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Humanos com uma artéria extra no antebraço estão ficando mais comuns: possível evolução

- Atualizado no dia 11 de setembro de 2023 -


A artéria mediana tem sido considerada uma estrutura embrionária, a qual normalmente regride ao redor da 8° semana de gestação. No entanto, têm sido reportado na literatura acadêmica que a persistência dessa artéria além da gestação até a fase adulta está aumentando de frequência entre humanos modernos (Homo sapiens) desde o final do século XIX. Em um estudo recentemente publicado no periódico Journal of Anatomy (Ref.1), pesquisadores confirmaram que o fenótipo de persistência da artéria mediana está de fato ficando cada vez mais comum: enquanto a prevalência dessa estrutura anatômica era de 10% entre as pessoas nascendo na década de 1880, essa prevalência aumentou para aproximadamente 30% até o final do século XX. Segundo os pesquisadores, se essa tendência se manter, até o final do século XXI todos os humanos estarão carregando uma artéria mediana persistente. Esse processo parece estar sendo intermediado por um real processo evolutivo.


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ARTÉRIA MEDIANA


A artéria mediana do antebraço humano têm sido descrita como um vaso fetal que supre a mão e regride com o desenvolvimento das artérias radial e ulnar. A regressão da artéria mediana se inicia aproximadamente na oitava semana da vida intrauterina. No entanto, essa artéria persiste em um considerável número de fetos com idades gestacionais de 13-38 semanas, em recém-nascidos, em bebês e em adultos.


Dois principais fenótipos da persistência da artéria mediana - palmar e antebraquial - têm sido descritos. Esses dois tipos de vasos suprem o antebraço e a mão (palmar), ou apenas o antebraço (antebraquial); esse último fenótipo é reportado de ser muito mais prevalente, respondendo por ~70% dos casos (Ref.3). A artéria mediana corre ao longo do nervo mediano no seu lado medial ou lateral na terça parte proximal do antebraço, e na parte distal está localizada entre a superfície anterior do nervo mediano e a superfície mais profunda do músculo flexor digitorum superficialis. O arranjo da artéria mediana tanto na parte proximal do antebraço (fenótipo antebraquial) quando no fenótipo palmar varia de indivíduo para indivíduo. Por exemplo, no fenótipo antebraquial, algumas pessoas possuem essa artéria terminando na parte distal do antebraço, não alcançando o pulso. 


 
Padrões antebraquial (a) e palmar (b) da artéria mediana persistente (MA), e localização das artérias radial (RA) e ulnar (UA). Ref.3 

A artéria mediana, quando presente além da gestação, passa através do túnel cárpico, e pode comprimir o nervo mediano, causando a síndrome do túnel do carpo (caracterizada por dormência e formigamento crônicos na mão e no braço). Além disso, limitações espaciais no túnel cárpico podem causar trombose, aneurisma, calcificação ou ruptura traumática da artéria (Ref.4-6). Em adição, a persistência da artéria mediana pode contribuir para problemas de suprimento de sangue na mão, incluindo isquemia. Nesse sentido, esse fenótipo anômalo é geralmente considerado desvantajoso/deletério quando complicações emergem devido à presença da artéria extra. 


No entanto, em raros exemplos, a persistência da artéria mediana pode ser vantajosa ao agir como um 'vaso de emergência': se algum dano à artéria radial ou ulnar ocorrer, a mão ainda pode continuar recebendo suprimento sanguíneo compensatório da artéria mediana. Além disso, como a prevalência reportada da artéria mediana em adultos operando para a síndrome do túnel do carpo (de 2,8% até 8,3%) é inferior àquela observada na população em geral, é incerto se a persistência dessa artéria é realmente um fator de risco para a condição como tão comumente alegado (Ref.3, 7-8)


Estaria um efeito benéfico fomentando uma maior prevalência dessa artéria na população humana? Ou os avanços na medicina associados ao tratamento da síndrome do túnel cárpico tornaram a contribuição deletéria da artéria mediana irrelevante, diminuindo a pressão seletiva em humanos para a ausência da artéria extra? Em ambos os cenários, teríamos um potencial processo evolutivo ocorrendo.


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Nesse sentido, no estudo de 2020, os pesquisadores visaram investigar a prevalência de persistência pós-natal da artéria mediana nos humanos ao longo dos últimos 250 anos e testar a hipótese se uma tendência secular de aumento na sua prevalência tem ocorrido, investigando também covariáveis étnicas, geográficas e sexuais associadas. Para isso, foi realizada uma análise em 78 cadáveres de indivíduos Australianos com idades de 51 a 101 anos que morreram no período de 2015-2016 e uma revisão da literatura acadêmica.


A análise do membro superior dos cadáveres mostrou uma taxa de prevalência da artéria mediana de 33,3% (26 entre os 78 membros analisados). A análise da literatura acadêmica, após ajuste para possíveis padrões tendenciosos, também mostrou de forma consistente uma prevalência de 30% dessa artéria no final do século XX. Enquanto que em 1846 aproximadamente 10% das pessoas possuíam a artéria, em 1997 essa prevalência aumentou para 30%. Enquanto a prevalência de aproximadamente ou em torno de 30% foi reportada na Austrália, Europa, na África do Sul e na Malásia, a taxa mostrou variar bastante dependendo da localização geográfica, entre 1,5% e 60%. Foram também observadas significativas diferenças nas taxas de prevalência quanto ao sexo (homem/mulher) e quanto à presença da artéria em um (unilateral) ou ambos os braços (bilateral) - com maior prevalência no membro esquerdo. 


