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Comportamento homossexual é comum e está associado a benefícios adaptativos em mamíferos, aponta estudo

Figura 1. Felação homossexual entre dois chimpanzés machos, Max e David, ocorrendo após tensão social no grupo, em um centro de conservação na Zâmbia. Ref.1

 
Comportamento homossexual é um traço comum no Reino Animal e que tem atraído a atenção de vários cientistas trabalhando em variadas áreas, desde sociologia e psicologia até neurobiologia e biologia evolucionária. Como o comportamento homossexual não contribui diretamente para a reprodução, esse traço é considerado comumente um enigma evolucionário, e um número de hipóteses têm sido propostas nos últimos anos explorando a questão. 


Agora, em um estudo publicado no periódico Nature Communications (Ref.2), pesquisadores conduziram uma robusta análise filogenética para explorar o comportamento homossexual em mamíferos. Os resultados do estudo indicaram que esse comportamento não é aleatoriamente distribuído entre as linhagens dessa classe, tendendo a ser particularmente prevalente em alguns clados, especialmente primatas. Além disso, reconstrução ancestral sugeriu que o comportamento homossexual evoluiu múltiplas e, aparentemente, representa um fenômeno relativamente recente na maioria das linhagens de mamíferos. Por fim, os resultados sugeriram que esse comportamento parece ter um papel adaptativo no sentido de manter relações sociais e mitigar conflitos entre indivíduos da mesma espécie.


"[O comportamento homossexual] Pode contribuir para estabelecer e manter relações sociais positivas," disse em entrevista o biólogo evolucionário Dr. José Gómez, um dos autores do novo estudo e pesquisador na Estación Experimental de Zonas Áridas, em Almería, Espanha (Ref.3).


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Comportamento homossexual, ou seja, tentativa de atividade sexual entre membros do mesmo sexo, tem sido reportado em mais de 1500 espécies de animais, incluindo todos os principais grupos de invertebrados como insetos (1), aranhas, equinodermos e nematoides, até vertebrados como peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Comportamento homossexual é particularmente prevalente em primatas não-humanos (2), onde tem sido observado em pelo menos 51 espécies de lêmures a primatas superiores. Esse comportamento sexual é observado em animais diversos em condições tanto de cativeiro quanto no meio selvagem. O comportamento homossexual é também frequente em humanos, existindo ao longo da maior parte da nossa história e em várias sociedades e culturas (3). 


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Leitura recomendada:


(3) É importante observar, contudo, que humanos modernos (Homo sapiens) exibem também comportamento homossexual exclusivo (orientação homossexual) (!). A única outra espécie conhecida que também exibe naturalmente orientação homossexual são ovelhas (Ovis aries). Para mais informações: Homossexualidade é biológica ou social?


(!) IMPORTANTE: Frequentemente autores usam o termo em inglês "same-sex sexual behaviour" ("comportamento sexual de mesmo sexo") ao invés de homosexual behaviour (comportamento homossexual) para caracterizar relações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo em espécies não-humanas, para uma melhor separação do conceito de homossexualidade humana. 

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Comportamento homossexual tem sido argumentado de incorrer sob custos maiores do que comportamento heterossexual. Primeiro, interações sexuais com membros do mesmo sexo podem ter custos similares de acasalamento relativo às interações sexuais com membros do sexo oposto em termos de energia, tempo gasto, transmissão de doença, lesões, etc. Segundo, devido ao fato de não contribuir com reprodução, comportamento homossexual adicionalmente possui o custo de oportunidade desperdiçada no sentido de não produzir filhotes, caso tal comportamento ocorra ao invés de interação heterossexual. Por essas razões, a evolução e a prevalência do comportamento homossexual são frequentemente considerados um "paradoxo Darwiniano".


