Cientistas podem ter encontrado a primeira planta eusocial, vivendo como formigas e cupins
Em um estudo publicado no periódico Ecology (1), pesquisadores encontraram que uma espécie de samambaia nativa da Australásia (região que inclui a Austrália, a Nova Zelândia, a Nova Guiné e algumas ilhas menores da parte oriental da Indonésia) pode ser o primeiro exemplo conhecido de uma planta que exibe um tipo de organização social, no caso, uma planta exibindo eussocialidade assim como formigas e cupins.
Epifitismo é uma relação de inquilinismo entre duas plantas ou algas, na qual uma planta (epífita) vive sobre a outra (forófito), explorando apenas apoio - sem relação de parasitismo (retirada de nutrientes) - e sem estabelecer contato com o solo. É uma relação ecológica bem comum em florestas tropicais e um dos exemplos mais conhecidos são as samambaias (plantas vasculares pteridófitas). As plantas epífitas estão sujeitas regularmente a forte estresse nutricional e severa escassez de água, e como resposta adaptativa essas plantas expressam uma variedade de traços fenotípicos para mediar a baixa oferta de água e de nutrientes, incluindo folhas na forma de copo (Bromeliaceae) e raízes com tecidos especializados (Orchidaceae).
Eusocialidade é uma notória transição evolutiva de individualidade para comunidade, e descreve espécies que (I) vivem em colônias englobando gerações sobrepostas de adultos, (II) dividem o trabalho em grupos reprodutivos e não-reprodutivos, e (III) cuidam de forma cooperativa dos filhotes. A eussocialidade tem evoluído de forma independente em crustáceos, insetos e até mesmo mamíferos (!). No entanto, fora do Reino Animal, não é conhecido nenhum outro exemplo de eusocialidade, ou qualquer outro tipo de organização social.
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No novo estudo, os pesquisadores resolveram investigar se a espécie de samambaia Platycerium bifurcatum - a qual vive em colônias, e onde notavelmente diferentes indivíduos realizam diferentes tarefas para a coleta mais eficiente de recursos - resolveu o problema da escassez de nutrientes e água ao formar uma relação cooperativa de eussocialidade. Para isso, espécimes da Ilha de Lord Howe - uma pequena ilha vulcânica localizada a 600 km ao leste da Austrália, no Mar da Tasmânia - foram analisadas, em especial quanto à história de vida da espécie.
Nas florestas secas da ilha, a P. bifurcatum - popularmente conhecida aqui no Brasil como chifre-de-veado - cresce em colônias penduradas no tronco de árvores, variando em tamanho de 6 a 58 indivíduos (média em torno de 25). As plantas adultas dentro das colônias produzem dois tipos de folhagem. "Folhagem de armadilha", com folhas longas, estreitas, de longa vida, e fotossinteticamente ativas, e cuja crucial função é canalizar água e nutrientes para o núcleo do grupo. Algumas dessas folhas são também reprodutivamente ativas. Por outro lado, "folhagem de ninho" são sempre reprodutivamente inativas e mais circulares no formato, com uma superfície cerosa e aversiva a água (hidrofóbica), e parecem defletir água e resíduos das folhas para o 'ninho' abaixo.
As análises mostraram que as colônias da P. bifurcatum claramente compartilham características com as colônias de animais eussociais. Essas colônias eram compostas de indivíduos próximo-relacionados que formam castas morfologicamente distintas com diferentes funções. Quando os pesquisadores quantificaram a absorbência de folhagens de ninho de 10 diferentes colônias, eles encontraram que aquelas crescendo no fundo possuíam tecidos mais grossos e mais absorventes do que aqueles no topo. Nesse sentido, samambaias no topo pareciam ser capturadoras de água e nutrientes, e, aquelas embaixo, pareciam armazenar água. Uma forte evidência de separação de tarefas.
Ao analisarem de forma aleatória as colônias, os pesquisadores encontraram que aproximadamente 40% das folhagens de armadilha eram completamente inativas em termos reprodutivos, fornecendo uma forte evidência de divisão do trabalho reprodutivo. Essa divisão do trabalho reprodutivo - tipicamente uma rainha reprodutiva, e trabalhadores e soldados não-reprodutivos - é um clássico critério de eusocialidade. Análise de DNA das 10 colônias mencionadas confirmaram que a maioria delas continha indivíduos geneticamente idênticos, apesar de duas terem apresentado mais de um genótipo.
E como temos samambaias individuais mais velhas e seus clones mais novos ("filhotes") vivendo juntas compartilhando água e nutrientes, temos duas outras exigências atendidas: sobreposição de gerações e cuidado dos filhotes.
Juntando todos os achados, temos fortemente sugerido mais uma surpresa na Biologia Evolutiva: primitiva eussocialidade em plantas, uma complexa organização social antes pensada existir apenas em animais. Os pesquisadores agora planejam estudar um número maior de colônias da samambaia eusociável para confirmar a proposta e melhor entender essa novidade na Botânica. Mas eles reforçam que, claramente, existe uma relação eusocial em algum sentido da palavra nessa espécie.
(1) Publicação do estudo: https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/ecy.3373
Referência adicional: Blog PNAS
