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Artéria variante na tireoide está ficando menos comum nos humanos: possível evolução?

 

A artéria tireóidea ima é uma artéria variante sobre a superfície anterior da traqueia, e sua ocasional presença é uma preocupação frequentemente ignorada durante a cirurgia de traqueostomia, um dos procedimentos mais comuns realizados em unidades de terapia intensiva (UTI). Em um recente estudo de revisão sistemática e de meta-análise assistida por uma máquina de aprendizado, pesquisadores encontraram que essa artéria extra é quatro vezes mais prevalente em fetos do que em adultos, e está diminuindo em prevalência pós-natal nos humanos ao longo do tempo, aparentemente no sentido de desaparecer da estrutura corporal após o nascimento. Um possível processo evolucionário?


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O termo traqueostomia refere-se à operação que realiza a abertura e a exteriorização da luz traqueal. Trata-se de um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos, com relatos em livros de medicina hindu nos anos 1500 a.C. Historicamente, foi desenvolvida para promover a desobstrução das vias aéreas. Em 1850 na Europa, com a epidemia de difteria, tornou-se popular na prática médica. Com o controle da difteria através de antibióticos e antitoxina, o procedimento entrou em desuso. Coube à Chevalier Jackson a padronização do procedimento em 1909, com sua técnica cirúrgica persistindo com mínima modificação até os dias de hoje. 


Basicamente, existem quatro situações que indicam a realização de traqueostomia: prevenção de lesões laringotraqueais pela intubação translaríngea prolongada; desobstrução da via aérea superior, em casos de tumores, corpo estranho ou infecção; acesso à via aérea inferior para aspiração e remoção de secreções; e aquisição de via aérea estável em paciente que necessita de suporte ventilatório prolongado. A substituição do tubo endotraqueal pela cânula de traqueostomia ainda acrescenta benefícios, proporcionando conforto e segurança do paciente.


Apesar da técnica cirúrgica ser a mais adotada, a traqueostomia percutânea se tornou bastante disseminada nas últimas décadas, visando casos de obstrução aérea aguda ou emergência.


Só nos EUA, é estimado que mais de 100 mil traqueostomias são realizadas a cada ano. Em meio à pandemia da COVID-19, um volume ainda maior de traqueostomias passou a ser realizado ao redor do mundo devido à intubação endotraqueal necessária para pacientes hospitalizados com a doença e que apresentavam síndrome de estresse respiratório agudo requerendo ventilação prolongada.


Apesar de ser geralmente considerada um procedimento de rotina, existe considerável risco associado à traqueostomia. Entre esses riscos estão possíveis complicações como estenose traqueal, hemorragia, fístula traqueocutânea e infecção. Hemorragia operativa nesse contexto é relativamente incomum, com uma incidência de 4%, mas é muito séria e pode ser letal se resultar em obstrução aérea.


Existe um número de potenciais vasos que podem ser sujeitos a hemorragia acidental durante a traqueostomia. Raramente, a artéria tireóidea ima pode estar presente e incidentalmente ser descoberta no procedimento cirúrgico. Essa artéria é uma pequena artéria variante encontrada na superfície anterior da traqueia com uma prevalência variando de 1% a 15% dependendo do estudo de reporte. Lesões e hemorragia fetais associadas com a artéria tireóidea ima já foram também reportadas. Primeiro descrita na literatura médica em 1772, essa estrutura arterial tem sido descrita usando vários sinônimos, incluindo variante da artéria ima da tireioide, artéria de Neubauer, artéria acessória da tireoide e artéria inferior da tireiode.


Ter ciência sobre a existência da artéria tireóidea ima é vital para se evitar hemorragias operativas durante a traqueostomia. Apear dessa variante anatômica ser relativamente bem conhecida, métodos específicos para se evitar lesões acidentais nessa estrutura arterial não foram ainda estabelecidos. Além disso, como mencionado, a prevalência reportada da artéria tireóidea ima tem variado substancialmente entre estudos.