Várias hipóteses têm sido proposta para explicar a evolução e a prevalência do comportamento homossexual em humanos e outros animais. Algumas dessas hipóteses defendem que esse traço não possui função adaptativa, sugerindo consequência de confusão de identidade, disponibilidade limitada de indivíduos do sexo oposto, resultado de frustração sexual quando indivíduos são recusados por membros do outro sexo, ou subproduto (seleção neutra) de seleção positiva agindo em outros traços, como alta responsividade sexual (libido excessiva). Uma hipótese mais recente sugere que comportamento sexual indiscriminado (ou seja, co-ocorrência de comportamentos homossexuais e heterossexuais) seria a condição ancestral para a reprodução sexuada dos animais e que isso explicaria a ampla ocorrência de comportamento homossexual nos animais (4).


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(4) Para mais informações: Nova hipótese evolucionária para o comportamento homossexual

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Contrastando essas hipóteses não-adaptativas, outras hipóteses são adaptativas e sugerem que o comportamento homossexual pode ser diretamente favorecido por seleção natural (seleção positiva). Para animais não-humanos em geral, duas das principais hipóteses adaptativas para explicar a origem, evolução e prevalência do comportamento homossexual são:


a) comportamento homossexual contribuiria para estabelecer e manter relações sociais positivas. De acordo com essa hipótese, interações homossexuais podem servir para formar e manter ligações e alianças, e facilitar reconciliação após conflitos entre membros do mesmo grupo. Essa hipótese prediz que o comportamento homossexual deveria ser mais frequente em espécies sociais;


b) comportamento homossexual contribuiria para diminuir agressão e conflito intra-sexuais. Essa hipótese defende que interações homossexuais podem servir para comunicar status social e estabelecer e reforçar hierarquias de dominância, portanto prevenindo conflitos futuros, ou pode contribuir para desviar comportamento agressivo no sentido de um comportamento de acasalamento, fornecendo a machos subordinados maiores oportunidades para furtivamente copular com fêmeas. Essa hipótese prevê que o comportamento homossexual deveria ser mais frequente em espécies agressivas e exibindo interações intra-sexuais letais, e em machos que competem para estabelecer dominância e acesso privilegiado a fêmeas.


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> Exemplo de interação homossexual pós-conflito entre primatas (vídeo): acesse aqui.          

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Essas hipóteses adaptativas têm sido suportadas por vários estudos observacionais. Por exemplo, comportamento homossexual parece facilitar a reconciliação entre membros de um mesmo grupo de bonobos (Pan paniscus) fêmeas e de macacos-Japoneses (Macaca fuscata) fêmeas. De forma similar, comportamento homossexual parece servir para reforçar aliança entre grupos pequenos de golfinhos machos do gênero Tursiops, e ajuda a fortalecer hierarquias de dominância em rebanhos de bisões-Americanos (Bison bison).


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Para testar as hipóteses adaptativas e não-adaptativas sobre o comportamento homossexual, os pesquisadores no novo estudo exploraram a literatura acadêmica e bancos de dados sobre o comportamento sexual de mamíferos diversos. Eles encontraram que comportamento homossexual era reportado em 261 espécies de mamíferos (>4% do total de espécies) pertencentes a 62 famílias (~50% das famílias) e 12 ordens (63% das ordens). Comportamento homossexual incluía ritos de acasalamento, monta, contato genital, copulação e formação de casal. Na maioria dos casos, comportamento homossexual era exibido como monta e/ou contato genital (87% das espécies), geralmente manifestado em adultos e comum no ambiente natural. Em cerca de 40% das espécies, o comportamento homossexual mostrou ser uma atividade moderada ou mesmo frequente durante as temporadas de acasalamento.


Os pesquisadores também encontraram que o comportamento homossexual era frequente em mamíferos de ambos os sexos, e estava presente de forma concomitante em ambos os sexos em quase 52% das espécies exibindo comportamento homossexual.


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> Válido apontar que o estudo é limitado aos reportes e descrições de comportamento homossexual por trabalhos científicos conduzidos ao longo da história. Os dados acumulados não refletem, necessariamente, a real prevalência de comportamento homossexual entre os mamíferos aquáticos e terrestres. É possível que interações homossexuais estejam presentes em muito mais espécies de mamíferos.

