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Formigas também produzem leite - e só agora os cientistas descobriram isso!

 

Pela primeira vez, cientistas reportaram que formigas secretam um fluído similar ao leite que nutre os membros na colônia. O inesperado achado, descrito no periódico Nature (Ref.1) e alcançado com o uso de engenharia reversa, revelou que, ao contrário de insetos solitários, pupas de formigas liberam uma secreção derivada do fluído de metamorfose que é rico em nutrientes, hormônios e substâncias neuroativas. Essa secreção mostrou promover comportamento de cuidado parental, sendo rapidamente removida e consumida pelos adultos - e pelas larvas. O comportamento mostrou-se crucial para a sobrevivência pupal: se a secreção não é removida, a pupa desenvolve infecções fúngicas e morre. Análoga ao leite de mamíferos, a secreção também mostrou-se uma importante fonte nutricional para o desenvolvimento inicial do estágio larval, e jovens larvas exibiram problemas de crescimento e menor chance de sobrevivência quando não tinham acesso ao fluído. Nesse sentido, os autores do estudo sugeriram que esse fluído fortalece a união de toda a colônia, com implicação para a evolução da eusocialidade entre as formigas.


"Nós identificamos um mecanismo que une a colônia, ligando as formigas ao longo de todos os estágios de desenvolvimento - adultos, larvas e pupas - em em uma entidade coerente, um superorganismo," disse em entrevista à Nature o co-autor do estudo Orli Snir, um biólogo da Universidade de Rockefeller, em New York, EUA (Ref.2).


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Colônias de insetos eusociais são sistemas biológicos muito complexos que consistem de indivíduos obrigatoriamente interagindo entre si e trabalhando cooperativamente no sentido de alcançarem objetivos comuns (1). Adaptabilidade e funções nessas colônias são altamente dependentes dos tipos e frequência de interações entre seus membros, incluindo adultos e os vários estágios de desenvolvimento imaturo. Em formigas (insetos pertencentes à família Formicidae da ordem Hymenoptera), por exemplo, adultos limpam, transportam e alimentam as larvas. Um importante tipo de interação social é a trofalaxia, o compartilhamento de alimento líquido na forma de "fluídos sociais" tanto através do boca-a-boca ou via ânus-para-a-boca, ambos entre adultos e entre adultos e larvas.


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(1) CURIOSIDADE: Existe evidência que eusocialidade evoluiu também em plantas, especificamente na espécie de samambaia Platycerium bifurcatum. Para mais informações: Cientistas podem ter encontrado a primeira planta eusocial, vivendo como formigas e cupins 

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Curiosamente, nas colônias eusociais, indivíduos no estágio de pupa têm sido historicamente considerados membros passivos, sem contribuições diretas para a funcionalidade das colônias.


No novo estudo publicado na Nature, os pesquisadores exploraram justamente possíveis papeis das pupas na organização social de formigas da espécie Ooceraea biroi. Através de um protocolo de engenharia reversa visando isolar os membros da colônia e estudá-los separadamente - suportando-os com recursos abióticos necessários para a sobrevivência e desenvolvimento - os pesquisadores descobriram que as pupas da O. biroi secretam quantidade substancial de um fluído no final do processo de metamorfose (Fig.1a). A produção desse fluído era iniciada seis dias antes da eclosão, pouco depois da melanização das pupas. A secreção inicialmente mostrou acumular no espaço da exúvia e então escorria a partir da invaginação retal do casulo pupal.


Fig.2. (A) Pupa com uma gota de secreção acumulada ao longo de um período de 24 horas de isolamento. (B) Interação de contribuições mútuas entre pupa, larva e adulto envolvendo o fluído social. A pupa secreta o fluído e os adultos colocam as larvas sobre as pupas. Larvas e adultos consomem o fluído, e o consumo do fluído previne infecções e morte na pupa.


