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Sem a expansão térmica única da água, não teríamos gelo marinho na Terra, revela estudo


Quando as águas marinhas polares congelam e gelo marinho é formado, o processo não é determinado apenas pelo frio ar sobre a superfície da água. Ainda mais importante é o mecanismo crítico prevenindo que águas aquecidas no fundo do oceano subam para a superfície, devido à salinidade muito menor das águas superficiais. Esse mecanismo extra-térmico - associado ao coeficiente de expansão térmica da água - permite a estabilidade do gradiente de salinidade na coluna de água marinha e foi descrito em um estudo recentemente publicado no periódico Science Advances (Ref.1).


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A molécula da água (H2O) é essencial para a vida como a conhecemos e possui uma estrutura única em relação a outras substâncias, em especial devido ao arranjo em V dos átomos de hidrogênio (H) ao redor do átomo de oxigênio (O) e sua estrutura eletrônica com dois pares de elétrons não-ligantes promovendo forte polaridade. Por causa da sua polaridade, a molécula de água pode formar ligações de hidrogênio com moléculas vizinhas, adicionando coesão dentro da fase líquida e tornando os valores da capacidade térmica, calor latente de fusão e de evaporação, e a tensão superficial muito altos. Essas propriedades explicam o porquê da água ser também tão central para o sistema climático da Terra, representando inclusive o mais poderoso dos gases estufas com significativa concentração na atmosfera (1).


Estrutura angular da molécula de água, com os dois pares de elétrons não-ligantes. 

(1) Leitura recomendadaQuais os mecanismos do efeito estufa atmosférico?


Considerando que os átomos de hidrogênio e de oxigênio formam um ângulo de 104,5°, muito próximo do ângulo de 109,5° encontrado em um tetraedro regular, as moléculas de água podem formar estruturas cristalinas abertas onde cada molécula de água fica no centro de um tetraedro formado pelas moléculas vizinhas. Essa característica estrutural explica precisamente porque a água líquida é mais densa do que o gelo próximo do ponto de congelamento. Essa também é a razão do porquê do coeficiente de expansão térmica (CET) da água cair consideravelmente próximo do ponto de congelamento.


O CET, ou coeficiente de dilatação, mede a alteração relativa de comprimento, ou - no caso da água líquida - volume, que se produz quando um corpo sólido, ou um fluido dentro de um espaço delimitado, experimenta uma alteração temperatura, resultando assim em dilatação térmica.


As regiões polares são geralmente associadas com excesso de precipitação e menor evaporação, além de contínuo derretimento das geleiras fornecendo água não-salina para a superfície marinha. Esses fatores tornam significativamente menos salina a camada superior do oceano em relação às camadas mais profundas, formando um permanente haloclina (acentuado gradiente vertical de salinidade). Esse haloclina, por sua vez, limita a convecção termicamente dirigida e impede que águas profundas mais quentes subam. Por exemplo, o contraste de temperatura entre superfície e águas profundas no Oceano Antártico é tão grande quanto 13°C, algo apenas possível devido ao forte efeito estabilizante dos gradientes verticais de salinidade. Como resultado final desse fenômeno, permite-se a formação de gelo marinho nas regiões polares. Sem o haloclina, apenas as baixíssimas temperaturas polares não seriam suficientes para congelar continuamente a água marinha.


Nesse contexto, é assumido que a "tampa" do gradiente de salinidade prevenindo a ascensão de água aquecida para a superfície é determinada apenas pela contínua adição de água "doce" pela precipitação e derretimento de gelo.


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No novo estudo, os pesquisadores usaram modelos climáticos acoplados e demonstraram que o CET é o fator mais importante para a manutenção do haloclina. Em água não-salina, temperatura abaixo de 4°C está associada a uma menor densidade e, portanto, permanece na superfície e é congelada, sem se misturar com água de maiores profundidades. No oceano, a água marinha (altamente salina) possui uma densidade mínima exatamente no ponto de congelamento, ao redor de 2°C negativos. No entanto, a densidade da água varia muito menos com a temperatura em água gelada do que quando está mais aquecida, o que é anômalo em relação a outros fluídos. Essa dependência do CET em relação à temperatura mostrou ser crucial para a estratificação oceânica por salinidade e amplamente controla a extensão do gelo marinho.


