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Tubarões no Brasil estão consumindo cocaína, alertam cientistas

Figura 1. Fêmea adulta de tubarão-frango, com 73,5 cm de comprimento. Essa espécie é comum em toda a costa Brasileira, principalmente no Sudeste e Sul, sendo encontrado desde a superfície até cerca de 70 metros de profundidade. De pequeno porte (adultos com comprimento entre 50 e 80 cm), alimenta-se de pequenos peixes ósseos, camarões e lulas.
 

Cocaína e seu principal metabólito, benzoilecgonina, tem sido consistentemente detectados como poluentes antropogênicos em ecossistemas aquáticos ao redor do mundo, levantando preocupação da comunidade científica sobre o efeito dessas substâncias em organismos aquáticos diversos. Em um estudo publicado no periódico Science of The Total Environment (Ref.1), pesquisadores Brasileiros comprovaram pela primeira vez que animais aquáticos estão, de fato, sendo expostos à cocaína e acumulando essa droga no corpo. Em específico, os pesquisadores mostraram que tubarões nas águas costeiras próximas do Rio de Janeiro tinham significativos traços de cocaína nos músculos e fígado.


"Isso é evidência do crescente perigo da cocaína como poluente," disse em entrevista à Science a endocrinologista e especialista em poluição ambiental Anna Capaldo, da Universidade de Nápoles Federico II, comentando sobre o novo estudo (Ref.2).


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Uso de drogas ilícitas é um massivo fenômeno cada vez crescente, que impõe não apenas perigo à saúde de humanos mas também ao meio ambiente. Cultivo e produção de drogas sintéticas ou derivadas de plantas, assim como o uso dessas substâncias, possuem várias consequências como gasto de energia, desmatamento, poluição do solo, ar e água, e perda de biodiversidade. Uma dessas drogas é a cocaína, um forte estimulante psicomotor e com alto potencial de dependência. 


No estado natural, cocaína está presente como um alcaloide em plantas pertencentes à família Erythroxylaceae, e em maiores quantidades nas espécies Eritroxylum coca e Eritroxylum novogranatense, dois arbustos que crescem espontaneamente na América do Sul (Fig.2). Cocaína pode existir em várias formulações; aquela predominantemente usada, e historicamente melhor conhecida, é a forma de cloridrato (1). Essa forma (sal) é altamente solúvel em água e consumida principalmente pela via intranasal ("cheirada"), mas também pode ser injetada (injeção subcutânea, intramuscular ou intravenosa) e ingerida. "Crack" faz referência à cocaína na forma de cristais, sendo tipicamente fumado.


Figura 2. Plantas de coca da espécie Eritroxylum novogranatense (A) e Eritroxylum coca (B), conhecidas popularmente como "coca Colombiana" e "coca Boliviana", respectivamente. Historicamente, as folhas de coca têm sido usadas como estimulantes por nativos Sul-Americanos e seus extratos - sem cocaína - ainda são usados na produção da bebida Coca Cola. Existem vários alcaloides nas folhas de coca, com a cocaína constituindo tipicamente de 0,1% a 0,9% da massa total. Ref.4

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Para mais informações sobre a cocaína:


> Uso de cocaína pode causar problemas neurológicos e cardiovasculares, como hemorragia cerebral, convulsão, arritmias cardíacas letais e infarto agudo miocárdico, mesmo em baixas doses.

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A produção da cocaína é concentrada principalmente na área Andina e com os três maiores países produtores sendo a Colômbia, Peru e a Bolívia, à medida que a espécie E. coca (Huánuco Coca ou Coca Boliviana) cresce idealmente em climas quentes e úmidos da América do Sul em altitudes entre 700 e 2000 metros. Os países vizinhos (Brasil, Venezuela, Argentina e ilhas do Caribe) atuam como importantes regiões de armazenamento e zonas de trânsito para exportações da cocaína para a Europa e os EUA.


Cocaína é estimada de ter sido consumida pelo menos uma única vez por ~21,5 milhões de pessoas em 2020 (Ref.3). Nesse mesmo ano, é estimado que 1982 toneladas de cocaína pura foram produzidas, um aumento de 11% em relação à 2019. Estima-se que 4500 kg de dióxido de carbono (CO2) são produzidos para cada 1 kg de cocaína produzida. Portanto, em relação ao ano de 2020, é estimado que 1,9 milhão de toneladas de CO2 foram emitidas, um valor significativamente maior do que outros importantes cultivares, como cana de açúcar e grãos de cacau. Nesse sentido, a cocaína contribui de forma significativa para a exacerbação do aquecimento global antropogênico e consequentes mudanças climáticas.


