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Estudo no The Lancet sobre hidroxicloroquina e cloroquina foi retratado pelos autores


Em um recente e robusto estudo publicado no The Lancet (I) - um dos principais periódicos de medicina do mundo - pesquisadores analisaram os dados clínicos de mais de 96 mil pacientes com COVID-19 confirmada por teste e não encontraram evidência de benefícios terapêuticos com o uso de cloroquina ou de hidroxicloroquina, com ou sem um macrólido (grupo de antibióticos de amplo espectro, incluindo a  azitromicina e a claritromicina). Pelo contrário, eles encontraram uma maior taxa de mortalidade (de até ~30%) e de um aumento substancial de efeitos colaterais, incluindo cardíacos. O estudo corroborou evidências prévias limitadas de ineficácia da hidroxicloroquina para o tratamento da COVID-19 (II), e acabou levando a Organização Mundial de Saúde a suspender um número de estudos clínicos de grande porte que estavam sendo conduzidos para avaliar esse fármaco (III).

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(IILeitura complementar, incluindo meta-análises e revisões sistemáticas, sobre as evidências científicas acumuladas: Cloroquina e hidroxicloroquina são efetivos contra o novo coronavírus?

(III) Alguns estudos clínicos randomizados controlados de grande porte não foram interrompidos, e continuaram avaliando o uso da hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19. Um desses estudos é o ORCHID, financiado pelo Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue dos EUA.

> Observação: A cloroquina praticamente já não é mais usada em estudos clínicos visando pacientes com COVID-19, apenas a hidroxicloroquina. Além de mostrar uma eficácia antiviral in vitro três vezes menor contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2), esse fármaco é 40% mais tóxico do que a hidroxicloroquina.
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Seguindo a publicação do estudo e decisão da OMS, 120 cientistas e médicos - a maior parte envolvida em estudos clínicos com hidroxicloroquina - apresentaram uma carta aberta aos editores do The Lancet apontando potenciais e graves falhas metodológicas e problemas nos dados clínicos usados no estudo observacional. Em especial, eles levantaram suspeitas sobre um robusto banco de dados clínicos pertencentes à empresa Surgisphere - cujo dono, Dr. Sapan S. Desai, era um dos autores do estudo - e que foi usado para as análises. 

Apesar do Dr. Sapan vigorosamente ter defendido os achados publicados e a autenticidade e validade do banco de dados da companhia em resposta às críticas, três dos autores do estudo não-associados à Surgisphere anunciaram que estariam realizando uma auditoria independente sobre esses dados.

Hoje, os editores do The Lancet reportaram que esses três autores não conseguiram realizar a auditoria, e que estes, então, pediram para que o estudo fosse retratado (1). Em nota do periódico:

"Hoje, três dos autores do artigo "Hydroxychloroquine or chloroquine with or without a macrolide for treatment of COVID-19: a multinational registry analysis" pediram a retirada de seu estudo. Eles não conseguiram completar uma auditoria independente dos dados que sustentam sua análise. Como resultado, eles concluíram que não podem mais "garantir a veracidade das fontes de dados primárias".

A "The Lancet" leva a sério as questões referentes à integridade científica e há muitas questões pendentes sobre a empresa Surgisphere e os dados que supostamente foram incluídos neste estudo. Seguindo as diretrizes do Comitê de Ética em Publicações (COPE, em inglês) e do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE, em inglês), análises institucionais das colaborações de pesquisa da Surgisphere se fazem urgentes e necessárias.

A nota de retratação foi publicado hoje, 4 de junho de 2020. O artigo será atualizado e vai conter essa informação em breve."


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Na carta com o pedido de retratação enviada pelos autores do estudo, eles afirmam que foram impossibilitados de analisarem os dados da empresa por questões contratuais de sigilo: 

"Após publicação do nosso artigo no The Lancet, várias preocupações foram levantados em relação à veracidade dos dados e análises conduzidas pela Surgisphere Corporation e seu fundador e co-autor, Sapan Desai, em nossa publicação. Nós lançamos uma revisão de pares que seria realizada de forma independente por terceiros para avaliar a origem dos elementos no banco de dados, para confirmar a integridade do banco de dados, e para replicar as análises apresentadas no artigo.

Nossos revisores independentes nos informaram que a Surgisphere não transferiria o conjunto completo de dados, contratos de clientes, e reporte de auditoria ISO completo para seus servidores, visando as análises de revisão, porque tal transferência violaria acordos de clientes e requerimentos de confidencialidade. Assim sendo, nossos revisores não foram capazes de conduzir uma revisão por pares independente e privada e, portanto, nos avisaram que estariam se retirando do processo de revisão.

Nós sempre almejamos realizar nossa pesquisa em acordo com as guias de mais alto nível ético e profissional. Nós nunca podemos esquecer a responsabilidade que nós temos como pesquisadores de escrupulosamente assegurar que estamos trabalhando com fontes de dados que aderem aos nossos altos padrões. Devido a esse infeliz desenvolvimento, os autores pedem que o artigo seja retratado.