Ao isolar as pupas e permitir que o fluído se acumulasse, os pesquisadores mostraram - após adicionar adultos no ambiente - que esses últimos eram altamente atraídos para o fluído e rapidamente o consumiam, como mostrado no vídeo abaixo. Além disso, quando larvas eram adicionadas no ambiente, os adultos as colocavam sobre as pupas para que pudessem também se alimentar do fluído secretado. Observações em ninhos também confirmaram que os adultos e as larvas se alimentavam do fluído, com jovens larvas sendo ativamente colocadas sobre as pupas pelas formigas adultas. Esse comportamento mostrou espelhar de forma similar a amamentação em mamíferos. E mais: sem a remoção do fluído pelos adultos e pelas larvas, as pupas se afogavam (em ambiente controlado) ou morriam devido a infecções por fungos (no ambiente natural de uma colônia). Em outras palavras, todos os membros da colônia estão interligados [dependentes] pelo fluído das pupas. 


          


Os pesquisadores então resolveram analisar a composição química do fluído e identificaram 185 proteínas que eram específicas ao "leite de formiga", assim como mais de 100 metabólitos, incluindo aminoácidos, açúcares e vitaminas. Os compostos identificados sugeriram que o fluído era derivado dos fluídos de muda, os quais são produzidos quando as larvas desmancham a cutícula externa à medida que se desenvolvem como pupa. Em outras palavras, é uma reciclagem oportunística dentro da colônia, basicamente uma divisão metabólica de trabalho. O fluído também continha hormônios e substâncias neuroativas que talvez podem modular o desenvolvimento e o comportamento de larvas e de adultos. De fato, experimentos subsequentes mostraram que o fluído pupal aumentava de forma robusta o crescimento e a sobrevivência larvais durantes os primeiros dias após as larvas eclodirem dos ovos.


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Para determinar se o "leite de formiga" era conservado entre as mais de 14 mil espécies conhecidas de formigas, os pesquisadores analisaram mais quatro espécies de formigas que, junto com a O. biroi, representavam as cinco principais subfamílias desses insetos: S. invicta (subfamília Myrmicinae), Nylanderia flavipes (Formicinae), Tapinoma sessile (Dolichoderinae) e Ponera pennsylvanica (Ponerinae). Eles descobriram que as pupas de todas as quatro espécies também secretavam fluído da ponta abdominal (Fig.3), com uma composição química similar àquela do fluído secretado pela O. biroi - ou seja, implicando que a origem também era do tecido reciclado de muda. Isso sugere que o "leite de formiga" evoluiu pouco após as formigas se tornarem eusociais ou mesmo antes de se tornarem animais sociais.


Fig.3. Filogenia das formigas a nível de subfamília e pupas de espécies representativas com gotas de secreção acumuladas ao longo de 24 horas em isolamento social.


Somados, os achados apontam que as pupas de formigas estão longe de serem apenas membros passivos nas colônias, possuindo papel central e ativo na organização social desses insetos. O "leite de formigas" (2) pode ter representado um componente importante na evolução da eusocialidade das formigas, ao fortalecer os laços de dependência entre todos os membros da colônia.


"É realmente surpreendente que ninguém nunca tenha percebido isso antes," disse em entrevista à Nature Patrizia d'Ettorre, uma entomologista na Universidade Sorbonne Paris Nord, França (Ref.2). "As pupas eram consideradas inúteis devido ao fato de serem imóveis, tecerem um casulo ao redor do corpo em algumas espécies, não comerem, e apenas se movimentarem com o auxílio de formigas trabalhadoras, não contribuindo em nada com a sociedade das formigas. Mas esse novo estudo mostra que isso não é verdade."


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(2) CURIOSIDADE: Fluído com função similar ao leite também ocorre em outro artrópode, no caso, na aranha Toxeus magnus. Para mais informações, leitura recomendada:  Qual a origem da amamentação e qual a sua relação com o soluço?

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REFERÊNCIAS

  1. Snir et al. (2022). The pupal moulting fluid has evolved social functions in ants. Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-022-05480-9
  2. https://www.nature.com/articles/d41586-022-04186-2

Formigas também produzem leite - e só agora os cientistas descobriram isso! Formigas também produzem leite - e só agora os cientistas descobriram isso! Reviewed by Saber Atualizado on novembro 30, 2022 Rating: 5

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