Além do problema climático, cocaína e seus metabólitos podem contaminar ambientes aquáticos e causar efeitos deletérios no ecossistema associado. Após consumo, a cocaína é metabolizada, geralmente de forma parcial, e a excreção dos metabólitos (ex.: benzoilecgonina e norcocaína) e da cocaína residual ocorre principalmente pela via renal, ou seja, acabam na urina. Junto com ocasional descarte de resíduos dessa droga por laboratórios clandestinos, quantidade significativa de cocaína e seus metabólitos acaba parando nos sistemas de esgoto e, eventualmente, em rios, mares e outros corpos aquáticos. Pacotes flutuantes de cocaína à deriva (abandonados durante transporte) também são outra potencial fonte de contaminação. Embora a concentração dessas substâncias seja baixa nas superfícies de ambientes aquáticos ao redor do mundo (entre ng/L e μg/L), a contínua exposição, bioacumulação e notáveis propriedades farmacológicas podem impactar seriamente organismos aquáticos, em especial aqueles no topo da cadeia alimentar, como tubarões.


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No novo estudo, Enrico Mendes Saggiro, um eco-toxicologista do Instituto Oswaldo Cruz, e outros pesquisadores resolveram investigar os níveis de cocaína e de benzoilecgonina em 13 tubarões da espécie Rhizoprionodon lalandii, popularmente conhecida como cação-frango. Habitando regiões costeiras ao longo de toda a vida, esses tubarões estariam sob maior risco de exposição à cocaína e aos seus metabólitos, diretamente ou indiretamente (ex.: consumindo outros peixes contaminados). Os tubarões analisados eram juvenis e adultos de pequeno porte, com um comprimento médio de 52 cm, e foram obtidos de pequenas embarcações pesqueiras.


Após dissecar os tubarões no laboratório, os pesquisadores preparam amostras de tecidos musculares e hepáticos desses peixes e analisaram qualitativamente e quantitativamente essas amostras através da técnica de cromatografia líquida acoplada com espectrometria de massa (LC-MS/MS). 


Todas as amostras deram positivo para cocaína, com concentrações até 100 vezes maiores do que aquelas reportadas em estudos prévios para outros organismos aquáticos. Tecidos musculares exibiam as maiores concentrações (~3x) de cocaína comparado ao fígado, com um valor médio de 40 μg/kg nos músculos de fêmeas. Cocaína exibiu maior potencial de bioacumulação do que a benzoilecgonina, com níveis >3x maiores. Do total de amostras, 92% (12/13) testaram também positivo para benzoilecgonina.


Figura 3. Ilustração mostrando contaminação do mar com cocaína e benzoilecgonina através do esgoto. Cocaína pode ser tóxica para moluscos, crustáceos e peixes ósseos. Em embriões de peixe-zebra, cocaína pode causar fragmentação do DNA e morte celular; em enguias, pode causar disrupção de importantes hormônios. Ref.1-4

Uma preocupação é que os efeitos tóxicos dessas substâncias no fígado dos tubarões podem dificultar a produção de vitelogenina, uma lipoglicoproteína crucial para a formação da gema de ovo (e embrião) durante desenvolvimento interno ou externo. A espécie R. lalandii é vivíparaexibindo desenvolvimento interno (2) Todas as fêmeas analisadas no estudo estavam grávidas, apesar das consequências da exposição fetal à cocaína serem ainda incertas. Além disso, é também incerto se a cocaína e seus metabólitos afetam o comportamento dos tubarões. Estudos futuros serão necessários para esclarecer essas questões.


Outro ponto importante é o fato da carne de tubarão - genericamente chamada de "cação" no mercado Brasileiro - ser amplamente consumida no Brasil. Se altamente contaminada com cocaína, pode ser um risco à saúde dos consumidores. Aliás, o consumo de carne genérica de tubarão deve ser evitado por causa da bioacumulação de toxinas e dos prejuízos causados à conservação de várias espécies ameaçadas de extinção (3).


Leitura recomendada:


REFERÊNCIAS

  1. Saggioro et al. (2024). "Cocaine Shark": First report on cocaine and benzoylecgonine detection in sharks. Science of The Total Environment, 174798. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2024.174798
  2. https://www.science.org/content/article/cocaine-sharks-found-waters-brazil
  3. Restrepo et al. (2019). Erythroxylum in Focus: An Interdisciplinary Review of an Overlooked Genus. Molecules 24(20), 3788. https://doi.org/10.3390/molecules24203788 
  4. Capaldo et al. (2023). Side Effects of Human Drug Use: An Overview of the Consequences of Eels’ Exposure to Cocaine. Fishes 8(3), 166. https://doi.org/10.3390/fishes8030166

Tubarões no Brasil estão consumindo cocaína, alertam cientistas Tubarões no Brasil estão consumindo cocaína, alertam cientistas Reviewed by Saber Atualizado on julho 23, 2024 Rating: 5

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