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Cientistas detalham organismo que pode representar o elo evolutivo entre procariontes e eucariontes


Como organismos complexos - multicelulares e com células mais complexas (estruturas e organelas) - emergiram no planeta até a eventual evolução dos seres humanos? Essa é uma das maiores questões em aberto na Biologia, mas várias hipóteses e sugestivas evidências existem, em especial para a emergência da multicelularidade (1). Agora, em um estudo publicado no periódico Nature (Ref.1), um time internacional de pesquisa finalmente conseguiu cultivar em laboratório em suficiente quantidade e caracterizar em detalhes uma espécie de Archaea no grupo Asgard - um grupo especial de procariontes pensados representar o "elo" evolutivo entre organismos procariontes (unicelulares e mais simples) e organismos eucariontes (mais complexos). Com o uso de avançados métodos de microscopia, essa espécie de Asgard mostrou exibir características celulares únicas que apontam, de fato, para esse elo evolutivo tão procurado. Os achados também corroboram modelos filogenéticos que colocam o grupo Asgard como ancestrais diretos dos eucariontes.


(1) Leitura recomendadaA transição evolutiva de unicelular para multicelular é mais fácil do que você pensa


"Nosso novo organismo, chamado Lokiarchaem ossiferum, possui grande potencial em fornecer cruciais avanços sobre a evolução inicial dos eucariontes", comentou a microbióloga, e uma das autoras principais do estudo, Dra. Christa Schleper, em entrevista à Universidade de Viena (Ref.2). "Levou seis longos anos para obter uma cultura estável e altamente enriquecida, mas agora nós podemos usar a experiência para realizar vários estudos bioquímicos e também cultivar outros Archaea Asgard."


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Todas as formas de vida na Terra são divididas em três principais domínios: eucariontes, bactérias e Archaea. Eucariontes incluem em especial os animais, plantas, fungos e protozoários. As células eucarióticas são geralmente muito maiores (2) e, à primeira vista, muito mais complexas do que as células de bactérias e de Archaea (ambos classificados como seres procariontes). O material genético dos eucariontes, por exemplo, é empacotado em um núcleo celular (2) e as células também possuem um grande número de outros compartimentos. Formato celular e transporte dentro das células eucarióticas são também baseados em um extensivo e complexo citoesqueleto. Nesse sentido, torna-se importante o esclarecimento da questão: de onde emergiram essas estruturas e complexa arquitetura?


(2) Um exemplo notável de exceção foi recentemente descritoCientistas descobrem a maior bactéria já descrita, e sua biologia muda nosso entendimento dos seres procariontes


Logo após a descoberta dos organismos unicelulares Archaea como uma linhagem separada em relação às bactérias, estudos moleculares e filogenéticos têm sugerido uma profunda descendência evolucionária comum entre Archaea e eucariontes, especialmente com a descoberta do clado Lokiarchaeia e o mais amplo superfilo Asgardarchaeota em análises metagenômicas. É amplamente proposto que as células eucarióticas emergiram de células Archaea, após estas incorporarem bactérias e eventualmente estabelecerem uma relação simbiótica (essas bactérias se tornariam eventualmente as mitocôndrias, nossa "usina" de energia) (2). De fato, eucariontes formam um grupo irmão direto em relação ao clado Asgardarchaeota ou mesmo emergem dentro desse clado na maioria das análises filogenômicas.


Relações filogenéticas entre bactérias, eucariontes e Archaea, e a proposta evolutiva de emergência das células eucarióticas a partir de união entre Archaea e um representativo bacteriano. Ilustração: © Florian Wollweber, ETH Zürich

(2) Leitura recomendada: Afinal, as mitocôndrias são sempre herdadas da mãe?


Aliás, todos os membros do Asgardarchaea carregam um extensivo repertório de genes que foram originalmente assumidos de serem únicos aos eucariontes. Esses genes, em sua maioria, são associados com características de células com alta complexidade, como formação de citoesqueleto, transporte e formato de membranas. Isso inclui sequências genéticas de elaborados compartimentos membranosos intracelulares e de vários homólogos de actina eucariótica (microfilamentos proteicos constituintes do citoesqueleto). Além disso, profilinas e gelsolinas (proteínas ligantes de actina) encontradas nas Archaea Asgard já foram mostradas de modular a actina eucariótica em experimentos laboratoriais, indicando a existência de um elaborado e dinâmico citoesqueleto nesses organismos. 


Já foi observado também que organismos Archaea da espécie Prometheoarchaeum syntrophicum - de lento crescimento celular. baixa densidade celular e cultivados em limitada extensão em condições laboratoriais - exibem longas protrusões ramificadas. É sugerido nesse sentido que antigos Archaea Asgard teriam interagido com o predecessor bacteriano endossimbionte (futura mitocôndria) através dessas protrusões, eventualmente incorporando esse ancestral bacteriano (endogenização).


Porém, estrutura e funções de tal citoesqueleto proposto e o papel das protrusões têm permanecido elusivos devido à extrema dificuldade de cultivar Archaea em laboratório em quantidade suficiente para análises mais detalhadas.


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No novo estudo, um time de pesquisadores - conduzidos por cientistas da Universidade de Viena, Áustria - conseguiu pela primeira vez cultivar um representativo Asgard em altas concentrações, a partir de amostras coletadas em sedimentos marinhos na costa de Piran, Eslovênia. O representativo em questão - espécie Lokiarchaeum ossiferum - constituiu a maior parte (79% das sequências genéticas analisadas) de uma cultura microbiana (Loki-B35) com densidades celulares de até 50 milhões de células por mL a 20°C em um meio orgânico contendo bactérias e Archaea consumidoras de hidrogênio molecular (H2). Com base em parâmetros qualitativos e quantitativos da cultura em questão, os pesquisadores sugeriram que o provável metabolismo da espécie envolve fermentação de peptídeos resultando em H2 e/ou pequenos ácidos orgânicos.


