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Casais homossexuais de cupins dão pistas sobre a evolução do comportamento homossexual

 
A evolução do comportamento homossexual - amplamente observado entre várias espécies de animais, incluindo humanos - é um enigma no campo científico devido ao fato de tal comportamento não resultar diretamente em reprodução. Comportamento homossexual também é notavelmente observado entre cupins durante a formação de pares após a perda das asas. Um estudo publicado recentemente na PNAS (Ref.1) mostrou que os cupins da espécie Reticulitermes speratus em pares homossexuais mudam os comportamentos para simular o sexo oposto, e que essa habilidade pode ser rastreada até antigos ancestrais desses insetos. Segundo os autores do estudo, essa 'flexibilidade sexual' parece ser crucial para a evolução e manutenção de pares do mesmo sexo, pelo menos nesses insetos.


"Comportamento homossexual nos animais têm sido sempre um pouco enigmático para os cientistas," disse em entrevista o Dr. Nobuaki Mizumoto, autor principal do novo estudo e pesquisador de pós-doutorado na Unidade Genômica Evolucionária do Instituto Okinawa de Ciência e Tecnologia (OIST), Japão (Ref.2). "Uma teoria prevalente é que o comportamento homossexual é devido ao engano de identidade, com animais se precipitando para acasalar sem checar o sexo do parceiro. Mas, pelo menos para cupins, nós mostramos que o ritual de acasalamento homossexual requer uma deliberada mudança comportamental. Em outras palavras, não é um acidente."


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Comportamento homossexual é amplamente disseminado no Reino Animal, incluindo orientação homossexual em duas espécies (Homo sapiensOvis aries) (1). A evolução do comportamento homossexual tem atraído a atenção de vários cientistas devido ao aparente alto custo adaptativo. Existem várias hipóteses e propostas teóricas que tentam explicar a prevalência comum desse traço comportamental em humanos e em outros animais, e teoria mais recente sugere que seleção contra o comportamento homossexual pode ser limitada pelos custos de um reconhecimento sexual perfeito, portanto mantendo baixos níveis de prevalência desse comportamento em várias espécies. Porém, em muitas espécies, interações homossexuais envolvem pelo menos um parceiro expressando comportamentos associados com o outro sexo, como imitação de comportamentos sexo-específicos ou expressão de papéis do sexo oposto durante a formação de pares. Além disso, comportamento homossexual também parece envolver distintos repertórios comportamentais com separada causação neurológica. 


Por exemplo, em humanos, indivíduos gays comumente e naturalmente expressam comportamentos 'afeminados' (o mesmo ocorrendo em lésbicas, com a manifestação de comportamentos masculinizados) - também sendo caracterizados como passivos ou ativos. Além disso, mulheres e homens trans frequentemente expressam afinidade sexual pelo mesmo sexo (2).


Para mais informações:


O sexo do parceiro/a em um par de mesmo sexo é diferente daquele em um par heterossexual, e, nesse sentido, respostas plásticas para diferentes ambientes sócio-sexuais seriam essenciais para a expressão do comportamento homossexual.


Nos cupins da espécie Reticulitermes speratus - popularmente conhecidos como cupins Japoneses -, pares monogâmicos vitalícios estabelecem colônias e produzem milhares de filhotes. Durante um breve período, indivíduos alados (adultos com asas) dispersam dos seus ninhos. Tanto fêmeas quanto machos aterrissam no chão, perdem as asas e correm para procurar por um parceiro de acasalamento. No processo de união, o par realiza uma "corrida indiana", com um correndo atrás do outro em contato próximo. No caso, o macho segue a fêmea, mantendo contato de maneira altamente coordenada enquanto o par - liderado pela fêmea - procura um local adequado para a fundação de uma nova colônia. Tão logo encontra um local adequado, o par estabelece um ninho para uma relação de longo prazo.



