Últimas Notícias

[5]

Estamos usando de forma inútil os termômetros de infravermelho para o controle epidêmico

 
Após infecção pelo SARS-CoV-2, é estimado um tempo de incubação e emergência de sintomas de 5-6 dias, e com 97,5% dos infectados sintomáticos desenvolvendo sintomas dentro de 11,5 dias. Em geral, os sintomas mais comuns da COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2) englobam tosse, falta de ar ou dificuldade para respirar, fatiga, perda de olfato e/ou paladar, e febre. No caso da febre, têm sido reportado que 80-90% dos pacientes sintomáticos apresentam algum grau de febre, a maioria febre leve a moderada (1). Nesse sentido, triagens com base na temperatura das pessoas se tornou um ponto focal de detecção de potencias casos durante a pandemia. De fato, aqui no Brasil, após a abertura do comércio em diversas regiões do país em meio à pandemia, uma cena se tornou mais do que comum na porta dos estabelecimentos, especialmente shoppings: a medição de temperatura dos clientes e funcionários, principalmente através de termômetros digitais de infravermelho na testa.


- Continua após o anúncio -


O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) considera febre uma temperatura maior ou igual a 38°C obtida com um termômetro de não-contato a base de infravermelho. A utilização desse aparelho de medição é simples: após ligá-lo, a própria pessoa pode mirar a parte frontal na testa - ou no braço - e através do sensor de infravermelho será feita a medição. Caso o termômetro apite, significa que ela está com febre, e a pessoa não poderá entrar no estabelecimento. Acima de 37,8ºC tem sido considerado sinal de febre aqui no Brasil. No contexto da pandemia, esses termômetros à primeira vista são perfeitos, já que são rápidos de serem usados, muito práticos, não requerem contato direto com o indivíduo, emitem radiação inofensiva e não precisam de esterilização e nem são descartáveis.


Porém, essa estratégia de identificação de casos é falha em vários sentidos, e um estudo publicado esta semana no periódico Open Forum Infectious Diseases (2) sugeriu total ineficácia da forma como está sendo empregada. E isso é mais do que preocupante, considerando que muitos estabelecimentos usam apenas isso e uma borrifada de álcool (solução de etanol) nas mãos para garantir a entrada dos clientes sem necessidade de respeitar o distanciamento social - sendo que hoje é bem estabelecido que a forma principal de disseminação do vírus é pelo ar (gotículas e aerossóis contaminados). Mesmo com o uso de máscaras, a grande aglomeração dentro de locais fechados podem fomentar dramaticamente a disseminação do vírus, especialmente com o fator de 'falsa sensação de segurança' ("ausência de febre" supostamente garantida).


No novo estudo, os pesquisadores - especialistas médicos da Johns Hopkins Medicine e da Escola de Medicina da Universidade de Maryland, EUA - levantam várias questões sobre o uso da febre como ferramenta de triagem. Primeiro, o que seria definido febre? E onde a temperatura deveria ser medida (oral, membrana timpânica ou superfície da pele na testa) e usando qual tipo de termômetro? Por exemplo, os autores do estudo citaram que em uma população (534) de pacientes infectados com SARS-CoV-2, apenas 43% expressaram temperatura corporal acima de 38,1°C, e isso usando um termômetro na axila, ou seja, a relevância dessa observação para outros métodos de medição da febre são incertas.


Mais importante, devido ao fato da temperatura variar através do corpo dependendo do local anatômico, o termo "temperatura corporal" acaba não possuindo real sentido. Existe uma temperatura axilar, uma temperatura oral, uma temperatura retal e assim por diante, e todas as quais diferem umas das outras. Em geral, temperaturas axilares são levemente inferiores do que temperaturas orais simultaneamente medidas, e as quais são menores do que temperaturas retais. "Temperatura do core" - geralmente definida como a temperatura do sangue nas veias pulmonares - é o mais próximo do que seria uma "temperatura corporal", ou seja, a temperatura do ambiente interno do corpo - e que é menos influenciada pelas temperaturas ambientais do que as temperaturas superficiais (axila, boca ou pele). No entanto, a medição da temperatura do core requer cateterização da artéria pulmonar, um procedimento nem seguro nem prático para ser usado como teste de rastreamento.


Os pesquisadores citaram que até 23 de fevereiro deste ano, mais de 46 mil passageiros foram testados com termômetros digitais de infravermelho em certos aeroportos selecionados dos EUA, e apenas uma única pessoa infectada com o SARS-CoV-2 foi identificada. Até 21 de abril, foram 268 mil passageiros testados em aeroportos no país, entre os quais apenas 14 foram identificados estarem infectados. Certamente muitos infectados e com potencial de transmissão deixaram de ser identificados.