Nós todos entramos nessa colaboração para contribuir de boa fé e em um momento de grande necessidade durante a pandemia de COVID-19. Nós pedimos profundas desculpas aos editores e aos leitores do periódico por qualquer constrangimento ou inconveniência que isso possa ter causado."


DESINFORMAÇÕES

A carta de crítica ao estudo envolvendo os mais de 100 cientistas e médicos, e a retratação de hoje, estão gerando bastante repercussão, especialmente entre os defensores políticos da hidroxicloroquina, que veem nesse evento uma "prova" de que o medicamento é eficaz contra a COVID-19. No entanto, o estudo no The Lancet, em primeiro lugar, nunca foi um estudo conclusivo sobre a questão devido à sua natureza observacional. O estudo foi um alerta e seus autores foram enfáticos em reforçar que estudos clínicos de grande porte eram necessários para mais firmes conclusões.


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Em segundo lugar, e mais importante, o estudo está longe de ser uma evidência única que lança dúvidas ou alertas quanto à eficácia da hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina. Um número de estudos clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises, e estudos observacionais prévios - todos limitados e boa parte publicados como preprint (não revisados por pares) - também não tinham encontrado diferença entre hidroxicloroquina e um placebo, ou tinham encontrado prejuízo terapêutico em comparação com placebos (controle), e alertaram para efeitos colaterais cardíacos sendo reportados com frequência (II). Um número bem menor de estudos clínicos também limitados e publicados como preprint vinham sugerindo benefícios clínicos com o uso de hidroxicloroquina, mas quase todos sofreram graves críticas de cientistas ao redor do mundo - críticas referentes à metodologia e dados clínicos, e bem mais graves do que aquelas voltados para o estudo no The Lancet - e um deles foi também retratado pelos próprios autores (II). 

Em outras palavras, a retratação de hoje não invalida as evidências acumuladas, e os próprios cientistas da carta de crítica deixaram claro que não existe comprovação científica de eficácia do medicamento. E o acúmulo de evidências hoje continua apontando para uma ineficácia clínica da hidroxicloroquina - com ou sem azitromicina - ou, no máximo, para um efeito terapêutico benéfico sem muita importância clínica. Se houvesse robusta eficácia clínica da hidroxicloroquina, não haveriam resultados tão conflitantes na literatura acadêmica. Ou seja, a propaganda desse fármaco como 'cura' da hidroxicloroquina é falsa e potencialmente perigosa.

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Além de promover desabastecimento da hidroxicloroquina e também da cloroquina para pacientes que realmente precisam do medicamento (tratamento de malária e de doenças auto-imunes), outras terapias e intervenções farmacológicas mais promissoras e mais seguras visando a COVID-19 podem acabar ficando de lado (IV) por causa do fanatismo em cima desses fármacos. 

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(IV) Leitura recomendada

Quanto aos efeitos colaterais potencialmente danosos da hidroxicloroquina, é realmente um erro achar que esse é o foco principal do problema. Esse fármaco é 40% menos tóxico do que a cloroquina, e os efeitos cardíacos adversos associados são raros na maior parte da população que o usa. Se houvesse benefícios clínicos robustos com o seu uso para o tratamento da COVID-19, não precisaríamos nos preocupar tanto, porque o balanço de riscos e benefícios seguiria positivo. Porém, se o fármaco é apenas um placebo, riscos - mesmo baixos - estão sendo adicionados sem necessidade.

E outro problema: como alertado por um estudo publicado esta semana no The American Journal of Medicine (II), o perfil de segurança da hidroxicloroquina é construído essencialmente sobre os pacientes tratados para artrite reumatoide e para lúpus, os quais são representados em grande maioria por indivíduos jovens ou de meia idade. Existe um excesso de pacientes com COVID-19 de idade avançada e a doença em si está associada a graves danos cardiovasculares. Então, é FALSO afirmar que décadas de uso desse medicamento garantem conhecido perfil de segurança para um amplo uso em pacientes com COVID-19. Estudos de grande porte e de alta qualidade são necessários nesse sentido. 

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> Existem mais dois efeitos colaterais associados à cloroquina e à hidroxicloroquina que estão sendo ignorados: problemas associados a indivíduos com deficiência no gene GGPD (fator genético muito comum) e forte efeito imunossupressor. Para mais informações, acesse: Cloroquina e hidroxicloroquina são efetivos contra o novo coronavírus?
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E vamos reforçar mais uma vez: a maioria dos pacientes hospitalizados se recuperam por conta própria, apenas com suporte hospitalar básico. Muitos estão espalhando de forma irresponsável que os pacientes sendo recuperados (ou "curados") são aqueles usando hidroxicloroquina/cloroquina. FALSO! NÃO existe comprovação científica de que a hidroxicloroquina - muito menos a cloroquina - ajudem em qualquer extensão os pacientes com COVID-19. Pelo contrário, é possível que esses medicamentos estejam atrapalhando os tratamentos.


(1) Publicação da nota de retratação: The Lancet

Estudo no The Lancet sobre hidroxicloroquina e cloroquina foi retratado pelos autores Estudo no The Lancet sobre hidroxicloroquina e cloroquina foi retratado pelos autores Reviewed by Saber Atualizado on junho 04, 2020 Rating: 5

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