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Bernardos-eremitas estão usando nosso lixo plástico como concha, e o fenômeno é global

Figura 1. Bernardo-eremita terrestre usando uma tampa de plástico como concha. Ref.1

Poluição plástica é um problema cada vez crescente e ganhando dimensões dramáticas nos oceanos ao redor do mundo. Artefatos e particulados plásticos de múltiplas dimensões estão colocando em perigo e alterando o comportamento de múltiplas espécies marinhas. Nesse último caso, um estudo publicado esta semana no periódico Science of The Total Environment (Ref.1), analisando centenas de fotos online tiradas por entusiastas da vida selvagem, concluiu que os bernardos-eremitas da família Coenobitidae - crustáceos marinhos conhecidos pelos hábitos terrestres - estão usando lixo plástico ou outros materiais antropogênicos como "conchas" protetoras, ao invés de conchas naturais vazias. Os principais materiais usados como concha por esses animais (85%) eram tampas de plástico, e o novo comportamento foi observado em todas as costas tropicais do planeta. É ainda incerto o motivo para essa mudança de comportamento, mas seleção sexual e camuflagem são fatores suspeitos.


"Quando eu primeiro vi as fotos, eu fiquei muito triste," comentou em entrevista uma das autoras do estudo, Dra. Marta Szulkin, uma ecóloga urbana da Universidade de Warsaw, Polônia (Ref.2). "Ao mesmo tempo, eu acho que nós realmente precisamos entender o fato de que nós estamos vivendo em uma época diferente e animais estão fazendo uso do que está disponível para eles." 


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A poluição plástica é um sério problema ao redor do mundo e um crucial indicador geológico do Antropoceno (1). A produção global de produtos plásticos está sistematicamente aumentando, e passou de 2 a 380 milhões de toneladas entre 1950 e 2015 (representando um aumento de 190x) (Ref.3). O aumento do uso de produtos plásticos, deslocado para itens de uso único (descartáveis) (2), e descarte inapropriado de resíduos plásticos levaram ao acúmulo excessivo de lixo plástico em diversos ambientes naturais (ex.: oceanos) e têm causado extensivo dano ambiental (3-4). Em especial, particulados produzidos pela degradação de produtos plásticos em dimensões micro e nano têm levantado preocupação inclusive de saúde pública (humanos) além dos efeitos deletérios indiretos na população humana resultantes do desequilíbrio ambiental (5). Produtos plásticos podem levar de 20 a 500 anos para se decompor sob condições bióticas, facilitando um robusto acúmulo desses materiais no ambiente.


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Estimativas [período de 2016 como referência] de emissões globais de resíduos plásticos introduzidos em rios, lagos e oceanos variam de 9 a 23 milhões de toneladas por ano, com taxas esperadas de aproximadamente dobrarem até 2025 considerando a atual tendência comercial (Ref.4). Piora o fato de que boa parte dos resíduos plásticos afundam no oceano, onde baixas temperaturas, condições calmas e, em particular, falta de radiação ultravioleta tornam o processo de decomposição ainda mais difícil. E, de fato, o solo oceânico é uma das principais zonas de acúmulo para a poluição plástica, possuindo uma das maiores concentrações de partículas microplásticas no ambiente. Em recifes de corais, macroplásticos (partículas com >5 mm ou objetos de plástico) chegam a representar quase 90% dos detritos antropogênicos (Ref.5). No geral, os plásticos respondem por 85% da poluição marinha global.


Globalmente, a fauna marinha é o grupo mais impactado pela poluição plástica, à medida que os resíduos plásticos afetam os indivíduos fisicamente, fisiologicamente e comportamentalmente. Portanto, macroplásticos podem ser ingeridos, causar congestão ou aprisionamento, e levar a lesões ou morte. Nas redes sociais, os efeitos da poluição plástica na vida selvagem têm sido cada vez mais expostos, especialmente com fotos e vídeos de interações deletérias ou perigosas entre animais e objetos plásticos (ex.: canudinhos de plástico aspirados por tartarugas e cetáceos brincando com objetos plásticos diversos) (Fig.2). E o uso de dados digitais de plataformas da mídia social por ecólogos têm aumentado de forma dramática nos últimos anos, levando à criação de um novo campo científico: iEcology


Figura 2. Exemplos de cetáceos brincando e interagindo com lixo plástico. Em (A-CD e F), golfinhos e, em (E), cachalotes carregando ou jogando objetos plásticos (ex.: sacolas) com a cabeça ou nadadeiras. Essas interações são perigosas por aumentar o risco de ingestão e emaranhamento envolvendo os objetos plásticos. Ref.6

A iEcology ("ecologia de internet") é um caminho na pesquisa ecológica que permite explorar fontes digitais, como o Google, Facebook, Flickre e novas matérias jornalísticas para coletar dados: textos, vídeos, imagens, sons e atividade online de usuários para estudar padrões e processos ecológicos. 


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No novo estudo, pesquisadores analisaram várias fotos postadas online envolvendo bernardos-eremitas da família Coenobitidae, com foco em registros de interações desses crustáceos com lixo plástico. Foram coletados e filtrados registros fotográficos em seis plataformas das redes sociais: Flickr, iNaturalist, Google Images, YouTube e Alamy. No caso do iNaturalist, foram investigadas virtualmente todas as postagens sobre bernardos-eremitas (~29 mil registros para 281 espécies), com busca específica para espécimes usando conchas artificiais. As coletas de dados foram realizadas em setembro e outubro de 2021 e em junho de 2022. Além disso, em paralelo, os pesquisadores conduziram uma revisão da literatura acadêmica sobre a interação entre bernardos-eremitas e resíduos antropogênicos. Foi excluída das análises apenas uma espécie de bernardo-eremita terrestre: o caranguejo-dos-coqueiros (Birgus latro), o maior crustáceo terrestre conhecido, pelo fato desse táxon não usar conchas de gastrópodes para se abrigar.