A corrida indiana envolve comunicação via feromônios sexuais, e todos os pares de acasalamento participam desse processo. Nesse sentido, esse comportamento é considerado uma forma estendida de ritual de acasalamento ou comportamento sexual. Uma corrida indiana estável é mantida via dois processos comportamentais. Primeiro, feedbacks bidirecionais entre machos e fêmeas permitem que ambos ativamente regulem a velocidade do movimento de acordo com a distância do parceiro. Segundo, movimentos sexualmente dismórficos são expressos na ocorrência de uma separação acidental, onde as fêmeas pausam e os machos iniciam uma intensiva busca para facilitar o reencontro. 


Curiosamente, a corrida indiana também pode envolver pares com indivíduos do mesmo sexo (fêmea-fêmea ou macho-macho), uma estratégia adaptativa engatilhada quando potenciais parceiros de um sexo específico estão em falta durante períodos críticos de dispersão (ex.: mais fêmeas do que machos no ambiente). Os benefícios adaptativos promovidos pelos pares homossexuais emergem através de vários mecanismos que permitem sobrevivência por tempo suficiente para um eventual acasalamento heterossexual. 


Por exemplo, uma corrida indiana homossexual dilui o risco relativo a predadores que capturam pressas isoladas, até que cada indivíduo do par homossexual encontre um parceiro do sexo oposto. Pares homossexuais também podem estabelecer ninhos a longo prazo (>1 ano), facilitando a sobrevivência para ambos. Estabelecimento de ninho por um único indivíduo é difícil ou impossível devido ao fato dos cupins não serem capazes de realizar auto-limpeza no próprio corpo (ex.: remoção de patógenos e outros contaminantes), requerendo um parceiro para essa tarefa. Após o estabelecimento do ninho pelo par homossexual, fêmeas podem se reproduzir via partenogênese (3), e os machos podem esperar para mais tarde invadir colônias vizinhas incipientes com potenciais fêmeas para ganhar oportunidades reprodutivas.


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No novo estudo, os pesquisadores resolveram investigar se o comportamento sexo-baseado observado nos pares heterossexuais eram refletidos nos pares homossexuais.


Primeiro, eles observaram como os cupins pareavam para a corrida indiana quando estavam em grupos com os dois sexos e em grupos contendo indivíduos com um mesmo sexo. Eles encontraram que pares heterossexuais e pares homossexuais macho-macho ocorriam mais prontamente do que pares fêmea-fêmea - provavelmente devido ao papel natural de líder das fêmeas, já que uma delas em um par homossexual precisa trocar previamente de papel sexual para então começar a seguir (atrasando a formação do par). No entanto, quando formados, todos os pares se tornavam igualmente estáveis para o ritual de acasalamento, mantendo velocidades e durações temporais similares. 


Os pesquisadores, em um próximo passo experimental, isolaram pares heterossexuais e homossexuais em diferentes placas de Petri. Então, enquanto os cupins estavam realizando a corrida indiana, os cientistas removeram ou o líder ou o seguidor do par e observaram como o outro cupim reagia. Eles encontraram que os pares homossexuais exibiam dinâmicas pós-separação similares àquelas exibidas pelos pares heterossexuais. Quando os cupins em pares fêmea-fêmea eram separados, a "fêmea seguidora" intensivamente procurava sua parceira líder, apesar desse comportamento ser tipicamente observado em cupins machos. Quando os cupins em pares macho-macho eram separados, o "macho líder" pausava, similar às fêmeas em pares heterossexuais (!). Isso significa que os indivíduos em pares homossexuais eram capazes de reencontrar seus parceiros de forma tão efetiva quanto os indivíduos em pares heterossexuais.



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(!) Nos pares homossexuais com machos, a pausa do macho líder para a espera do parceiro seguidor mostrou ser significativamente menos prolongada do que a pausa de fêmeas, talvez devido à ausência de feromônios secretados pela fêmea usados para atrair os machos. Para um vídeo mostrando o efeito da separação entre os grupos analisados, acesse o link da Ref.2.

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Em simulações computacionais, os pesquisadores encontraram que caso os cupins machos e fêmeas em pares homossexuais mantivessem um comportamento sexo-baseado padrão, o reencontro após separação seria bem menos provável ou levaria muito mais tempo, aumentando os riscos de predação e de insucesso no estabelecimento de um ninho. 


