Um enorme meteorito pode ter fertilizado a vida na Terra, aponta estudo
Um asteroide até 200 vezes maior do que aquele associado ao evento de extinção em massa há ~66 milhões pode ter atuado como uma "grande bomba fertilizante" que ajudou antigos microrganismos a persistir e se proliferar no planeta há mais de 3 bilhões de anos. O impacto desse corpo - descrito em um estudo publicado na PNAS (Ref.1) - teria causado um enorme tsunami, parcialmente evaporado os oceanos e mergulhado a superfície terrestre em escuridão, impossibilitando temporariamente fotossíntese. Por outro lado, o processo teria também liberado fósforo e misturado águas do oceano profundo, ricas em ferro, com águas nas camadas mais superficiais, tornando uma massiva quantidade desses e de outros nutrientes mais acessíveis a organismos procariontes.
"Nós tipicamente pensamos em impactos de meteoros como desastres para a vida," disse em entrevista a geóloga Nadja Drabon, coautora do novo estudo (Ref.2). "Mas há 3,2 bilhões de anos, vida era muito mais simples."
Grandes impactos na superfície terrestre a partir de bólidos* trazem profundos impactos ambientais e, potencialmente, pode afetar severamente o bioma. O mais famoso desses impactos é o bólido de 10 km de extensão responsável pela cratera de Chicxulub, no México, a qual engatilhou um tsunami gigante, uma dramática queda na temperatura global seguida por um aquecimento moderado a longo prazo, uma escuridão temporária (1) e acidificação dos oceanos (2). Como resultado, cerca de 40% dos gêneros de animais e até 60-80% das espécies de animais se tornaram extintas, incluindo todos os dinossauros não-aviários (3). Produtividade biótica nos oceanos também caiu de forma severa.
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Leitura recomendada:
- (1) Estudos sugerem um drástico escurecimento e resfriamento global atuando na extinção dos dinossauros não-aviários
- (2) Qual é a relação entre gás carbônico e acidez dos mares
- (3) Aves emergiram antes ou depois dos tiranossauros?
*Bólido, na geologia, faz referência a grandes impactores formadores de crateras, como asteroides e cometas. Também podem ser descritos como meteoros muito brilhantes. Meteorito é quando a massa persistente do impactor [ex.: bólido] após passagem pela atmosfera planetária se instala na superfície de impacto.
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Por outro lado, a longo prazo, a disrupção ambiental causada por esse tipo de impacto pode criar novas oportunidades para sobreviventes (ex.: radiação dos mamíferos e das aves após a extinção dos dinossauros não-aviários). Além disso, e possivelmente mais relevante para um antigo mundo microbiano, tem sido proposto que o impacto de bólidos e vaporização de rochas pode injetar significativos volumes de enxofre, fósforo e ferro [nutrientes] na biosfera, fomentando o crescimento e proliferação de comunidades microbianas.
Na Terra do Arqueano (~4 a 2,5 bilhões de anos atrás), o fluxo de grandes impactos era substancialmente maior do que hoje: é estimado que impactores gigantes (>10 km de diâmetro) atingiam o planeta a cada 15 milhões de anos. Modelos predizem que impactores com mais de 440 km de diâmetro teriam aniquilado grande parte da biosfera devido à evaporação de todo o oceano; impactores com ~190 km de diâmetro teriam evaporado a zona fótica pré-existente. Evidência geológica aponta evaporação parcial (dezenas de metros) de oceano em pelo menos dois impactos no Arqueano. Esses impactos provavelmente causaram mortalidade em massa de micróbios não-hipertermófilos [sem ótima adaptação para altas temperaturas] nas águas superficiais, grandes nuvens de poeira na atmosfera - potencialmente bloqueando a radiação solar - e grandes tsunamis.
Ondas sísmicas liberadas desses impactos podem ter também causado grandes fraturas na crosta superior do planeta.
Por outro lado, como mencionado, grandes impactos podem ter também conferido benefícios para a biosfera. Por exemplo, consequentes tsunamis gigantes podem ter misturado águas profundas ricas em nutrientes com a coluna superior de águas marinhas, tornando esses nutrientes disponíveis aos ecossistemas locais.