Os bernardos-eremitas terrestres são um grupo de crustáceos ocorrendo amplamente em todas as regiões costeiras tropicais. Geralmente, os bernardos-eremitas habitam a concha vazia de gastrópodes, essas as quais protegem o abdômen não-calcificado desses animais. As conchas "emprestadas" ou invadidas também fornecem proteção contra dessecação [desidratação] e predadores, portanto afetando de forma crucial as taxas de reprodução e de sobrevivência desses crustáceos. Consequentemente, a qualidade e a disponibilidade das conchas vazias é fundamental para a adaptabilidade dos indivíduos. Fatores como experiência prévia, sinalizações químicas [derivadas das conchas], presença de predadores, qualidade estrutural e taxa de crescimento individual parecem influenciar na escolha das conchas que serão usadas como abrigo pelos bernardos-eremitas.


Figura 3. Bernados-eremitas terrestres das espécies Coenobita rugosus (a) e C. perlatus (b) abrigados em conchas vazias de gastrópodes marinhos. Em (c-f), os tipos de conchas mais comumente usadas por essas espécies.

Relevante, as conchas escolhidas pelos bernardos-eremitas também podem ser vistas como um fenótipo estendido e uma importante sinalização sexual refletindo a qualidade do macho, à medida que as fêmeas escolhem seus parceiros dependendo das características das conchas dos machos como tamanho ou condição física.


As análises dos pesquisadores no novo estudo identificaram 386 espécimes de bernardos-eremitas terrestres usando conchas artificiais (derivadas de lixo humano) e apontaram para um novo e cada vez crescente comportamento ocorrendo em escala global: esses crustáceos estão usando estruturas metálicas e plásticas como abrigo, preferindo em especial tampas de plástico (85%) (Fig.1). Os autores do estudo estimaram que 10 em cada 16 bernardos-eremitas terrestres estão atualmente exibindo esse comportamento ao redor do mundo.


Figura 4. Bernardos-eremitas da espécie Coenobita purpureus usando conchas artificiais: (A) fragmento de lâmpada e (B) tampa metálica com parte da boca de uma garrafa de vidro. Ref.1

 
Figura 5. Porcentagem de materiais antropogênicos usados como conchas artificiais pelos bernardos-eremitas terrestres. Objetos e estruturas plásticas diversas são os mais comumente observados para essa finalidade. Ref.1

É ainda incerto se as conchas artificiais são realmente perigosas ou mesmo benéficas para os bernardos-eremitas, mas como o fenômeno é global e aparentemente cada vez mais comum, os pesquisadores propuseram quatro mecanismos não-exclusivos que podem fortalecer a preferência individual por materiais antropogênicos como abrigo e influenciar trajetórias evolucionárias a longo prazo nesses animais:


- conchas artificiais estranhas ao ambiente (novidade) podem ser atrativos para as fêmeas, à medida que novidade por si só é geralmente favorecida na seleção sexual;


- conchas artificiais podem ser vantajosas em relação às conchas naturais por serem resistentes e menos densas ("mais leves"), como no caso de tampas de plástico, reduzindo gastos energéticos durante locomoção;


- bernardos-eremitas usam pistas odoríferas emitidas por gastrópodes mortos para localizar conchas vazias, e um dos compostos químicos nesse sentido é o sulfeto de dimetila (DMS), o qual também é emitido por plásticos marinhos... portanto, bernardos-eretimas podem estar sendo guiados por pistas olfativas para preferencialmente se abrigar nas "conchas" de plástico;


- dado o alto nível de poluição antrópica nos mares, conchas artificiais podem servir como efetivas camuflagens e, de fato, bernardos-eremitas tendem a preferir conchas naturais que combinam com o ambiente de fundo... predadores também são prováveis de não estarem acostumados a caçar bernardos-eremitas equipados com uma concha artificial (fator novidade como mecanismo antipredatório).


Essas quatro hipóteses ainda precisam ser testadas em laboratório e no ambiente natural desses crustáceos.



REFERÊNCIAS

  1. Jagiello et al. (2024). The plastic homes of hermit crabs in the Anthropocene. Science of The Total Environment, Volume 913, 25, 168959. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2023.168959
  2. https://www.bbc.com/news/science-environment-68071695
  3. Yan et al. (2024). Future Projections of Global Plastic Pollution: Scenario Analyses and Policy Implications. Sustainability 16(2), 643. https://doi.org/10.3390/su16020643
  4. Macleod et al. (2021). The global threat from plastic pollution. Science, Vol. 373, Issue 6550, pp. 61-65. https://doi.org/10.1126/science.abg5433
  5. Pinheiro et al. (2023). Plastic pollution on the world’s coral reefs. Nature 619, 311–316. https://doi.org/10.1038/s41586-023-06113-5
  6. Rodríguez et al. (2023). Cetaceans playing with single-use plastics (SUPs): A widespread interaction with likely severe impacts. Marine Pollution Bulletin, Volume 194, Part A, 115428. https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2023.115428


Bernardos-eremitas estão usando nosso lixo plástico como concha, e o fenômeno é global Bernardos-eremitas estão usando nosso lixo plástico como concha, e o fenômeno é global Reviewed by Saber Atualizado on janeiro 28, 2024 Rating: 5

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