Três novas variantes de preocupação do SARS-CoV-2 emergiram nos EUA
Quanto mais o vírus se espalha e se multiplica nos infectados, maiores as chances de novas mutações emergirem e se acumularem, dando origem a variantes que podem levar a frequentes reinfecções e até mesmo inutilizarem parcialmente ou quase totalmente as vacinas. E isso se agrava com a crescente maior pressão seletiva causada pelo avanço da imunidade natural e da imunidade conferida pelas vacinas. Uma disseminação viral sem controle também aumenta os riscos de novos reservatórios naturais, já que vários mamíferos são suscetíveis ao SARS-CoV-2, fomentando evoluções paralelas que podem liberar o caminho para a emergência de um SARS-CoV-3 após reinfecção zoonótica.
Até pouco tempo atrás, eram três as variantes de maior preocupação: B.1.1.7 (Britânica), P.1 (K417N / E484K / N501Y) (Amazônica) e B.1.351 (Sul-Africana), todas associadas com substancial maior infecciosidade. Mais recentemente, nos EUA, outras duas preocupantes variantes emergiram com preocupantes mutações.
VARIANTE CALIFORNIANA
A primeira, B.1.427/B.1.429, emergiu no Sul da Califórnia e já está presente em pelo menos 26 estados Norte-Americanos (1). Sua prevalência entre mais de 2 mil amostras coletadas na Califórnia aumentou de 0% até mais de 50% entre setembro de 2020 e o final de janeiro deste ano (2).
A variante - na verdade duas (B.1.427 e B.1.429), muito similares em termos genéticos - carrega múltiplas mutações na proteína Spike (5 no total), uma característica compartilhada pelas três variantes-linhagens hoje de maior interesse científico (P.1, B.1.351 e B.1.1.7).
Um estudo conduzido recentemente por pesquisadores da Universidade da Califórnia, São Francisco (UCSF), trouxe resultados indicando que a variante B.1.427/B.1.429 (ou 20C/L452R) é mais transmissível, aumenta o risco de admissão na unidade de tratamento intensivo (UTI) e de morte - ou seja, mais virulenta -, e parece ter significativa capacidade de evasão imune (3-4).
Porém, especialistas alertam que o estudo não foi nem mesmo publicado online, apenas divulgado publicamente pelos pesquisadores, e que os dados associados são ainda limitados.
No estudo, os pesquisadores sequenciaram 2172 genomas de amostras virais coletadas de pacientes em 44 regiões na Califórnia entre 1 de setembro de 2020 e 29 de janeiro de 2021. No total, a nova variante representava 21,3% das sequências analisadas, aumentando substancialmente de prevalência ao longo do tempo. Analisando os registros médicos de 324 pessoas com COVID-19 que foram tratadas nas clínicas da UCSF ou no seu centro médico, os pesquisadores encontraram que, comparado com outros pacientes que estavam infectados com outras cepas virais, aqueles carregando a variante B.1.427/B.1.429 eram 4,8 vezes mais prováveis de serem admitidos na UTI e mais de 11 vezes mais prováveis de morrer.
Em experimentos laboratoriais, a variante B.1.429 também mostrou impactar a efetividade do sistema imune humoral: cerca de quatro vezes menos suscetível a anticorpos neutralizantes oriundos de pessoas já recuperadas da COVID-19 (infectados por outras cepas).
Porém, novamente, é importante reforçar a limitação de dados, englobando um baixo-moderado número de pacientes (incluindo controle): oito de 61 (13%) pacientes hospitalizados com a nova variante foram admitidos na UTI, comparado com sete de 244 (2,9%) que precisaram de UTI e que não possuíam a variante; sete de 62 pacientes (11,3%) com a variante morreram, comparado com cinco de 246 (2%) sem a variante.
Real evidência de maior infecciosidade e/ou maior virulência será obtida se estudos mais robustos confirmarem essas evidências preliminares e se o mesmo padrão de evolução de prevalência e da doença forem observados em outros lugares além da Califórnia.
VARIANTE NOVA IORQUINA
A segunda variante Norte-Americana (B.1.526) foi anunciada esta semana, e descrita em um estudo publicado esta semana como preprint (5), e está se espalhando rápido em New York. Nas últimas duas semanas, a prevalência dessa nova linhagem já alcançou 12,3% das infecções no estado. A linhagem B.1.526 traz mutações de significativo valor biológico na proteína Spike: L5F, T95I, D253G, E484K, D614G, e A701V. A mutação E484K está associada com forte evasão imune, e a mutação D253G está situada em uma região (domínio N-terminal) que representa um alvo para os anticorpos neutralizantes.
Por causa das novas variantes, cientistas temem uma quarta onda da pandemia nos EUA nas próximas semanas - uma pandemia dentro de uma pandemia -, mesmo com a atual tendência de queda nas taxas de contágio em parte devido à massiva campanha de vacinação (-35% nas últimas duas semanas) (6). Nos EUA, pelo menos 23,8 milhões foram infectados, acumulando mais de 500 mil mortes.
> Boa parte das mutações (deleções, substituições, edições endógenas, recombinações) do SARS-CoV-2 e de outros vírus ocorre durante o processo de transcrição e replicação do RNA viral (via complexo replicase–transcriptase), onde erros acabam ocorrendo na formação da sequência genética, como a introdução de uma letra/base nitrogenada errada (A, G, C ou U). Porém, evidências mais recentes sugerem que danos (ex.: oxidação) e edições endógenas (ex.: enzimas antivirais) são a forma dominante de mutações do SARS-CoV-2 intra-hospedeiro, resultando em típicas assimetrias na cadeia genética do vírus. Quanto mais o vírus se dissemina e se replica, mais erros e danos ao RNA viral podem ocorrer, e mais mutações.
> Para frear a disseminação e emergência de novas variantes, rígido controle epidêmico com medidas não-farmacológicas (máscaras, rastreamento e isolamento de casos, e distanciamento social) e massiva vacinação é necessário.
REFERÊNCIAS
- (1) https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.01.18.21249786v1
- (2) https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2776543
- (3) https://www.sciencemag.org/news/2021/02/coronavirus-strain-first-identified-california-may-be-more-infectious-and-cause-more%20(5)%20
- (4) https://www.nytimes.com/2021/02/23/health/coronavirus-california-variant.html
- (5) https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.02.23.21252259v1.full.pdf
- (6) https://www.nytimes.com/2021/02/25/health/coronavirus-united-states.html