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Na segunda etapa do estudo, os pesquisadores testaram a presença de correlação evolucionária do comportamento homossexual entre machos e fêmeas, através de uma análise filogenética incluindo 5747 mamíferos não-extintos e recentemente extintos (Fig.2). Os resultados da análise indicaram que o comportamento homossexual não é aleatoriamente distribuído ao longo das linhagens, tendendo a ser mais frequente em alguns clados e raro em outros. Comportamento homossexual em machos e fêmeas mostrou ser comum em ungulados de dedos pares (Cetartiodactyla), carnívoros, cangurus e wallaby (marsupiais da ordem Diprodontia), roedores e, especialmente, primatas.


Figura 2. Evolução do comportamento homossexual em mamíferos não-humanos. Distribuição filogenética da presença de comportamento homossexual em machos (amarelo), fêmeas (preto) ou ambos os sexos (roxo). As silhuetas são mamíferos representativos ilustrando os principais clados da classe Mammalia. Ref.2

Com base na análise filogenética e dados disponíveis, os pesquisadores não puderam inferir se o ancestral comum mais recente de todos os mamíferos exibia comportamento homossexual. Porém, a análise sugeriu que o mais recente ancestral comum de todos os mamíferos placentários não exibia comportamento homossexual, seja entre fêmeas seja entre machos. A análise mostrou-se consistente com o cenário onde o comportamento homossexual emergiu e foi perdido múltiplas vezes durante a evolução dos mamíferos. Desde a raiz evolucionária dos mamíferos até o ancestral da família Hominidae (incluindo o Homo sapiens), a probabilidade do comportamento homossexual parece ter persistido baixa até a emergência dos macacos do Velho Mundo (Catarrhini), e aumentando de forma dramática na origem dos primatas superiores (hoje representados por chimpanzés, gorilas, orangotangos e humanos). Isso aponta que a significativa prevalência de comportamento e orientação homossexual nos humanos modernos possui antiga origem evolucionária na ordem dos primatas.


Juntando os resultados dessas análises e testando hipóteses previamente propostas para explicar o comportamento homossexual entre animais, os pesquisadores encontraram que a socialidade estava fortemente correlacionada com esse traço para ambos os sexos. Comportamento homossexual estava significativamente mais prevalente em espécies sociais do que espécies não-sociais, e sua evolução em ambos os sexos mostrou ser dependente da presença de socialidade - esta a qual também evoluiu múltiplas vezes entre os mamíferos. Além disso, comportamento homossexual estava significativamente associado com machos dominantes muito agressivos contra membros do mesmo sexo (presença de adulticídio). Agressividade não mostrou ser um fator importante para a evolução do comportamento homossexual em fêmeas.


Isso sugere que o comportamento homossexual pode ter evoluído de forma convergente em múltiplos clados sob ação de seleção positiva (traço adaptativo) e no sentido de estabelecer, manter e fortalecer relações sociais que podem aumentar laços e alianças entre membros do mesmo grupo. Além disso, sugere que esse comportamento também evoluiu no sentido de facilitar reconciliação pós-conflito, independentemente do seu papel em prevenir conflitos intra-sexuais. Laços sociais podem ser um dos fatores causais facilitando a evolução do comportamento homossexual e eventualmente a homossexualidade observada em humanos. As evidências no novo estudo não suportaram cenários onde o comportamento homossexual era "aberrante" ou não-adaptativo, pelo menos em mamíferos.


REFERÊNCIAS

  1. Brooker et al. (2020). Fellatio among male sanctuary-living chimpanzees during a period of social tension. Behaviour, 158(1), 77-87. https://doi.org/10.1163/1568539X-bja10053
  2. Gómez et al. (2023). The evolution of same-sex sexual behaviour in mammals. Nature Communications 14, 5719. https://doi.org/10.1038/s41467-023-41290-x
  3. https://www.nytimes.com/2023/10/03/science/same-sex-behavior-evolution-mammals.html

Comportamento homossexual é comum e está associado a benefícios adaptativos em mamíferos, aponta estudo Comportamento homossexual é comum e está associado a benefícios adaptativos em mamíferos, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on outubro 05, 2023 Rating: 5

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