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Histonas são também essenciais em bactérias e a histona bacteriana interage de forma estranha com o DNA

Fig.1. Micrografia eletrônica de um Bdellovibrio bacteriovorus dentro de uma célula de Escherichia coli, cuja parede celular foi modificada pelo predador para torná-la esférica (a E. coli é normalmente cilíndrica, bacilar). O flagelo do B. bacteriovorus é ainda visível protuberando para fora da E. coli, mas será eventualmente perdido. Barra de escala = 1 µm. Sockett et al., 2006

- Atualizado no dia 10 de outubro de 2023 -


Em um preprint (estudo publicado ainda sem revisão por pares) (Ref.1) (!) explorado recentemente pela Nature (Ref.2), pesquisadores reportaram que algumas espécies de bactérias exibem um bizarro modo de empacotar cromossomos e regular a expressão de genes - usando proteínas que, até pouco tempo atrás, não eram pensadas existir em bactérias. As proteínas em questão - chamadas de histonas e também presentes nos organismos eucariontes e Archaea - ao invés de serem envolvidas pelas fitas de DNA, se unem para encobrir o DNA em pelo menos uma espécie de bactéria (descrita no estudo). 


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(!) ATUALIZAÇÃO: O estudo foi agora devidamente publicado pós-revisão por pares no periódico Nature Microbiology. Ref.5

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Os genomas de todos os organismos eucariontes - cujas células são mais complexas e formam o corpo de animais, plantas, fungos e outros seres - são organizados por nucleossomos, os quais são compostos de quatro núcleos de histonas que se reúnem em um octâmero para amarrar o DNA em duas voltas superhelicais apertadas (Fig.2) (1). Esse arranjo restringe severamente acesso ao genoma e, consequentemente, os eucariontes dependem de um complexo sistema de controle de acesso para coordenar processos associados à leitura do DNA, como transcrição, replicação e reparo de DNA. As histonas estão entre as proteínas mais conservadas e abundantes no grupo eucariota. Deleção ou depleção de histonas individuais nos eucariontes (ex.: mutações que inibem a expressão de histonas no núcleo celular) levam a desregulação transcricional, paralisação do ciclo celular e, ultimamente, morte celular. 

 

Fig.2. O DNA eucarionte é organizado em uma estrutura denominada cromatina, formada por unidades repetitivas chamadas nucleossomo. Cada nucleossomo é constituído por um octâmero de histonas (H2A, H2B, H3 e H4, sendo dois exemplares de cada) envolto por DNA. O enovelamento da histona é composto de três hélices alfas (conectadas por dois laços curtos) e possui outros elementos adicionais, incluindo caudas divergentes N-terminais, distinguindo os quatro núcleos de histonas eucarióticos. As histonas projetam a porção N-terminal além do cerne do nucleossomo, e os aminoácidos dessa região podem sofrer modificações epigenéticas. Ref.4


(1) Leitura recomendada:  Cientistas "brincando de Deus": Letras artificiais no DNA


Histonas minimalistas consistindo apenas do enovelamento de histona são pervasivas em organismos Archaea (seres unicelulares procariontes distintos de bactérias) (2), onde podem atuar de forma importante na organização de cromatina junto com outras proteínas nucleoide-associadas (NAPs). Em algumas espécies de Archaea, histonas figuram entre as mais abundantes proteínas na célula e a presença dessas estruturas proteicas são essenciais na espécie representativa Thermococcus kodakarensis. Assim como nos eucariontes, dímeros de histonas torcem DNA ao redor da superfícies externa dessas proteínas, através de três interações independentes com a molécula de DNA. Mas enquanto as histonas eucarióticas são heterodímeros (subunidades distintas) obrigatórios, histonas podem ser expressas também como homodímeros (subunidades idênticas) no grupo Archaea. 


(2) Leitura recomendadaCientistas detalham organismo que pode representar o elo evolutivo entre procariontes e eucariontes


Os dímeros de histonas em eucariontes e Archaea se oligomerizam - se ligam em longas cadeias de tamanhos variáveis - que amarram o DNA para formar 'hipernucleossomos' bem empacotados.


Por outro lado, bactérias usam uma variedade de pequenas e básicas NAPs para organizar o DNA, e a deleção dessas proteínas mais simples frequentemente não é letal para as células bacterianas. E isso é verdade mesmo para NAPs muito abundantes na estrutura genômica das bactérias. Histonas, tradicionalmente, eram pensadas de serem ausentes nas bactérias. Porém, estudos nos últimos anos têm revelado a presença de genes codificantes de proteínas com domínios de enovelamento típicos de histonas em uma pequeno grupo de genomas bacterianos. O papel dessas histonas em bactérias tem permanecido incerto.


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Para melhor esclarecer a questão, os pesquisadores no novo estudo investigaram duas bactérias de fácil crescimento laboratorial: o patógeno Leptospira interrogans - responsável pela leptospirose (3) - e a bactéria predatória Bdellovibrio bacteriovorus - a qual invade as células de outras bactérias, digere suas estruturas internas e usa os nutrientes resultantes para se replicar (Fig.1).


(3) Leitura recomendada: Mordida de rato pode transmitir leptospirose?


