Cientistas Brasileiros criam vários alimentos nutritivos derivados de larvas de moscas
Figura 1. Farinha desengordurada, pães e salsichas produzidas nos laboratórios da FZEA, usando larvas de mosca como matéria-prima; na foto em destaque, larvas de Hermetia illucens em diferentes estágios de desenvolvimento (foto). |
Luiz Prado | Jornal da USP* - Pesquisas realizadas no Departamento de Engenharia de Alimentos (ZEA) da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP produziram e analisaram alimentos feitos com farinha obtida a partir de larvas de mosca. O intuito dos trabalhos, segundo os especialistas, é buscar fontes alternativas de proteína que sejam sustentáveis e que possam contribuir no combate à fome.
Dois estudos vêm sendo realizados em conjunto, utilizando larvas da mosca soldado negra (Hermetia illucens), conhecida em inglês pela sigla BSF, de Black Soldier Fly – espécie que já é usada como fonte de proteína na produção de ração para animais, tanto no Brasil quanto no exterior. Um dos trabalhos integra a pesquisa de doutorado de Vanessa Aparecida Cruz, orientanda da professora Alessandra Lopes de Oliveira, e é direcionado para o estudo da extração do óleo da farinha das larvas da mosca soldado negra utilizando métodos sustentáveis e a inclusão da farinha desengordurada em pães, com a colaboração da professora Fernanda Vanin. Já o estudo de Letícia Aline Gonçalves, que desenvolve seu doutorado sob orientação do professor Marco Antonio Trindade, envolve o uso da farinha em salsichas.
-----------
(!) Aliás, para a produção proteica, as larvas dessa mosca são consideradas alternativas ambientalmente mais amigáveis do que a plantação de soja. Para mais informações: Cientistas argumentam que essa larva é o nosso alimento do futuro
------------
As pesquisas nos laboratórios de Tecnologia de Alta Pressão e Produtos Naturais, de Qualidade e Estabilidade de Carnes e Produtos Cárneos e de Processamento de Pães e Massas da FZEA integram um projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordenado por Alessandra Oliveira e que conta com Trindade como pesquisador associado. Estudos realizados no Laboratório de Tecnologia de Alta Pressão e Produtos Naturais testaram um método inovador para extrair óleo da farinha da mosca soldado negra, desengordurando-a e tornando-a menos calórica. Sendo uma fonte proteica de baixa caloria, a farinha mostrou-se uma opção para ser testada na produção de pães e salsichas.
Figura 3. Três estágios da mosca soldado negra. No alto, à esquerda, as larvas da mosca. Ao lado, a farinha antes da extração do óleo. Embaixo, a farinha já desengordura com sc-CO2. |
Figura 4. Pães com farinha desengordura da larva da mosca soldado negra, produzidos no Laboratório de Processamento de Pães e Massas da FZEA. |
Figura 5. O óleo da larva da mosca soldado negra obtido a partir da extração com sc-CO2 pode ser usado na indústria de cosméticos. |
Na pesquisa de Vanessa Cruz, a extração do óleo das larvas de mosca soldado negra foi feita utilizando-se dióxido de carbono (CO2) em estado supercrítico (sc-CO2, estado atingido a certa temperatura e pressão). O método é sustentável e elimina o uso de hexano – Solvente tóxico normalmente usado na extração de óleos, que é não renovável, derivado do petróleo e deixa resíduos no produto. Daí o interesse na alternativa do CO2.
Na extração com o dióxido de carbono, baixa temperatura e pressão elevada garantem o estado supercrítico do CO2, e as propriedades deste solvente colaboram para o aumento da eficiência da extração, não deixando resíduos tóxicos no óleo e na farinha da larva da mosca soldado negra. Além desse estudo que otimizou o processo de extração do óleo, o projeto de Vanessa Cruz inclui o uso dessa farinha desengordurada na formulação de pães.
O óleo da larva da mosca soldado negra obtido nesse processo pode ser aplicado na indústria de cosméticos, enquanto a farinha apresenta valores nutricionais que chamam a atenção. Além de um alto teor de proteínas quando comparada com vegetais – mais de 30% contra 23,5% do feijão e 26,7% da lentilha – ela também possui melhor digestibilidade do que algumas proteínas vegetais e animais, o que ajuda na saúde intestinal.
De acordo com a professora Alessandra, o manejo e o abate das larvas usadas nos estudos – recebidas de uma empresa que já cria os insetos para ração animal – foram feitos seguindo orientações dos pesquisadores da FZEA, respeitando normas de boas práticas de fabricação e segurança de alimentos. A alimentação dessas larvas vem do reaproveitamento de restos de comida de restaurantes e seu cultivo pode ser realizado em espaços reduzidos, utilizando-se menos água do que para rebanhos tradicionais. “A farinha de inseto é um alimento altamente sustentável, não precisa de grandes espaços, nem de muitos recursos hídricos”, conta Alessandra.
Para o ser humano, entre suas vantagens estariam o alto teor de proteínas, aminoácidos essenciais, lipídios, fibras e melhor digestibilidade quando comparada à proteína animal. Estima-se que, em sua fase larval, a mosca apresente uma porcentagem de proteínas que varia de 40 a 63% e de lipídios que pode chegar a 35%.
-----------
> Desde novembro de 2020, a farinha da larva da Hermetia illucens está liberada no Brasil para uso na alimentação animal, graças à instrução normativa 110 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Sua inclusão na alimentação humana ainda aguarda discussões e regulamentações. O debate sobre o uso de insetos na alimentação humana é internacional. Na União Europeia, vários pedidos para autorizar a produção vêm sendo solicitados, incluindo, além da larva da mosca soldado negra, larvas de Alphitobius diaperinus (tenebrião-pequeno), Gryllodes sigillatus (grilo-raiado), Acheta domesticus (grilo-doméstico) e Locusta migratoria (gafanhoto-migrador). Em 2021, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar liberou o consumo do besouro tenébrio (Tenebrio molitor).
> O uso de insetos é muito mais sustentável e ambientalmente saudável do que produção de carne tradicional (aves, pecuária, etc.). E o nível de emissão de gases estufas para uma mesma produção proteica é bem inferior. Muitos cientistas apostam nos insetos como importante fonte nutritiva global da humanidade no futuro, em especial visando resolver o crescente problema da fome. Para mais informações: Insetos Comestíveis: Solução para um mundo mais sustentável?
--------------
*Texto original na USP: https://jornal.usp.br/ciencias/insetos-no-cardapio-cientistas-aprimoram-a-producao-de-alimentos-feitos-com-larvas-de-mosca/