Evapotranspiração global está aumentando e a oxigenação de lagos diminuindo devido ao aquecimento global antropogênico
Um time de pesquisadores do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, encontrou que a evapotranspiração global acumulou um crescimento de 10% de 2003 até 2019. O achado foi descrito e reportado em um estudo publicado recentemente na Nature (Ref.1), e, apesar da influência do fenômeno climático El Niño-Oscilação Sul em parte da variabilidade da evapotranspiração observada, o principal fator contribuinte determinado foi o aumento da temperatura superficial da Terra devido ao aquecimento global antropogênico. E o crescente problema do aquecimento global está trazendo outra consequência, também reportada esta semana em um estudo na Nature (Ref.2): preocupante e disseminada redução da oxigenação de lagos temperados.
EVAPOTRANSPIRAÇÃO
A evapotranspiração é, basicamente, a transferência de água do sistema solo-planta para a atmosfera, e é um dos principais componentes do ciclo da água no planeta. O termo faz menção à soma da água perdida para a atmosfera a partir de evaporação da umidade do solo (incluindo aquela proveniente via capilaridade de reservatórios subterrâneos) e da água transpirada por plantas, quando estas absorvem água do solo pelas raízes e deixam escapar parte dela essencialmente pelas folhas. A água evapotranspirada responde por cerca de 10% da umidade atmosférica, com a evaporação de oceanos e outros corpos de água (lagos, rios, etc.) contribuindo com quase 90%, e com a sublimação (passagem do sólido direto para a fase gasosa) de água congelada (neve, geleiras) respondendo pelo restante.
As taxas de evapotranspiração variam dramaticamente dependendo de vários fatores, como temperatura, umidade, disponibilidade e intensidade dos raios solares, precipitação, tipo de solo e de planta, ventos, inclinação da camada superficial do solo, entre outros. Plantas transpiram em diferentes taxas, e algumas plantas que crescem em regiões áridas, como cactos e suculentas, evoluíram adaptações para preservar a maior quantidade de água possível, e, portanto, perdem muito menos água para a atmosfera do que outras plantas. A transpiração e a evaporação também são elevadas à medida que as temperaturas do ar e da superfície do solo aumentam; maiores temperaturas levam estruturas celulares (estômatos) na superfície das folhas - por onde a água é perdida para a atmosfera - a abrirem, enquanto baixas temperaturas promovem o fechamento dos estômatos.
Cientistas têm predito por vários anos que o ciclo da água na Terra irá ganhar substancial energia à medida que a superfície do nosso planeta se aquece devido ao aquecimento global causado pelo excesso de emissão de gases estufas na atmosfera a partir das atividades humanas (atividades antropogênicas). Esse aumento de energia no sistema acaba levando a maiores níveis de evapotranspiração e maior capacidade da atmosfera de reter vapor d'água (por sua vez intensificando ainda mais o efeito estuda - feedback positivo) (1). Porém, provar isso têm sido difícil por causa de limitações metodológicas.
(1) Para mais informações sobre o tema, acesse: Quais os mecanismos do efeito estufa atmosférico?
Estimativas da taxa global de evapotranspiração são derivadas de uma variedade de fontes, incluindo modelos, sensoriamento remoto e observações in situ. No entanto, as atuais metodologias estão associadas com extensivas incertezas, e, como resultado, reais variabilidades e tendências na evapotranspiração global continuam largamente indeterminadas.
No novo estudo, para superar essas limitações metodológicas, cientistas da NASA usaram dados gravitacionais obtidos de satélites dos sistemas GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment) e do GRACE-Follow On (GRACE-FO), visando estimar as variações de quantidade da massa de água em diferentes partes da superfície do planeta, prevenindo interferências (ex.: cobertura de nuvens) que antes geravam grandes faixas de incerteza. Esses satélites literalmente e fisicamente se movem quando puxados pela gravidade. Quando o campo gravitacional sofre variações, os movimentos dos satélites resultantes são registrados por esses últimos.