Os resultados dos experimentos primeiro demonstraram e reforçaram que a organização da cromatina baseada em histonas não é exclusiva dos eucariontes e Archaea. Quando os pesquisadores isolaram a proteína histona da B. bacteriovorus (Bd0055), e a analisaram, eles observaram que, estruturalmente, a proteína era similar ao homólogo eucariótico e no Archaea (Fig.3A). Além disso, tentativas de deletar o gene bd0055 no genoma dessa bactéria falharam, indicando que as histonas são essenciais para a B. bacteriovorus. Porém, para a surpresa dos pesquisadores, a interação da histona era totalmente distinta daquela observada nos eucariontes e Archaea. Ao invés de DNA ser enrolado sobre a superfície da histona bacteriana, essa última formava, em pares, cadeias oligoméricas que produziam densas estruturas fibrosas encapsulando o DNA - como se fosse uma camada de revestimento (Fig.3B). Essa propriedade parece ser devido em especial ao fato da histona bacteriana ser incapaz de formar tetrâmeros (oligômero formado por quatro subunidades proteicas).

 

Fig.3. (A) Estrutura cristalina da histona bacteriana Bd0055 superposta sobre a histona Archaea HMfB. A Bd0055 mantém uma topologia geral de um típico enovelamento de histona, com hélices α2 e  α3 mais curtas, e conserva algumas assinaturas estruturais (ex.: laços LI/L2). (B) Os dímeros de Bd0055 encapsulam DNA de cadeia dupla (dsDNA) ao se ligar a 5 fosfatos (2-3 em cada cadeia) e interagir com dímeros vizinhos através de interações eletrostáticas. Dímeros consecutivos à medida que formam filamentos sobre o DNA, como representado pelas sombras em azul (e cujas fileiras são melhor explicitadas ao virar o ângulo de visão em 90°). Na parte de baixo, é mostrado como as histonas HMfB interagem com o DNA, com este localizado externamente sobre um núcleo de dímeros de histona que são ligados através de uma estrutura de quatro hélices. Hocher et al., 2023 


Por outro lado, ainda é incerto se essa distinta interação da histona bacteriana com o DNA é algo que ocorre in vivo ou se é apenas resultado de fatores no ambiente in vitro de análise. Caso confirmada a "capa proteica" in vivo, pesquisadores sugerem uma potencial função das histonas na B. bacteriovorus (Ref.2): proteger o DNA de se misturar com pedaços fragmentados de DNA das suas presas. Além disso, essa forma única da histona bacteriana interagir com DNA pode explicar por que a B. bacteriovorus possui um DNA tão compactado durante sua fase de nado livre (antes de invadir uma célula bacteriana), e ajudar a esclarecer como ocorre a descompactação. 


No caso da L. interrogans, cuja histona (associada ao gene ID: LA_2458) mostrou ser excepcionalmente abundante, os pesquisadores encontraram que essa proteína era altamente conservada em todos os membros da ordem Leptospirales, incluindo espécies patogênicas e saprofíticas. Tentativas de deletar o gene codificante de histona do genoma da L. interrogans também falharam, indicando que as histonas são também essenciais nessa espécie - e provavelmente para diversas outras espécies de bactérias.


Nesse último ponto, os pesquisadores resolveram também investigar se outras bactérias estariam organizando cromatina (complexo de DNA e proteínas) com histonas, analisando bancos de dados genômicos. Tanto a nível transcriptômico quanto a nível proteômico, eles encontraram alta expressão de proteínas histonas em várias bactérias (~2% dos genomas analisados) pertencentes a clados filogenicamente bem distantes entre si, algo que sugere uma origem evolutiva muito mais antiga do que o comumente assumido para essas proteínas.


Mais estudos são agora necessários para descobrir se outras histonas bacterianas se ligam ao DNA da mesma maneira que a Bd0055, quando e como essas sequências (genes codificantes de histonas) emergiram nas bactérias, e quais funções outras histonas bacterianas com distintas características podem ter. Esclarecimentos nesse sentido podem jogar luz sobre a evolução das histonas nos eucariontes e o estabelecimento da complexa interação dessas proteínas com o nosso DNA.


REFERÊNCIAS

  1. Hocher et al. (2023). Histone-organized chromatin in bacteria. biorXiv, [preprint]. https://doi.org/10.1101/2023.01.26.525422
  2. https://www.nature.com/articles/d41586-023-00334-4
  3. Sockett et al. (2006). Characterizing the flagellar filament and the role of motility in bacterial prey-penetration by Bdellovibrio bacteriovorus. Molecular Microbiology, Volume 60, Issue 2, Pages 274-286. 
  4. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/41/41131/tde-11072012-075646/publico/Erica_Sara_SIMPL.pdf
  5. Hocher et al. (2023). Histones with an unconventional DNA-binding mode in vitro are major chromatin constituents in the bacterium Bdellovibrio bacteriovorus. Nature Microbiology 8, 2006–2019. https://doi.org/10.1038/s41564-023-01492-x

Histonas são também essenciais em bactérias e a histona bacteriana interage de forma estranha com o DNA Histonas são também essenciais em bactérias e a histona bacteriana interage de forma estranha com o DNA Reviewed by Saber Atualizado on fevereiro 09, 2023 Rating: 5

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