Forte evidência de que a Peste Negra engatilhou seleção natural nos humanos

- Atualizado no dia 18 de janeiro de 2024 -

Um estudo publicado esta semana na Nature (Ref.1) e conduzido por um time internacional de cientistas - incluindo pesquisadores da Universidade de McMaster e do Instituto Pasteur - analisou e identificou genes que atuaram na proteção das pessoas contra a devastadora peste bubônica que varreu através da Europa, Ásia e África durante o período Medieval - onde o evento da Peste Negra dizimou até 60% população na Europa em um período de apenas 5 anos (!).

Abaixo, dinâmica populacional em Londres ao longo de seis séculos (com início no século XI), incluindo a acentuada queda populacional causada pela peste bubônica (símbolo de caveira). Barreiro et al., 2022

Os pesquisadores investigaram uma janela de 100 anos antes, durante e após a Peste Negra em Londres, Reino Unido incluindo mais de 500 amostras de DNA antigo extraídas de indivíduos que morreram da peste, ou que morreram ou sobreviveram após serem infectados pela bactéria causadora da peste (Yersinia pestis). Além disso, foram também analisadas amostras adicionais associadas a vestígios de pessoas enterradas em cinco outras localidades ao longo da Dinamarca.

As análises identificaram quatro genes associados a forte pressão seletiva, todos os quais estavam envolvidos na produção de proteínas auxiliares do sistema imune contra patógenos. Mais relevante, variantes desses genes (alelos) ou protegiam ou tornavam o indivíduo mais suscetível à doença. Uma dessas variantes (rs2549794), associada ao gene ERAP2, mostrou aumentar a habilidade de controle intracelular da Y. pestis em macrófagos e a resposta imune contra essa bactéria - tornando o indivíduo 40-50% mais provável de sobreviver do que aqueles sem a variante, segundo estimativas dos pesquisadores.

Somando-se aos achados, os pesquisadores também mostraram que essas variantes genéticas sob seleção positiva estão hoje associadas com um aumento de risco para doenças autoimunes como doença de Crohn e artrite reumatoide - na época um efeito deletério que seria compensado pelo benefício de proteger o corpo contra uma letal doença.

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> O estudo publicado na Nature corrobora um estudo prévio publicado ano passado, o qual também apontou assinaturas de seleção positiva associados à pandemia da Peste Negra: Seleção natural nos humanos disparada pela peste bubônica, aponta estudo

> PORÉM, um estudo mais recente publicado na Science (Ref.2), analisando 275 antigos genomas em um condado [Cambridgeshire] na Inglaterra, NÃO encontrou assinatura genética associada com o impacto da peste negra nessa região, incluindo o gene ERAP2.

(!) A Peste Negra foi o segundo surto pandêmico da peste bubônica na história humana. O primeiro ocorreu em 541 d.C., e ficou conhecido como Peste de Justiniano.

> É preciso também esclarecer algo importante: NÃO existe mínima evidência de que Médicos da Peste (com seus icônicos figurinos) existiram na Peste Negra; além disso, não existe sólida evidência de que essas máscaras "com bico" foram usadas em qualquer um dos surtos de peste.

> Para mais informações sobre a doença, os surtos pandêmicos e a questão dos Médicos da Peste, acesse: Médicos da Peste realmente existiram?

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REFERÊNCIA

Klunk et al. (2022). Evolution of immune genes is associated with the Black Death. Nature 611, 312–319. https://doi.org/10.1038/s41586-022-05349-x
Hui et al. (2024). Genetic history of Cambridgeshire before and after the Black Death. Science Advances, Vol 10, No. 3. https://doi.org/10.1126/sciadv.adi5903