No novo estudo, pesquisadores resolveram analisar os impactos de um bólido na atmosfera e na hidrosfera do Arqueano. O bólido em questão - conhecido como S2 e localizado no Cráton de Kaapvaal, na África do Sul - é datado de ~3,26 bilhões de anos atrás, com um diâmetro estimado de 37 a 58 km e uma massa ~50 a 200 vezes maior do que o bólido responsável pela extinção dos dinossauros não-aviários. Através de análises de sedimentologia, petrografia, geoquímica de elementos traços, química orgânica e análises isotópicas de carbono em matéria carbonácea e em carbonatos, os autores do estudo mostraram que o bólido S2 atuou como importante fertilizante para antigas comunidades microbióticas.
Após o violento impacto, a nuvem de vapor de rochas gerada se expandiu a uma velocidade de 9 a 19 km/s, ou quase 56 vezes maior do que a velocidade do som na troposfera. Dentro de horas após o impacto do enorme meteorito, a subsequente deposição de esférulas formadas nessa nuvem em expansão - pequenas partículas esféricas produzidas após o rápido resfriamento de gotículas de silicato líquido - foi acompanhada pelo avanço de um tsunami gigante viajando a uma velocidade de ~800 km/h nas águas profundas. Dentro de alguns dias, o tsunami varreu o solo oceânico, causou massiva disrupção de biossistemas bênticos, misturou a coluna de água marinha, varreu detritos das áreas costeiras para o mar e causou condições extremamente túrbidas.
A mistura de águas profundas e superficiais no oceano global trouxe uma gigantesca quantidade de ferro (Fe com oxidação 2+) para a superfície marinha. Além disso, grande quantidade de fósforo (P) contido no próprio bólido S2 (até 0,107% da massa, ou até 363 gigatoneladas) foi liberada na superfície terrestre, e grande parte provavelmente em um estado reduzido [potencial doador de elétrons para processos metabólicos] e, portanto, biodisponível.
A colossal energia térmica liberada no impacto fez com que a camada mais superficial do oceano entrasse em ebulição, mandando para a atmosfera enorme quantidade de vapor de água quente. Com a atmosfera muito aquecida - praticamente uma estufa quente cobrindo a superfície do planeta - erosão e intemperismo teriam sido agressivamente promovidos em áreas terrestres, liberando ainda mais fósforo biodisponível no ambiente (ex.: hidrolização de minerais como apatita).
O impacto S2 também levantou uma grossa nuvem de poeira de silicato na atmosfera e, junto com a grande quantidade de partículas em suspensão no oceano, impediu qualquer processo fotossintético na biosfera da Terra - apesar de fotossíntese no Paleoarqueano ter sido provavelmente limitada, com possível existência de alguma forma de fotossistema primordial oxigênico mas sendo incerta a existência de cianobactérias na época do impacto.
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Enquanto potenciais organismos fotossintéticos enfrentaram tempos difíceis seguindo o impacto do bólido S2, microrganismos quimioautotróficos e hipertermófilos foram menos afetados, e bactérias dependentes de ferro persistiram e experienciaram um grande crescimento temporário com a abundância de Fe2+ e P biodisponíveis [e doadores de elétrons] na superfície marinha. Os pesquisadores encontraram múltiplas evidências nesse sentido. Efeitos deletérios ambientais teriam sido de curta duração, possivelmente não mais do que alguns anos a décadas, seguido de rápida recuperação e "anabolização" da biosfera.
O estudo reforça a ideia de que, a uma escala global, antigas comunidades microbióticas na Terra podem ter se beneficiado do influxo de nutrientes e de doadores de elétrons, assim como novos ambientes promovendo fortes pressões seletivas e radiação evolutiva, como resultado de grandes eventos de impacto. Bólidos podem extinguir ou promover vida dependendo da escala temporal e das comunidades bióticas analisadas.
REFERÊNCIAS
- Drabon et al. (2024). Effect of a giant meteorite impact on Paleoarchean surface environments and life. PNAS, 121 (44) e2408721121. https://doi.org/10.1073/pnas.240872112
- https://news.harvard.edu/gazette/story/2024/10/what-happened-when-a-meteorite-the-size-of-four-mount-everests-hit-earth/
- https://www.nature.com/articles/d41586-024-03483-2