- Continua após o anúncio -


Vários são os interferentes que podem comprometer a acuracidade, reprodutibilidade e relação com a temperatura de núcleo dos termômetros de infravermelho sendo usados. A temperatura do corpo depende da idade, do sexo e do uso de medicamentos (especialmente fármacos antipiréticos) sendo tomados. Mulheres, por exemplo, possuem uma temperatura levemente maior do que homens. Além disso, a temperatura média corporal varia com o ciclo circadiano, sendo menor na parte da manhã do que na parte da noite (~0,56°C pela via oral). No caso da temperatura superficial (pele), existe a questão da emissividade (capacidade de emitir calor via radiação), a qual é influenciada pelo tipo de pele da pessoa, produção de suor e vestimentas; fatores ambientais, como a distância do sensor de medição e a temperatura-umidade ambiente também afetam as leituras pelos termômetros digitais de infravermelho.


Nesse mesmo caminho, as fases da febre em si são importantes fatores determinando os resultados obtidos com esses termômetros. Durante a fase de ascensão da febre, um aumento na temperatura do core ocorre por causa da vasoconstrição cutânea que reduz a liberação de calor do corpo. Durante a defervescência (diminuição da febre), a vasodilatação cutânea produz o efeito oposto. Por causa da dependência da emissão de radiação térmica da pele (infravermelho longo) para a leitura do termômetro digital, ambas as respostas cutâneas podem limitar substancialmente a capacidade de detectar a presença de febre.


Os autores também citaram um estudo onde termômetros digitais de infravermelho eram comparados com termômetros eletrônicos, visando a medição da temperatura de águas de banho variando de 32°C até 42°C. As análises registraram diferenças de 1-2,12°C entre as leituras obtidas com os termômetros de infravermelho e aquelas obtidas com um termômetro eletrônico, e com a diferença térmica aumentando com o aumento da temperatura da água. E com base nas temperaturas obtidas de 1000 voluntários adultos saudáveis, o estudo determinou que a temperatura normal medida pela testa é de 31°C até 35,6°C, com o valor inferior muito menor do que uma temperatura normal medida por outras vias, ou seja, muitos casos de febre podem passar despercebidos.


Por fim, é estimado que 20-40% das infecções com o SARS-CoV-2 são assintomáticas, com os indivíduos infectados e potencialmente infecciosos ficando "invisíveis" aos termômetros.


- Continua após o anúncio -


Somadas todas essas limitações, os autores do novo estudo concluíram que testagens em massa usando termômetros digitais de infravermelho para triar casos de infecção com SARS-CoV-2 são inefetivas. Eles sugeriram que melhores estratégias envolvendo a detecção de febre sem contato direto combinada com outras medidas de rastreamento devem ser empregadas, incluindo:


a) diminuir a temperatura mínima usada para identificar pessoas infectadas sintomáticas, especialmente quando a medição visar idosos ou imunocomprometidos;


b) testagem em grupo (RT-PCR) para permitir vigilância em tempo real e monitoramento do vírus em uma situação mais prática (3);


c) termômetros "inteligentes", na forma de aparelhos de vestuário (contato direto com a pele) combinados com dispositivos de GPS (ex.: smarthphone);


d) monitoramento dos níveis de partículas virais (SARS-CoV-2) em esgotos, como já vem sendo com sucesso em Minas Gerais, como parte do projeto de vigilância epidêmica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (4).


IMPORTANTE: Febre NÃO é algo deletério para o corpo caso não alcance valores muito altos, pelo contrário, é um auxiliar importante do sistema imune. Nesse sentido, não é uma boa estratégia terapêutica sair diminuindo qualquer sinal de febre com medicamentos. Para mais informações, acesse:  É benéfico sempre procurar baixar a febre? 


(1) Publicação do estudo: https://academic.oup.com/ofid/advance-article/doi/10.1093/ofid/ofaa603/6032722


(2) Referências adicionais:


(3) Sugestão de leitura (exemplo): China mostra ao governo Brasileiro como usar os testes RT-PCR no controle epidêmico


(4) Para mais informações: Existem mais de 1 milhão de infectados pelo novo coronavírus em BH, estima estudo da UFMG


Estamos usando de forma inútil os termômetros de infravermelho para o controle epidêmico Estamos usando de forma inútil os termômetros de infravermelho para o controle epidêmico Reviewed by Saber Atualizado on dezembro 19, 2020 Rating: 5

Sora Templates

Image Link [https://2.bp.blogspot.com/-XZnet68NDWE/VzpxIDzPwtI/AAAAAAAAXH0/SpZV7JIXvM8planS-seiOY55OwQO_tyJQCLcB/s320/globo2preto%2Bfundo%2Bbranco%2Balmost%2B4.png] Author Name [Saber Atualizado] Author Description [Porque o mundo só segue em frente se estiver atualizado!] Twitter Username [JeanRealizes] Facebook Username [saberatualizado] GPlus Username [+jeanjuan] Pinterest Username [You username Here] Instagram Username [jeanoliveirafit]