (entre 1,02 e 1,06 g/cm3, um valor muito próximo daquele da água líquida).

Fig.2. Modelo computacional esquemático explicando o processo de formação do gelo amorfo de densidade média, através de múltiplos passos de corte e de otimização geométrica ocorrendo no sistema "esferas congeladas e pedaços de gelo cristalino" sob vigorosa agitação. Após um longo período de tempo, a agitação destruiu a estrutura cristalina do sólido. Rosu-Finsen et al., 2023

Nesse sentido, aparentemente, essa nova forma de gelo parece ser muito próxima da estrutura da água líquida, e pode representar o verdadeiro estado vítreo dessa última (2) - concordando com as características de densidade e de difração similares entre ambos os estados. "Pode ser uma água líquida congelada no tempo," disse em entrevista à Nature o Dr. Martin Chaplin, um especialista em estrutura da água na London South Bank University (Ref.2). O gelo amorfo de densidade média pode representar água líquida antes da separação de fase em gelos amorfos de baixa e de alta densidades, e uma fase metaestável entre essas duas formas a baixa temperatura e em todas as pressões. Também corrobora modelos teóricos e simulações computacionais prévios sugerindo que a água a temperaturas muito baixas pode existir simultaneamente como dois líquidos, com um flutuando acima do outro.

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(2) Seria como o vidro nas janelas, o qual representa o estado sólido do dióxido de silício (SO2). Sugestão de leitura: Afinal, o vidro é um líquido ou é um sólido?

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Gelo amorfo de média densidade pode fornecer importante avanço no entendimento da água líquida (e suas várias anomalias) (3) e cientistas suspeitam que essa forma de gelo pode fazer parte do interior de satélites naturais de gigantes gasosos - forças de maré produzidas por Júpiter e Saturno, por exemplo, podem 'macerar' gelo cristalino sob baixíssimas temperaturas, similar ao processo com as esferas metálicas no experimento do novo estudo. Além disso, os pesquisadores descobriram que essa forma amorfa de gelo, quando comprimida e aquecida para recristalização (processo final exotérmico), libera uma grande quantidade de energia térmica; isso sugere que a água pode ser um material geofísico de alta energia que pode alimentar movimentos tectônicos nos mundos de gelo aqui no Sistema Solar.

(3) Leitura recomendada: Sem a expansão térmica única da água, não teríamos gelo marinho na Terra, revela estudo

Por outro lado, os pesquisadores também não descartaram que a nova forma "amorfa" de gelo possa ser um estado cristalino extremamente estilhaçado, e não uma fase vítrea, apesar dessa hipótese aparentemente representar um cenário remoto. De qualquer forma, a fase criada e reportada possui propriedades totalmente únicas e nunca descritas para a água.

REFERÊNCIAS