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No novo estudo, um time internacional de pesquisadores, incluindo cientistas da Alemanha, Tailândia e do Reino Unido, resolveu estimar de forma mais acurada a real prevalência da artéria tireóidea ima a nível populacional e entre fetos e adultos, e os padrões anatômicos de origem dessa estrutura. Para isso, eles primeiro realizaram uma revisão sistemática da literatura acadêmica englobando estudos publicados até maio de 2021. Nessa etapa, foram selecionados 36 estudos com um total de 4335 participantes que atendiam aos critérios de inclusão. Na segunda etapa, eles usaram meta-análise, análise de subgrupos, meta-regressão e teste de viés para analisar os estudos selecionados; fatores influenciando a prevalência da artéria tireóidea ima foram detectados usando uma máquina de aprendizado (inteligência artificial) simples e interpretável.


Os resultados das análises mostraram que a artéria tireóidea ima está presente em aproximadamente 3,8% da população em geral, sendo 4,5 vezes mais prevalente nos fetos humanos (14,8%) do que em adultos (3,3%). Entre diferentes regiões geográficas, incluindo Ásia, Europa e América do Norte, as taxas de prevalência não diferiram significativamente. A prevalência muito superior dessa artéria no estágio fetal, segundo os pesquisadores, pode ser explicada embriologicamente. Existe um extensivo suprimento arterial à glândula tireoide durante seu desenvolvimento, mas a maioria dessas artérias regridem, com típica persistência nos adultos apenas da artéria tireóidea superior e da artéria tireóidea inferior. Excessiva vascularização pode fornecer pistas de orientação para a morfogênese e migração da tireoide, e também assegurar eficiente liberação de hormônios da tireoide na circulação fetal. Nesse sentido, a artéria tireóidea ima pode representar uma estrutura normal e necessária durante o desenvolvimento fetal, com falhas na sua regressão levando à sua persistência até a fase adulta.


Sobre a origem anatômica da artéria tireóidea ima, as análises mostraram que essa estrutura pode se originar do tronco braquiocefálico (74%), da artéria carótida comum direita (9,6%), do arco da aorta (7,7%), da artéria torácica interna direita (4,8%), da artéria carótida comum esquerda (1,9%) e da artéria torácica interna esquerda (1,9%).


Na análise de regressão em específico, os pesquisadores encontraram de forma consistente que a prevalência da artéria tireóidea ima após o nascimento está diminuindo ao longo do tempo, com essa tendência sendo observada desde pelo menos o ano de 1844. Ainda é incerta a etiologia desse fenômeno, se devido a fatores ambientais ou um processo evolutivo.



A artéria tireóidea ima não é a única estrutura anatômica cuja prevalência têm sido reportada de estar mudando ao longo dos anos entre os humanos modernos (Homo sapiens). Em 2020, um notável estudo reportou que a prevalência da artéria mediana, uma artéria variante no antebraço, triplicou em prevalência nos últimos 150 anos (!). Outro estudo também publicado em 2020, no periódico Journal of Anatomy (Ref.2), reportou que a prevalência da fabela, uma variante óssea sesamoide sobre o lado posterior do joelho, aumentou de 7,6% em 1900 para 31% em 2000. Embora ambas as estruturas sejam geneticamente determinadas, fatores ambientais podem estar ultimamente engatilhando a persistência da artéria mediana (estrutura fetal normal) e da ossificação da fabela; por outro lado, processos evolutivos podem estar envolvidos (ex.: mecanismo de seleção natural), particularmente no caso da artéria mediana persistente.


(!) Leitura recomendada: Humanos com uma artéria extra no antebraço estão ficando mais comuns: possível evolução


REFERÊNCIAS

  1. Suwannakhan et al. (2022). The decreasing prevalence of the thyroid ima artery: A systematic review and machine learning assisted meta-analysis. Annals of Anatomy - Anatomischer Anzeiger, Volume 239, 151803. https://doi.org/10.1016/j.aanat.2021.151803
  2. Berthaume & Bull (2020). Human biological variation in sesamoid bone prevalence: the curious case of the fabella. Journal of Anatomy, Volume 236, Issue 2, Pages 228-242. https://doi.org/10.1111/joa.13091


Artéria variante na tireoide está ficando menos comum nos humanos: possível evolução? Artéria variante na tireoide está ficando menos comum nos humanos: possível evolução? Reviewed by Saber Atualizado on abril 30, 2022 Rating: 5

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