Estudo sugere que cães também produzem lágrimas emocionais
Até o momento, apenas humanos modernos (Homo sapiens) são conhecidos de expressarem lágrimas emocionais, ou seja, produção lacrimal em resposta a emoções diversas (ex.: alegria ou tristeza). Agora, em um estudo pioneiro publicado no periódico Current Biology (Ref.1), pesquisadores encontraram que cães parecem também produzir lágrimas como resposta emocional, em um processo que parece ser intermediado pelo hormônio oxitocina. Lágrimas emocionais nos cães podem ter evoluído no sentido de reforçar os laços entre cães e humanos.
Após o processo evolutivo inicial de domesticação, cães (Canis familiaris) parecem estar convivendo com a nossa espécie há pelo menos 15 mil anos (1). Estudos diversos têm reportado que cães possuem habilidades cognitivas no aspecto social similares àquelas de humanos, as quais são pensadas de resultar de evolução convergente com esses últimos. Contato visual/ocular atua de forma crucial no comportamento canino de conexão afetiva, com o contato visual entre cães e humanos elicitando comportamento de cuidado afetivo. Nesse contexto, existe a hipótese que a produção canina de lágrimas durante reuniões (reencontros) com os seus companheiros humanos pode facilitar (ou fomentar) cuidado afetivo, um fenômeno similarmente reportado em crianças humanas. Além disso, cães evoluíram músculos faciais responsáveis por levantar suas sobrancelhas internas, movimento que engatilha comportamento afetivo em humanos (2).
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Humanos frequentemente exibem lacrimação em situações envolvendo dor física. Interessantemente, humanos também exibem lágrimas secretadas em resposta a estados emocionais, tanto em situações positivas (ex.: alegria) quanto em situações negativas (ex.: tristeza). Existem várias hipóteses que tentam explicar a evolução de lágrimas emocionais em humanos (3). De qualquer forma, é plausível afirmar que as lágrimas emocionais possuem um papel não-verbal de comunicação no sentido de engatilhar respostas interativas em outros membros estranhos ou do mesmo grupo.
(3) Leitura recomendada: Por que choramos?
É estabelecido que o olhar canino inicia interações com o seu companheiro humano, e estimula a secreção de oxitocina, um importante hormônio envolvido na formação de laços afetivos e emocionais, nesse último.
Quando cães se reúnem com seus donos, eles exibem comportamento altamente afiliativo, incluindo fixação de olhares com o companheiro humano, balanço energético da cauda, pulos excessivos e sucessivas lambidas no rosto humano (no vídeo mais à frente, um exemplo desse comportamento é exibido). Fisiologicamente, concentrações de oxitocina aumentam em cães durante reencontro com humanos.
Em experimentos com ratos, oxitocina já foi mostrada de estimular a secreção de lágrimas ao agir sobre receptores de oxitocina expressos nas glândulas lacrimais; com esses mesmos modelos experimentais, neurônios de oxitocina localizados na região paraventricular do hipotálamo também já mostraram estar envolvidos com um aumento da produção lacrimal. Portanto, aumento de oxitocina relacionado com emoções negativas ou positivas podem facilitar a secreção lacrimal, agindo tanto em órgãos centrais quanto em órgãos periféricos.
Fungadas e lambidas próximo dos cílios é um comportamento comumente observado quando cães cumprimentam outros cães, sugerindo a possibilidade de que as lágrimas também possuem função de sinalização social nesses animais.
No novo estudo, pesquisadores analisaram 18 cães nos primeiros 5 minutos após reunião com seus donos seguindo 5-7 horas de separação física. Eles também compararam esse cenário com a reunião desses cães com indivíduos familiares mas que não eram donos desses cães, seguindo o mesmo procedimento. As análises mostraram que, após reunião com seus donos, os cães secretavam um volume significativamente maior de lágrimas do que quando se reuniam com indivíduos familiares que não eram seus donos/companheiros.
Para avaliar o papel da oxitocina na produção de lágrimas em cães, solução desse hormônio e uma solução de controle (contendo os mesmos aminoácidos da oxitocina mas rearranjados) foram aplicadas na superfície ocular dos cães e o volume final de lágrimas produzidas para cada cão foi medido. Os resultados mostraram que o volume lacrimal foi significativamente maior após a administração de oxitocina, mas não após a aplicação da solução de controle. É ainda incerto, porém, se a solução contendo oxitocina promoveu efeitos secundários não esperados (ex.: irritação) disparando a produção de lágrimas (Ref.2).
Por fim, os pesquisadores recrutaram participantes humanos para avaliar fotos de rostos caninos com ou sem lágrimas artificialmente expressas. Em específico, os participantes tinham que pontuar o quanto o rosto canino elicitava vontade de cuidar afetivamente dos cães retratados. Os resultados mostraram que as fotos com lágrimas artificiais eram ranqueadas com pontuações significativamente maiores do que as fotos sem adição de lágrimas. Isso fortemente sugere que as lágrimas nos olhos de cães durante reunião com seus companheiros humanos facilitam a promoção de afeto, de forma similar às lágrimas em crianças e bebês humanos.
Ao contrário de outros animais, cães evoluíram através de comunicação com humanos, ganhando habilidades comunicativas de alto nível com a nossa espécie usando o contato visual direto. Através desse processo, suas lágrimas podem atuar elicitando comportamento protetor ou de afeto nos seus companheiros humanos, resultando no fortalecimento das relações mútuas e levando ao aprofundamento de laços entre espécies distintas.
REFERÊNCIAS
- Kikusui et al. (2022). Increase of tear volume in dogs after reunion with owners is mediated by oxytocin. Current Biology, Volume 32, Issue 16, PR869-R870. https://doi.org/10.1016/j.cub.2022.07.031
- https://www.science.org/content/article/do-dogs-cry-happy-tears-when-reunited-owners