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Nobel de Física 2023: O que é a tal da Física de Atossegundos?

Figura 1. Da esquerda para a direita: Ferenc Krausz, Anne L’Huillier and Pierre Agostini. Ref.2

 
Seja no interior de uma célula ou dentro de um tubo de ensaio, reações químicas envolvendo mudanças nas configurações de elétrons em átomos e moléculas ocorrem durante velocidades absurdas, tornando a captura detalhada desses fenômenos extremamente difícil e limitando a validação de processos químicos e quânticos teorizados. Esses fenômenos ocorrem na escala de atossegundos, equivalente a um bilionésimo de bilionésimo de um segundo (10^-18 s). Existem tantos atossegundos em 1 segundo quanto existem segundos na idade do Universo! Nesse sentido, uma nova física emergiu ao longo da década de 1990, chamada física (ou ciência) de atossegundos, baseada no uso de lasers com pulsos de curtíssima duração, ultrarrápidos (1).


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(1) Sobre o funcionamento de um laser, fica a sugestão de leitura: Físicos estão construindo um laser capaz de rasgar até mesmo o espaço vazio

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E o Prêmio Nobel deste ano premiou justamente três cientistas que tiveram contribuições essenciais para o desenvolvimento de tecnologias permitindo a produção de pulsos de luz [laser] durando apenas algumas centenas de atossegundos (Ref.1-2). Pierre Agostini da Universidade do Estado de Ohio, EUA; Ferenc Krausz do Instituto Max Planck de Óptica Quântica, Alemanha, e Anne L’Huillier, da Universidade de Lund, Suécia (Fig.2). O trabalho desses pesquisadores permitiu à comunidade científica explorar o mundo subatômico de forma antes pensada impossível. Usando pulsos de laser ultrarrápidos, cientistas conseguem visualizar em mínimos detalhes como elétrons se movem dentro de moléculas, como o tunelamento de elétrons ocorre e como ligações químicas são formadas ou quebradas. E hoje já existem avanços permitindo aplicabilidade da física de atossegundos no campo da medicina (ex.: diagnóstico de doenças em amostras sanguíneas).


Figura 2. L’Huillier estava dando aula na Universidade de Lund quando recebeu a notícia do prêmio. E continuou dando aula. Ela é a quinta mulher a ganhar o Nobel de Física desde o início histórico da premiação.

É impossível fazer um pulso na escala de atossegundo com luz visível porque os comprimentos de onda nessa faixa de radiação duram mais do que um femtossegundo (10^-15 s). Porém, no início da década de 1990, vários pesquisadores sugeriram um modo de produzir pulsos usando comprimentos de onda mais curtos, especificamente na faixa do ultravioleta extremo (XUV). A técnica, conhecida como geração de harmônicos de alta ordem (HHG), envolve três processos:


- átomos de um gás nobre são atingidos com um poderoso pulso na escala de femtossegundos disparado por um laser de infravermelho. À medida que o forte campo elétrico do laser oscila e interage com os átomos, estes são ionizados e elétrons arrancados são acelerados para longe e de volta aos íons (re-colisão);


- quando os elétrons retornam para o estado fundamental, a energia cinética em grande excesso previamente acumulada é liberada na forma de fótons de alta energia que são uma combinação de múltiplos ímpares da frequência do laser disparado [HHG];


- como o processo é repetido a cada meio ciclo do laser para o qual o pico de intensidade é suficiente para ionizar o átomo, o processo naturalmente dá origem a uma cadeia de pulsos na escala de atossegundos e na faixa do XUV ou mesmo raio-X.


Nesse sentido, temos dois feixes de lasers associados à tecnologia HHG, um na escala de femtossegundos e o segundo (resultante de re-colisão), na escala de atossegundos, que será efetivamente usado para "filmar" as dinâmicas ultrarrápidas de processos subatômicos.


Anne L’Huillier foi pioneira nesta técnica durante a década de 1990, enquanto trabalhava com a ionização de gás argônio na Comissão Francesa de Energia Atômica do centro de pesquisa Paris-Saclay. Ela e outros pesquisadores elucidaram a física de como esse gás ionizado com lasers era capaz de produzir HHG, levando à descoberta do fenômeno de re-colisão. A partir daí, L'Huillier embarcou em um programa para aumentar a intensidade dos harmônicos de alta ordem. Em 2001, um time liderado por Pierre Agostini, também trabalhando no Paris-Saclay, foi o primeiro a transformar esses harmônicos em pulsos na escala de attossegundos. E, crucialmente, Agostini desenvolveu uma técnica para medir a duração dos pulsos e confirmar que eles estavam na escala de atossegundos - algo antes nunca feito.


Porém, até esse momento, pesquisadores eram capazes apenas de produzir rápidas sucessões de pulsos [atossegundos] separados por intervalos de apenas ~1,3 femtossegundo. Para capturar eventos dentro do átomo e de estruturas atômicas, eles precisavam que esses pulsos fossem isolados, "limpos". Em 1999, Físicos haviam apresentado caminhos teóricos para a resolução desse problema, envolvendo otimização do pulso de infravermelho inicialmente disparado. Entre 2001 e 2003, Ferenc Krausz e seu grupo de pesquisa, na Universidade Técnica de Viena, conseguiram efetivamente colocar em prática essas propostas teóricas, produzindo pulsos limpos de XUV na escala de atossegundos. Os primeiros pulsos isolados produzidos por Krausz exibiam duração de 650 atossegundos - quebrando de forma inédita a barreira de 1000 atossegundos. E, em 2004, Krausz conseguiu criar um experimento provando que os pulsos ultrarrápidos ultimamente produzidos no seu laboratório alcançaram a duração de 250 atossegundos.


