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Novo coronavírus pode infectar os testículos e causar sérios ataques autoimunes

 

- Atualizado no dia 4 de setembro de 2021 -


Dois recentes estudos trouxeram mais evidências de danos causados pela infecção com o novo coronavírus (SARS-CoV-2) que podem explicar parte do espectro sintomático da COVID-19. Esses achados se somam a vários outros alertando para o perigo da disseminação descontrolada do SARS-CoV-2 e suas variantes de preocupação, cujos danos sistêmicos de curto, médio e longo prazo ainda estão sendo explorados e descritos pela comunidade científica. Uso universal de máscaras (em especial os modelos Pff2 e N95), vacinas, melhor ventilação em ambientes fechados e distanciamento físico são essenciais para se prevenir a disseminação do vírus. Esse alerta é ainda mais importante para a questão da COVID-19 longa, relativa a sérios efeitos colaterais pós-recuperação. 


Para mais informações:


INFECÇÃO TESTICULAR


No primeiro estudo, publicado no periódico Microorganisms (Ref.1), pesquisadores da Ramificação Médica da Universidade do Texas mostraram que o SARS-CoV-2 pode infectar os testículos de hamsters, roedores sendo muito usados como modelos experimentais de infecção em testes clínicos in vivo.


Dados clínicos e laboratoriais de pacientes humanos sugerem que o SARS-CoV-2 pode infectar vários órgãos além do tecido pulmonar, incluindo o coração, rins, cérebro, células sanguíneas, entre outros tecidos e células que expressem o receptor glicoproteico ACE2 e a protease TMRPSS2. Infecção do trato genital masculino tem sido reportada para uma variedade de vírus, incluindo filovírus (ex.: Ebola e Marburg), flavivírus (ex.: Zika) e paramixovírus (ex.: caxumba), com implicações para a transmissão sexual, persistência, fertilidade e saúde testicular. De fato, a infecção da genitália masculina pode ter papel importante na patogênese da COVID-19, já que existem maiores taxas de infecção e de fatalidade entre os homens quando comparado com mulheres (!), sugerindo que os tecidos do trato genital do sexo masculino podem funcionar como um local de replicação viral ou influenciar na severidade da doença.


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Está se tornando cada vez mais claro que a COVID-19 afeta os testículos, como evidenciado por dor na área testicular, análises histológicas e de ultrassom, redução no número de células de Leydig que produzem hormônios andrógenos, redução nos níveis de testosterona, e a presença de inflamação testicular em pacientes. Autópsias têm revelado significativa disrupção dos testículos a nível celular, incluindo a presença de células imunes. Espermatogênese pode também ser afetada, e RNA do SARS-CoV-2 tem sido detectado no sêmen. Porém, ainda não é claro se danos testiculares observados em certos casos de COVID-19 são causados pela infecção direta pelo SARS-CoV-2, danos indiretos por excessos inflamatórios ou uma combinação desses mecanismos.


Estudos prévios analisando os níveis de ACE2, TMPRSS2, e catepsinas sugerem que os testículos são potencialmente vulneráveis ao SARS-CoV-2.


No novo estudo, para trazer uma evidência mais robusta de que os testículos de mamíferos são alvos do SARS-CoV-2, os pesquisadores conduziram experimentos in vivo usando hamsters como modelos de infecção. Análises  revelaram a presença de RNA viral do SARS-CoV-2 nos testículos de hamsters intranasalmente infectados (como provavelmente ocorre com a grande maioria dos infectados humanos) em maior parte durante a primeira semana pós-infecção, mas sem proeminentes danos histopatológico observados. Além disso, em experimentos ex vivo envolvendo células testiculares de hamster, foi mostrado que o SARS-CoV-2 pode infectar e se replicar nesse tecido - algo acusado pelo aumento quantitativo de partículas virais no meio e detecção de dsRNA nos túbulos seminíferos e interstício -, sugerindo que os testículos pode ser um local de replicação transiente em casos não-fatais de COVID-19.


Os resultados, nesse sentido, sugerem que danos testiculares em casos severos de COVID-19 podem ser parcialmente causados por danos diretos pelo SARS-CoV-2 ao infectar células do testículo. Abre também a possibilidade para uma possível transmissão sexual da COVID-19. Estudos clínicos em humanos serão necessários para esclarecer melhor essa questão.