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O mecanismo para a regressão da artéria mediana arterial é iniciado e regulado por genes específicos. Persistência dessa artéria na fase adulta indica falha da expressão dessas genes. O aumento de 3 vezes da prevalência desse fenótipo nos últimos 150 anos, portanto, fortemente indica um real processo evolucionário, resultante na mudança da frequência de alelos associados a esses genes. Esses alelos podem ser resultados de alteração ou danos genéticos intermediados por mutações. 


Alternativamente, a grávida durante a gestação pode ter sido sujeita a insultos ambientais, como infecções, antes da iniciação do processo de regressão. Isso pode prevenir o início do processo de regressão da artéria mediana. Esse processo de regressão pode progredir da palma em direção ao cotovelo, e um 'insulto de saúde' (ex.: infecção) pode interromper esse processo, deixando na maior parte das vezes um fenótipo do tipo antebraquial residual. Prevalências reportadas de 76% e 73% do fenótipo antebraquial comparado com 20% e 27% do fenótipo palmar nos adultos e fetos, respectivamente, podem favorecer essa hipótese. 


No entanto, os avanços e acúmulos de recursos na medicina moderna têm diminuído bastante infecções e outros insultos à saúde, e seria esperado, portanto, que a persistência da artéria mediana diminuísse de prevalência, não aumentasse de forma dramática. Esse último ponto reforça a hipótese de um processo evolucionário ser o responsável pela tendência observada. Existe também a possibilidade de ambos (fatores evolutivos e não-evolutivos) estarem atuando.


Assim como o aumento da prevalência da artéria mediana persistente, outras estruturas anatômicas têm aumentado de prevalência nos últimos 2-3 séculos entre os humanos modernos, incluindo a espinha bífida oculta, coalizões torsais e a fabela, e com evidências ligando esses mudanças a pressões seletivas (seleção natural) agindo em partes anatômicas específicas. Essas maiores taxas de prevalência, portanto, estariam associadas a processos microevolucionários. Existem também processos potencialmente evolutivos na história humana recente envolvendo redução na taxa de prevalência de certas estruturas anatômicas: Artéria variante na tireoide está ficando menos comum nos humanos: possível evolução?


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A triplicação de prevalência da artéria mediana ao longo dos últimos 150 anos, caso essa tendência seja extrapolada usando uma regressão linear, pode predizer que a artéria mediana estará presente em 100% dos indivíduos nascidos no ano de 2100 em diante, ou seja, aproximadamente 250 anos depois dessa artéria ter sido primeiro reportada como uma anomalia. Para essa predição se tornar verdadeira, as pressões de mutação/seleção natural que causaram o processo microevolutivo devem continuar agindo na população humana por pelo menos mais 103 anos (1997 a 2100). O mais provável é que ocorram mudanças não-lineares nessa tendência esperada, mas também é provável que a taxa de prevalência continue aumentando. Quando essa taxa alcançar 50% ou mais, a persistência da artéria mediana será considerada como uma estrutura normal do antebraço e da mão (!). 


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(!) ATUALIZAÇÃO: Um estudo de meta-análise publicado em 2021 no periódico Clinical Anatomy (Ref.3), analisando quase 10400 indivíduos incluídos em 64 estudos (publicados até 2021), reportou uma prevalência de ~43% da artéria mediana persistente na população em geral (34% do fenótipo antebraquial e 8,6% do fenótipo palmar).

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MEDICINA CHINESA


Aliás, considerando que boa parte da população adulta possui uma artéria mediana persistente, um estudo publicado no periódico Journal of Anatomy (Ref.2) propôs que esse traço anatômico pode explicar o mistério de por que um "novo meridiano" foi adicionado ao antigo sistema de 11 meridianos há mais de 2 mil anos na medicina Chinesa. O 12° meridiano, Meridiano da Mão Jue Yin, corre pelo mesmo caminho da artéria mediana persistente.


Como mostrado na arte, o Meridiano da Mão Jue Yin corre por um caminho exatamente como a artéria mediana persistente. Pintura Chinesa, Dinastia Ming (1368-1664). Welcome Collection, Londres.

A origem dos meridianos (ou canais) no corpo humano descritos nos antigos livros médicos Chineses têm fomentado controversos debates devido ao fato de não existir um consenso sobre a base anatômica dessas estruturas. No clássico livro médico Huangdi Nijing (escrito há ~2 mil anos), 12 principais meridianos são documentados, e esse sistema tem sido considerado o padrão de ouro em todos os livros de medicina Chinesa e de acupuntura até hoje.