Apoiado nos avanços prévios da física de atossegundos, incluindo os trabalhos de L’Huillier e de Agostini, Krausz foi pioneiro no desenvolvimento de lasers com pulsos ultrarrápidos que efetivamente permitiram o uso ideal dessa tecnologia para "filmar" o mundo subatômico.


A partir desse marco, vários trabalhos foram desenvolvidos nos anos seguintes por diferentes grupos de pesquisa registrando fenômenos atômicos antes limitados a previsões teóricas. Entre notáveis usos recentes da tecnologia, podemos citar um estudo publicado em 2019 na Science (Ref.4) onde cientistas usaram lasers de XUV para detalhar os múltiplos estados excitados e dinâmicas eletrônicas envolvidos na quebra da ligação de moléculas de brometo de iodo (IBr). Um estudo publicado em junho de 2022, no periódico Ultrafast Science (Ref.5), conseguiu determinar o tempo de atraso (Tempo de Wigner) associado ao processo de fotoionização molecular. Em outro estudo no periódico Ultrafast Science (Ref.6), publicado em dezembro de 2022, cientistas conseguiram visualizar diretamente a deformação da função de onda atômica. Também em dezembro de 2022, em um estudo publicado no periódico Physical Review A (Ref.7), pesquisadores reportaram a visualização em alta resolução de complexas funções de onda durante detecção de elétrons, registrando literalmente a fase de distribuição dessas partículas (Fig.3).


Figura 3. Medidas da fase e da amplitude de complexas funções de onda de elétrons através de atossegundo-lasers (a-b), representadas pela cor (ou tonalidade) para a fase e brilho (ou valor) para a amplitude (plotado na escala logarítmica), no mapa de tonalidade-saturação-valor (HSV) mostrado em (c). Esse tipo de visualização era antes impossível com espectroscopia fotoeletrônica convencional. Ref.7 

Avanços recentes também têm sido alcançados no sentido de otimizar a tecnologia de lasers ultrarrápidos. Por exemplo, em um estudo publicado em 2022 no periódico Optica (Ref.8), pesquisadores anunciaram a produção de pulsos na escala de atossegundos a uma taxa de repetição de 100 kHz, um valor antes tipicamente limitado a 1 kHz (1000 disparos por segundo). Esse importante avanço tem permitido a condução e planejamento de novos tipos de experimentos na física de atossegundos, envolvendo, por exemplo, a medida do momento tridimensional de todas as partículas carregadas em sistemas com alvos atômicos e moleculares.


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> Relevante mencionar que apenas Físicos Experimentais foram agraciados com o Nobel na área de atossegundos, apesar de importante contribuição de Físicos Teóricos para avanços no campo (Ref.2).


> Do total de 221 ganhadores do Nobel de Física ao longo da história, apenas 5 foram mulheres. A primeira mulher a ganhar o Nobel de Física foi Marie Curie, em 1903, por seus trabalhos sobre o fenômeno radioativo. Em 1963, Maria Goeppert-Mayer recebeu o prêmio por seus trabalhos explorando a estrutura atômica, Donna Strickland em 2018 por trabalhos na física de lasers, e Andrea Ghez em 2020 por sua pesquisa associada a buracos negros supermassivos.


> Do total de 600 ganhadores do Nobel, apenas 26 mulheres foram ganhadoras ao longo da história.

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REFERÊNCIAS

  1. https://www.science.org/content/article/ultrafast-light-experiments-win-physics-nobel
  2. https://www.nature.com/articles/d41586-023-03047-w
  3. Kobayashi et al. (2019). Direct mapping of curve-crossing dynamics in IBr by attosecond transient absorption spectroscopy. Science, Vol. 365, Issue 6448, pp. 79-83. https://doi.org/10.1126/science.aax0076
  4. Guo et al. (2022). Probing Molecular Frame Wigner Time Delay and Electron Wavepacket Phase Structure of CO Molecule. Ultrafast Science, Vol. 2022. https://doi.org/10.34133/2022/9802917
  5. Liang et al. (2022). Direct Visualization of Deforming Atomic Wavefunction in Ultraintense High-Frequency Laser Pulses. Ultrafast Science, Vol. 2022. https://doi.org/10.34133/2022/9842716 
  6. Nakajima et al. (2022). High-resolution attosecond imaging of an atomic electron wave function in momentum space. Physical Review A, 106, 063513. https://doi.org/10.1103/PhysRevA.106.063513
  7. Witting et al. (2022). Generation and characterization of isolated attosecond pulses at 100 kHz repetition rate. Optica, Vol. 9, Issue 2, pp. 145-151. https://doi.org/10.1364/OPTICA.443521 

Nobel de Física 2023: O que é a tal da Física de Atossegundos? Nobel de Física 2023: O que é a tal da Física de Atossegundos? Reviewed by Saber Atualizado on outubro 04, 2023 Rating: 5

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