RESPOSTA AUTOIMUNE


No segundo estudo, publicado no periódico Clinical & Experimental Immunology (Ref.3), pesquisadores da Universidade de Birmingham encontraram que vários pacientes com COVID-19 produzem respostas imunes contra os próprios tecidos ou órgãos do corpo. O achado corrobora evidências prévias de que a infecção pelo SARS-CoV-2 está engatilhando doenças autoimunes, incluindo um aparente e substancial aumento na incidência de lúpus sistêmica eritematosa aqui no Brasil (Ref.5).


Apesar da etiologia exata das doenças autoimunes permanecer ainda desconhecida, existem vários fatores acreditados de contribuírem para a emergência de uma doença autoimune, incluindo predisposição genética, gatilhos ambientais (ex.: infecções virais, bacterianas e fúngicas), fatores hormonais e desregulação do sistema imune. Nesse "Mosaico de Autoimunidade", tem sido proposto que vários agentes virais - através de um número de mecanismos moleculares imune-mediados - podem ser a causa de iniciação de doenças autoimunes, incluindo os vírus da hepatite e da herpes.


Dados clínicos acumulados até o momento sugerem que o fenômeno da autoimunidade pode exacerbar a patologia imune associada com a infecção pelo SARS-CoV-2 ou engatilhar complicações autoimunes de longo prazo. Existem reportes de infecção com o SARS-CoV-2 associadas com um número de desordens autoimunes, incluindo síndrome de Guillain-Barré e várias citopenias. Análises sorológicas têm encontrado anticorpos neutralizantes contra citocinas e interferons humanos em uma boa parcela de pacientes com pneumonia causada pela COVID-19. É sugerido também que a síndrome multissistêmica inflamatória pediátrica pós-COVID-19 (!) pode ser engatilhada por anticorpos anti-endoteliais.


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ATUALIZAÇÃO (04/09): Um estudo publicado no periódico Science Immunology (Ref.6) trouxe robusta evidência de que ataques autoimunes deflagrados pela COVID-19 são responsáveis por agravar o quadro clínico dos pacientes. O estudo analisou 3595 pacientes de 38 países com COVID-19 severa e encontrou que cerca de 10% do total possuíam autoanticorpos que atacam e bloqueiam interferons do Tipo 1, moléculas proteicas sinalizadoras no sangue que possuem papel crítico na luta contra infecções virais. A incidência desses autoanticorpos mostraram aumentar dramaticamente naqueles com mais de 70 anos de idade. Entre os pacientes que morreram, 18% tinham autoanticorpos. Os pesquisadores também encontraram que indivíduos com mutações genéticas que prejudicam a atividade dos interferons Tipo 1 estão em maior risco de sérias doenças.

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No novo estudo, os pesquisadores investigaram a frequência e a especificidade de autoanticorpos clinicamente relevantes em 84 indivíduos previamente infectados com o SARS-CoV-2, sofrendo de COVID-19 de diferentes graus de severidade tanto na fase aguda quanto na fase convalescente (pós-recuperação). Para comparação, foram investigados 32 indivíduos que passaram pela unidade de terapia intensiva (UTI) por razões não associadas à COVID-19.


Na análise observacional e comparativa, os pesquisadores encontraram um maior número de autoanticorpos - anticorpos atacando a próprio organismo - nos paciente com COVID-19 (54-77%) do que no grupo de controle (41%) e que esses autoanticorpos duravam até seis meses. Pacientes sem COVID-19 exibiam um padrão diverso de autoanticorpos, enquanto que os pacientes com COVID-19 tinham um painel (anti-antígenos) mais restrito de autoanticorpos, incluindo pele, músculo esquelético, tecido gástrico e anticorpos cardíacos. Pacientes com COVID-19 mais severa eram mais prováveis de terem um autoanticorpo no sangue.


É ainda incerto se essas respostas autoimunes mais localizadas estão sendo geradas especificamente pelo SARS-CoV-2 ou devido a efeitos inflamatórios inespecíficos decorrentes da doença. Mais estudos de maior porte são necessários não apenas para esclarecer essa questão, como também a relevância clínica do achado.


REFERÊNCIAS

  1. https://www.mdpi.com/2076-2607/9/6/1318/htm
  2. https://www.rbmojournal.com/article/S1472-6483(20)30388-6/abstract 
  3. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/cei.13623 
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7289100/
  5. https://ard.bmj.com/content/early/2021/04/21/annrheumdis-2021-220410
  6. https://www.sciencemag.org/doi/10.1126/sciimmunol.abl4340

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