Em 1972, houve um surpreendente achado de textos médicos ainda mais antigos desenterrados da tumba de Mawangdui Han (221-168 a.C.), em Changsha, China. Várias versões desses antigos textos, escritos em livros de seda ou tiras de bambu, descreviam 11 meridianos no corpo humano como um sistema padrão de meridianos. Os textos forneciam detalhes sobre os locais originais, caminhos de distribuição, patologias e doenças relacionadas aos 11 meridianos. É sugerido que os caminhos de meridianos descritos nos textos médicos de Mawangdui eram atlas anatômicos equivalentes aos livros de anatomia dos Antigos Gregos.


Comparando os sistemas de 11 e de 12 meridianos entre si, temos o Meridiano da Mão Jue Yin representando o 12° meridiano, o qual é alegadamente localizado no meio do antebraço. Explicações historicamente propostas para a posterior adição de mais um meridiano (ex.: resultado de mudança na antiga numerologia Chinesa) são limitadas. A mais recente e plausível hipótese propõe que o reconhecimento de um terceiro pulso no braço de humanos é a causa para a incorporação do 12° meridiano.


Enquanto que a artéria mediana persistente pode variar em dimensões e padrões de distribuição, e se apresentar como unilateral ou bilateral, uma significativa porção de pacientes com essa variante anatômica pode apresentar um terceiro pulso em adição aos pulsos arteriais radial e ulnar. De fato, pulsação arterial nos pulsos do braço e no tornozelo eram usados como um marcador para identificar meridianos por médicos Chineses na Dinastia Han (220 a.C. - 200 d.C.), e esse é o motivo do porquê a maioria dos meridianos se originarem ou terminam no pulso ou no tornozelo.


Na perna, existem três pulsos palpáveis ao redor do tornozelo correspondentes às artérias tibial posterior, tibial anterior e peroneal. Muito provavelmente, esses são os locais de início dos meridianos identificados por antigos praticantes como os Três Meridianos da Perna Yin. No braço, no entanto, a presença das artérias radial e ulnar é um padrão comum na maioria dos indivíduos, especialmente em tempos mais antigos, quando a frequência de ocorrência da artéria mediana persistente - extrapolando os achados do último estudo (Ref.1) - era significativamente menor a nível populacional. Isso explicaria porque o sistema de Dois Meridianos da Mão Yin era dominante na fase inicial da medicina Chinesa.


Na era pré-anatômica apalpação do pulso de todo o corpo era uma prática comum para se medir o status de saúde. Presumivelmente, com o aumento do volume de pacientes na prática clínica e o acúmulo de medições dos pulsos, os antigos praticantes/médicos podem ter começado a perceber a significativa ocorrência de um terceiro pulso no meio do braço. Isso pode ter fomentado a transição do sistema de meridianos de 11 para 12 meridianos ao adicionar um novo passando pelo centro do antebraço. Aliás, essa mudança se encaixa bem na teoria holística do balanço Yin-Yang, com 6 meridianos no braço e 6 meridianos na perna, uma situação ideal na filosofia Chinesa.


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A hipótese, apesar de não ser conclusiva, fornece evidência de suporte de que a origem dos meridianos Yin na medicina Chinesa foi baseada nas estruturas arteriais do corpo.


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> Aliás, falando em estruturas embrionárias, um impactante estudo publicado em 2019 revelou que numerosos músculos atavísticos dos membros (pernas e braços) - conhecidos de estarem nos membros de vários animais mas geralmente ausentes nos adultos humanos - são de fato formados durante o desenvolvimento embrionário humano e então perdidos previamente ao nascimento. Além disso, os pesquisadores mostraram que alguns desses músculos, como os metacarpais dorsais, desapareceram dos nossos ancestrais vertebrados adultos há mais de 250 milhões de anos, durante a transição evolutiva dos répteis sinapsídeos para os mamíferos. Para mais informações, acesse: Cientistas revelaram vários vestígios evolucionários nos músculos de embriões humanos

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REFERÊNCIAS

  1. Lucas et al. (2020). (Recently increased prevalence of the human median artery of the forearm: A microevolutionary change. Journal of Anatomy, Volume 237, Issue 4, Pages 623-631. https://doi.org/10.1111/joa.13224
  2. Li, Y. M. (2021). Persistent median artery may explain the transition from 11 to 12 meridians in ancient Chinese medicine. Journal of Anatomy, 238(6), 1442–1443. https://doi.org/10.1111/joa.13376
  3. Solewski et al. (2021). The persistent median artery and its vascular patterns: A meta‐analysis of 10,394 subjects. Clinical Anatomy. https://doi.org/10.1002/ca.23770
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10287125/
  5. https://link.springer.com/article/10.1186/s42269-023-01057-2
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10212639/
  7. https://abjs.mums.ac.ir/article_20588.html
  8. Pasternak et al. (2021). Prevalence of the persistent median artery in patients undergoing surgical open carpal tunnel release: A case series. Translational Research in Anatomy, Volume 23, 100113. https://doi.org/10.1016/j.tria.2021.100113

Humanos com uma artéria extra no antebraço estão ficando mais comuns: possível evolução Humanos com uma artéria extra no antebraço estão ficando mais comuns: possível evolução Reviewed by Saber Atualizado on outubro 10, 2020 Rating: 5

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