Para medir com exatidão a evapotranspiração, os pesquisadores assumiram que toda chuva é dividida em evapotranspiração, descarga de rios e armazenamento de água solo-baseado. Ao medir individualmente as variações de massa de água associadas à precipitação, descarga fluvial e ao solo, eles conseguiram estimar com precisão a evapotranspiração. Eles, então, reuniram e analisaram dados de variação gravitacional acumulados de 2003 até 2019.
Os resultados das análises mostraram que houve um progressivo e estatisticamente significativo aumento da evapotranspiração nesse período de 16 anos, equivalente a 2,3 mm por ano, e correspondendo a um aumento de 10 ± 2% em relação à média de longo prazo. O achado corrobora a hipótese de que a evapotranspiração global tem aumentado com o contínuo processo de aumento da temperatura superficial média global. De fato, os pesquisadores estimaram que mais de 50% desse aumento da evapotranspiração é dirigido pelo aquecimento global antropogênico, enquanto que apenas 17% da variabilidade observada era devido ao fenômeno do El Niño (Oscilação Sul). E isso traz implicações preocupantes.
Um contínuo e significativo aumento da evapotranspiração afeta a quantidade de água superficial disponível para a agricultura e os suprimentos de água para a população (ex.: redução no fluxo de rios). No futuro, essa tendência pode também significar drástica perda de água do solo em algumas regiões - levando a secas severas e maior risco de incêndios florestais - enquanto outras áreas irão experienciar chuvas mais intensas à medida que a circulação atmosférica é afetada.
OXIGENAÇÃO DE LAGOS
Todas as formas complexas de vida dependem de gás oxigênio (O2), este o qual é também o sistema de suporte para as cadeias alimentares no ambiente aquático. Quando você tem críticas perdas de oxigênio molecular dissolvido no ambiente aquático, temos um grande potencial para massiva perda de espécies. Apesar dos lagos constituírem apenas cerca de 3% da superfície não-oceânica da Terra, esses reservatórios naturais de água contêm uma enorme biodiversidade.
Nesse sentido, no segundo estudo, pesquisadores resolveram analisar os níveis de oxigênio de 393 lagos presentes em regiões de clima temperado. Foi realizada a quantificação de oxigênio dissolvido em um total de 45148 amostras coletadas desses lagos em um período de 1941 até 2017.
Os resultados das análises mostraram que houve um declínio de 5,5% na oxigenação da superfície desses lagos e de 18,6% nas águas mais profundas desde 1980. Essas reduções são 2,7-9,3 vezes maiores do que aquelas observadas nos oceanos no mesmo período. Já em grande parte de um subconjunto de lagos ricos em nutrientes (incluindo poluentes oriundos da agricultura), os pesquisadores observaram um aumento nos níveis superficiais de oxigênio no mesmo período, porém causado pelo aumento da disseminação de cianobactérias (fotossintéticas) na superfície favorecidas pelas maiores temperaturas. Essas cianobactérias podem criar toxinas durante a proliferação, ameaçando vários outros seres vivos ali presentes, como peixes.
A saturação de oxigênio, ou a quantidade de oxigênio que um corpo de água pode manter dissolvida, diminui à medida que a temperatura sobe. E esse foi o principal mecanismo que os pesquisadores encontraram para a redução dos níveis de oxigênio na superfície desses lagos. Com um aumento de temperatura de 0,38°C por década, eles encontraram que a solubilidade do oxigênio caía em 0,11 mg/litro por década.
Em relação à robusta redução nas águas mais profundas, o mecanismo principal determinado foi a crescente estratificação térmica da água nos lagos acompanhando o persistente aumento da temperatura na superfície (dificultando os movimentos de convecção que levam as águas superficiais mais ricas em oxigênio para as camadas mais profundas) (2).
(2) Para mais informações sobre estratificação das águas e outros rastros do aquecimento global antropogênico, acesse: Rastros do Aquecimento Global Antropogênico se tornando cada vez mais explícitos
Essas tendências podem representar uma séria ameaça aos serviços ecológicos essenciais fornecidos pelos lagos que suportam tanto a biodiversidade associada quanto as populações humanas.
REFERÊNCIAS
- https://www.nature.com/articles/s41586-021-03503-5
- https://www.nature.com/articles/s41586-021-03550-y
- https://www.usgs.gov/special-topic/water-science-school/science/evapotranspiration-and-water-cycle