Bonobos fêmeas mantêm dominância nos grupos ao unir força contra os machos atrevidos, aponta estudo
![]() |
Figura 1. Grupo de bonobos, primatas hominídeos da espécie Pan paniscus. |
Machos maiores e mais fortes em espécies diversas de mamíferos tipicamente são líderes ou impõem suas demandas nos grupos. Aliás, entre mamíferos, dominância feminina sobre machos é um fenômeno raro e na maioria das espécies sociais desse grupo os machos são dominantes. Mas isso não acontece nos bonobos (Pan paniscus), onde as fêmeas são dominantes, possuem acesso prioritário aos recursos alimentares e decidem com quem vão manter relações sexuais. Fêmeas desses primatas mantêm um status social maior do que machos, mesmo esses últimos exibindo maior porte corporal e força. Essa dinâmica entra em dramático contraste com os chimpanzés (Pan troglodytes), táxon filogenicamente muito próximo mas cujos machos dominam todas as fêmeas antes delas estarem totalmente amadurecidas.
Existem três principais hipóteses que buscam explicar o padrão anômalo de dominância social entre os bonobos:
- Hipótese da Auto-Organização: Em grupos com alta proporção de machos, conflitos intraespecíficos frequentes por território, status social e fêmeas podem resultar na produção de vários machos derrotados que acumulam perda de status social com o tempo e, consequentemente, progressiva perda de poder sobre as fêmeas. Fêmeas, nesse contexto, sobem de status na hierarquia social em relação a um grande número de machos, independentemente do porte corporal.
- Hipótese do Controle reprodutivo: Vários caminhos eco-evolucionários podem favorecer estratégias pacíficas por parte dos machos para cópula efetiva com fêmeas. Isso ocorre quando a habilidade dos machos de monopolizar fêmeas potencialmente férteis é reduzida. Mecanismos nesse sentido incluem sincronização reprodutiva das fêmeas e ovulação oculta (falta de sinais visíveis ou perceptíveis de que uma fêmea está fértil). Como consequência do aumento de barganha feminina na esfera reprodutiva, agressão masculina perde o valor adaptativo e as fêmeas sobem na hierarquia social.
- Hipótese da Coalização Feminina: Fêmeas compensam o menor poder físico ao formar alianças e direcionar agressão coletiva contra os machos. Ao vencer conflitos diádicos através de coalização, fêmeas sobem na hierarquia social em relação aos machos. Essa forma de dominância feminina é observada nas hienas-malhadas (Por que hienas-malhadas dão à luz pelo clitóris?).
Evidências limitadas dão suporte às três hipóteses no sentido de explicar a dominância das fêmeas de bonobos. Por exemplo, períodos prolongados e frequentes de inchaço anogenital das fêmeas fornecem um indicador pouco confiável de ovulação comparado a chimpanzés e outros primatas. Períodos estendidos de potencial receptividade e extensiva sobreposição de receptividade sexual das fêmeas (sincronização reprodutiva) geram alto custo para os machos vigiarem e impedirem o avanço de outros machos competidores, desfavorecendo estratégias coercivas de cópula.
Um estudo publicado recentemente no periódico Communications Biology (Ref.1) trouxe a primeira evidência empírica - a partir de observações em ambiente natural - explicando, pelo menos em parte, o fenômeno: fêmeas mantêm o poder ao formar alianças com outras fêmeas. Em outras palavras, é a primeira sólida evidência dando suporte à hipótese da coalizão feminina.
Os autores do estudo - analisando 6 comunidades selvagens de bonobos no Congo ao longo de 30 anos - mostraram que os bonobos fêmeas são capazes de formar "gangues" (coalizões) em questão de segundos e, coletivamente, confrontam ferozmente machos desafiantes ou que tentam agredir bonobos jovens e fêmeas adultas, forçando-os em submissão e garantindo a dominância hierárquica. As coalizões aparentemente são engatilhadas contra atitudes gerais de agressividade de machos.
![]() |
Figura 2. Duas fêmeas de bonobos segurando as mãos durante interação, ato que fortalece a ligação social. |
O estudo analisou 1786 conflitos entre machos e fêmeas, dos quais as fêmeas venceram 1099 do total. Fêmeas tipicamente se juntam, gritando muito alto e perseguindo machos que "passam dos limites", às vezes desferindo lesões fatais no alvo.
Cerca de 85% das coalizões de fêmeas observadas no estudo eram formadas para confrontar machos.
As fêmeas de bonobos são solidárias entre si - mesmo com indivíduos sem parentesco - e usam essa "ferramenta comportamental" para canalizar um poder maior do que a força bruta [dimorfismo sexual] associada aos machos. É o primeiro caso conhecido de ascensão social via solidariedade entre primatas não-humanos.
Relevante apontar que fêmeas adultas de bonobos são imigrantes sem parentesco - com origem de diferentes comunidades - e não crescem juntas. Nesse contexto, sincronização reprodutiva entre as fêmeas possivelmente reforça as coalizões femininas entre os membros, ao aumentar os contatos sócio-sexuais, como exemplificado no vídeo abaixo. A sincronização reprodutiva - relativa à fase de inchaço anogenital máximo - provavelmente é consequência de contágio social e possivelmente é um fenômeno positivamente selecionado ao beneficiar fêmeas em termos de coesão intraespecífica (Ref.3).
> Importante mencionar que a dominância das fêmeas de bonobos não é uma regra em todas as populações, variando em um espectro. Na média, as fêmeas são controladoras de poder nessa espécie. Quanto mais frequente a formação de coalizões femininas, maior o poder das fêmeas.
> É provável que outros mecanismos contribuam em diferentes extensões para a dominância das fêmeas nos grupos de bonobos, em especial a autonomia reprodutiva feminina nessa espécie.
> Falando em bonobos, e a fama de "pacíficos" desses primatas, a realidade não é tão romântica. Entenda: Bonobos machos são mais agressivos do que chimpanzés machos, aponta estudo
REFEERÊNCIAS
- Surbeck et al. (2025). Drivers of female power in bonobos. Communication Biology 8, 550. https://doi.org/10.1038/s42003-025-07900-8
- https://www.ab.mpg.de/673281/news_publication_24481870_transferred
- Demuru et al. (2022). Female bonobos show social swelling by synchronizing their maximum swelling and increasing bonding. Scientific Reports 12, 17676. https://doi.org/10.1038/s41598-022-22325-7