Em simulações oceano-atmosfera conduzidas pelos pesquisadores, eles mostraram que o fluxo de água doce nas regiões polares não é suficiente para manter a estratificação salina estável na presença de intenso resfriamento superficial (talvez com exceção em frias regiões estuarinas geograficamente limitadas). A redução do CET nas altas latitudes geladas é o fator crucial promovendo a formação de gelo marinho nas altas latitudes. Essa dependência do CET em relação à temperatura mostrou ser essencial também para a co-existência das águas oceânicas estratificadas em regiões de média e de baixa latitudes.


Os achados do estudo possuem implicações importantes tanto para as atuais mudanças climáticas quanto para a busca de planetas extra-solares habitáveis. Se a posição da zona de transição polar é controlada pelo valor do CET, como uma função da temperatura superficial marinha, migrações da zona de transição entre regiões alfa (onde a estratificação térmica da superfície oceânica é estável) e beta (onde a estratificação halina é estável) devem ser amplamente dirigidas pelos fluxos de calor superficial. Isso parece ser consistente com a atual "atlantificação" da base Ártica Eurasiana, causada pelo aquecimento dos influxos Antlânticos e produzindo uma migração da zona de transição e um concorrente encolhimento da extensão do gelo marinho. Aliás, em 2021, houve novo recorde de acúmulo de calor na camada superior oceânica devido ao aquecimento global antropogênico: os primeiros 2 mil metros de todos os oceanos absorveram 14 Zettajoules a mais do que em 2020, energia térmica equivalente a 145 vezes a eletricidade total gerada por usinas em 2020 (Ref.2).


A cobertura de gelo marinho é um fator mais do que relevante para o controle climático da Terra, ao refletir parte substancial da radiação solar incidente sobre a superfície do planeta. Mudanças na formação de gelo marinho podem ter sério impacto na exacerbação do aquecimento global.


Além do clima, o CET pode influenciar no potencial de habitabilidade de exoplanetas. Por exemplo, ao afetar a estratificação e, consequentemente, as taxas de transporte de nutrientes essenciais como fosfato, variações no CET em águas marinhas podem limitar a produtividade oceânica (com feedbacks sobre o ciclo de carbono global), impactando nas condições climáticas (ex.: concentrações de CO2 atmosférico) e de habitabilidade em mundos cobertos por oceanos salinos. 


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CURIOSIDADE: É comumente alegado que derretimento de gelo marinho não aumenta o nível dos oceanos porque "gelo é menos denso do que água". Nesse cenário, apenas geleiras (gelo sobre terra firme) contribuiria para o processo. Porém, esse raciocínio não é válido para a interação entre gelo (água não-salina) e água marinha (alta salinidade). Gelo sobre o mar, se derretido, aumenta, sim, o volume oceânico! Para entender melhor essa questão, acesse: Derretimento do gelo nas regiões polares não aumenta o nível dos mares?

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REFERÊNCIAS

  1. Roquet et al. (2022). Unique thermal expansion properties of water key to the formation of sea ice on Earth. Science Advances, Vol. 8, No. 46. https://doi.org/10.1126/sciadv.abq0793
  2. Cheng et al. (2022). Another Record: Ocean Warming Continues through 2021 despite La Niña Conditions. Advances in Atmospheric Sciences 39, 373–385. https://doi.org/10.1007/s00376-022-1461-3

Sem a expansão térmica única da água, não teríamos gelo marinho na Terra, revela estudo Sem a expansão térmica única da água, não teríamos gelo marinho na Terra, revela estudo Reviewed by Saber Atualizado on novembro 27, 2022 Rating: 5

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