Após os pesquisadores estabelecerem que os cupins Japoneses possuíam alta flexibilidade em termos de comportamento sexual, eles buscaram então explorar a origem dessa flexibilidade comportamental - ou plasticidade da função sexual. Para isso, os cientistas investigaram - via análise filogenética comparativa - um amplo banco de dados científicos englobando inúmeras espécies de cupins, tentando identificar quais delas exibiam o ritual de "corrida indiana" e, em caso positivo, se machos ou fêmeas lideravam a corrida.


Os pesquisadores encontraram que enquanto todas as espécies de cupins no clado Neoisoptera - grupo evolucionário englobando os cupins Japoneses - exibiam a corrida indiana com fêmeas detendo o papel de líder, espécies em grupos evolucionários mais distantes realizando o ritual exibiam líderes tanto machos quanto fêmeas. Esse achado sugere que os ancestrais dos cupins Japoneses provavelmente tinham ambos os sexos (machos e fêmeas) capazes de realizar as duas tarefas (seguir ou liderar). Isso pode explicar o porquê do potencial para fêmeas e machos trocarem de comportamento ainda existir nas espécies modernas de cupins, permitindo pares homossexuais evoluírem.


Esse cenário entra em contraste com hipóteses sugerindo que a evolução do comportamento homossexual foi facilitada pela perda de sinais sexuais, ou seja, mecanismos dificultando o reconhecimento do sexo. Na verdade, reconhecimento acurado do sexo ocorre em inúmeros grupos de animais com reprodução sexuada (insetos, répteis, aves, anfíbios, mamíferos). Aliás, o próprio cupim Japonês sabe diferenciar muito bem machos de fêmeas devido ao fato de apenas essas últimas produzirem fortes feromônios de pareamento sexual. Acurada discriminação sexual acoplada com plasticidade comportamental pode ser um caminho evolucionário alternativo para explicar a evolução do comportamento homossexual no Reino Animal.


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Em muitas espécies de animais, fêmeas e machos são conhecidos de imitarem o comportamento do sexo oposto como estratégia de competição. Por exemplo, em vários insetos, aves e répteis, machos imitam fêmeas para evitar competição intraespecífica, prevenir outros de copular com reais fêmeas, ou roubar "presentes" de acasalamento. De forma similar, fêmeas podem imitar machos para reduzir os custos de copulação ou a agressividade de outros machos. Tal imitação de comportamentos sexo-específicos pode co-evoluir com o comportamento homossexual, já que esse último também pode reduzir interações agressivas durante competição.


Padrões de expressão do comportamento homossexual são altamente diversos. Em algumas espécies, apenas um sexo expressa tal comportamento, enquanto em outras ambos os sexos estão envolvidos. A frequência e a manifestação do comportamento homossexual também podem variar entre espécies. Existe também expressão de comportamento homossexual exclusivo (orientação homossexual), como observado em humanos. Portanto, caracterizar as fontes dessas diferenças - genética, plasticidade fenotípica, desenvolvimento embrionário diferenciado e/ou epigenética - pode ajudar a clarificar os fatores de fomento à evolução do comportamento homossexual no Reino Animal.


(1) REFERÊNCIA

  1. Mizumoto et al. (2022). Ancestral sex-role plasticity facilitates the evolution of same-sex sexual behavior. PNAS, 119 (46) e2212401119. https://doi.org/10.1073/pnas.2212401119
  2. https://www.oist.jp/news-center/press-releases/sex-role-flexibility%E2%80%99-key-evolution-homosexual-partnerships-termites
  3. Thompson, G.J. (2021). Termites reigned by royals close ranks. Insectes Sociaux, Vol. 68, 1–2. 

Casais homossexuais de cupins dão pistas sobre a evolução do comportamento homossexual Casais homossexuais de cupins dão pistas sobre a evolução do comportamento homossexual Reviewed by Saber Atualizado on novembro 16, 2022 Rating: 5

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