Com o grande número de células obtidas na cultura Loki-B35 e o uso de avançadas técnicas de microscopia - incluindo microcopia eletrônica (EM) - e tomografia crio-eletrônica (cryo-ET), os pesquisadores conseguiram caracterizar detalhes tridimensionais morfológicos e de arquitetura intracelular do L. ossiferum. Externamente, as células consistiam de corpos celulares arredondados com finas, irregulares e, às vezes, muito longas extensões (protrusões celulares membranosas). Essas estruturas similares a tentáculos diferiam entre os espécimes quanto à forma (sugerindo capacidade de rearranjamento) e pareciam em alguns casos conectar diferentes corpos celulares entre si. Internamente, as células continham uma extensiva e elaborada rede de filamentos de [Loki]actina, uma característica antes pensada única de células eucarióticas. A extensiva rede de filamentos de actina mostrou se estender também ao longo das protrusões, e eram responsáveis por suportar a complicada arquitetura celular do L. ossiferum. Isso sugere que complexas estruturas citoesqueléticas emergiram nos Archaea antes da emergência dos primeiros eucariontes, suportando modelos teóricos que colocam os organismos Asgard como ancestrais diretos das células eucarióticas.



(a-b) Imagem via microscopia de escaneamento eletrônico (MEV) de células do L. ossiferum mostrando pequenos corpos celulares cocoides com extensivas protrusões. Em (c-f), cortes de duas distintas células através de crio-tomogramas (espessura de 9,02 nm), com destaque para os corpos celulares (c, d) e as protrusões (e, f); em (c, e), observação superficial 2D e, em (d, f), reconstrução baseada em análises 3D. As setas cinzas apontam ribossomos; as setas laranjas, filamentos citoesqueléticos; e as setas azuis complexas densidades superficiais. Barras de escala: 500 nm (a-b); 100 nm (c-f). Schleper et al. (2022)

Ilustração baseada nas análises do novo estudo, onde podemos ver os extensivos filamentos de actina (laranja) nos corpos e nas protrusões celulares do L. ossiferum, assim como os envelopes celulares únicos (azul). Ilustração: © Margot Riggi, The Animation Lab, University of Utah

A grande área superficial da convoluta rede de protusões, em combinação com a ausência observada de uma camada-S altamente ordenada no envelope celular - este o qual mostrou exibir numerosas proteínas superficiais - pode ter permitido profundas interações célula-célula requeridas para uma eucariogênese, provavelmente envolvendo dependências interespécies em relações sintróficas (como observado nas culturas de crescimento, onde a L. ossiferum parecia depender de outros procariontes para sobreviver). Essas mesmas características foram reportadas para a espécie previamente descrita P. syntrophicum (!). Esses achados fortemente suportam um caminho gradual de aquisição mitocondrial através de interações mediadas por protrusões celulares, como proposto em hipóteses hoje amplamente defendidas.


"Esse estudo reforça que o nosso ancestral é Archaea", comentou o microbiologista Hiroyiuki Imachi, da Agência do Japão para Ciência Terra-Marinha e Tecnologia, em entrevista à Science (Ref.3).


Importante mencionar, porém, que outros cientistas propõem que a origem dos eucariontes foi iniciada em organismos Archaea muito mais simples do que o L. ossiferum, com o processo de endossimbiose (captura do ancestral mitocondrial) engatilhando várias respostas evolutivas ao estresse intracelular imposto (pressão seletiva) e eventualmente determinando a emergência de estruturas celulares cada vez mais complexas (ex.: complexo de Golgi, núcleo, etc.) até o estabelecimento das células eucarióticas (Ref.4). 


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(!) O genoma do Lokiarchaeum ossiferum mostrou ser >1,6 milhão de bases de pares (bp) maior do que o genoma do P. syntrophicum, com uma similaridade de 58,4% a nível de aminoácidos e contendo quatro genes para a proteína actina.


> Lokiarchaeum possui etimologia derivada do termo Loki (o Deus da Trapaça da Mitologia Nórdica) e do termo Grego archaios ("antigo"). Já a especificação da espécie (ossiferum) possui origem das junções dos termos ossa ("osso") e fero ("carregar"), significando "carregador de ossos" (referência ao citoesqueleto dessa espécie). Da mesma forma, o 'Asgard' do filo Asgardarchaeota é uma homenagem ao reino dos deuses na mitologia Nórdica.


Leitura recomendada: Vikings: A Era Subestimada da Sociedade Nórdica

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REFERÊNCIAS

  1. Schleper et al. (2022). Actin cytoskeleton and complex cell architecture in an Asgard archaeon. Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-022-05550-y
  2. https://medienportal.univie.ac.at/en/media/recent-press-releases/detailansicht-en/artikel/shedding-light-on-the-origin-of-complex-life-forms/
  3. https://www.science.org/content/article/strange-tentacled-microbe-may-resemble-ancestor-complex-life
  4. Gould et al. (2022). Endosymbiotic selective pressure at the origin of eukaryotic cell biology. eLife, 11:e81033. https://doi.org/10.7554/eLife.81033

Cientistas detalham organismo que pode representar o elo evolutivo entre procariontes e eucariontes Cientistas detalham organismo que pode representar o elo evolutivo entre procariontes e eucariontes Reviewed by Saber Atualizado on dezembro 31, 2022 Rating: 5

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