Cientistas revelam uso sofisticado de ferramentas por formigas
Em um interessante estudo publicado no periódico Functional Ecology (1), pesquisadores reportaram um notável uso adaptativo de ferramentas por formigas de fogo visando retirar alimento líquido de recipientes para diminuir o risco de afogamento. Essa é a primeira vez que um sofisticado uso de ferramenta é reportado em invertebrados, algo antes pensado ser restrito a animais com alto nível cognitivo e grande volume cerebral.
O uso de ferramentas pode ser definido como "a exerção de controle sobre um objeto externo manipulável (a ferramenta) com o objetivo de (i) alterar as propriedades físicas de outro objeto, substância, superfície ou meio via interação mecânica dinâmica, ou (ii) a mediação do fluxo de informação. A habilidade dos animais não-humanos de fazer e usar ferramentas tem fascinado tanto o público quanto cientistas, devido ao fato de ter sido pensado por um longo tempo algo exclusivo de humanos. Na década de 1960, o primeiro caso de uso de ferramenta foi reportado em outro primata superior, os chimpanzés. Desde então, inúmeros outros exemplos de uso de ferramentas - simples e sofisticados - têm sido reportados em mamíferos, aves, peixes e até cefalópodes.
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No entanto, o uso de ferramentas têm sido pouco investigado em invertebrados terrestres, mesmo com alguns insetos demonstrando notável processamento cognitivo, como as abelhas (Abelhas sabem contar, somar, subtrair, aprender símbolos numéricos e discriminar o zero). Até o momento, já foram descritos quase 50 casos de uso de ferramentas em 30 diferentes gêneros de insetos. No caso específico das formigas, todos os casos documentados são encontrados na subfamília Myrmicinae, incluindo as espécies Pogonomyrmex badius, Solenopsis invicta, Novomessor albisetosus, e um número de espécies do gênero Aphaenogaster. Cientistas já haviam demonstrado que certas formigas Aphaenogaster podem selecionar ferramentas apropriadas na busca por alimentos líquidos, indicando certa flexibilidade desses insetos no uso de ferramentas. Permanecia desconhecido se formigas podem ajustar essa estratégia no uso de uma ferramenta particular em resposta a pressões ecológicas.
No novo estudo, os pesquisadores resolveram investigar a habilidade da formiga Solenopsis richteri de reconhecer o risco de afogamento e de ajustar a estratégia do uso de ferramenta nesse sentido. Para isso, em experimentos laboratoriais, foram usados recipientes contendo soluções líquidas de açúcar, com ajuste da tensão superficial nessas soluções através de surfactantes não-tóxicos, e variação das propriedades da ferramenta (tamanho dos grãos de areia disponíveis, no caso). Além disso, os pesquisadores também investigaram se o uso da ferramenta afetava a sobrevivência e a eficiência da coleta de alimentos da S. richteri.
A S. riechteri é nativa da América do Sul, mas agora é uma espécie invasiva no sul dos EUA (as colônias usadas nos experimentos foram coletadas no norte do Condado de Tunica, Mississippi). O exoesqueleto hidrofóbico dessas formigas permite que esses insetos flutuem na água, mas é provável que frequentemente no meio natural enfrentem sérios riscos de afogamento para coletar importantes alimentos líquidos usados como fonte de carboidrato (ex.: néctar). Para exemplificar, alguns polissacarídeos como o dextrano e seus monômeros podem diminuir a tensão superficial da água.
No estudo, os pesquisadores calcularam o risco de afogamento ao medir a proporção de formigas afogadas nos recipientes contendo a solução de açúcar com 2,5 cm de profundidade e com diferentes concentrações de surfactantes. As formigas eram capazes de flutuar sobre a solução de açúcar, mas a proporção de afogadas aumentava significativamente com o aumento de concentração de surfactantes. Os pesquisadores, então, forneceram às formigas grãos de areia de variados tamanhos para testar a preferência desses insetos em criar estruturas de areia quando enfrentavam diferentes riscos de afogamento.
Os resultados do experimento mostraram que quando as concentrações do surfactante estavam acima de 0,05%, representando considerável risco de afogamento, as formigas foram observadas construindo estruturas de areia servindo como um sifão para sugar a água para fora dos recipientes, e de forma efetiva e relativamente segura, como mostrado no vídeo acima. O mais marcante é que essas estruturas nunca foram observadas quando as formigas coletavam a solução contendo apenas açúcar dissolvido, sem surfactante, indicando uma aproximação adaptável para esse novo uso da ferramenta. Aliás, a construção de uma estrutura de sifão para adquirir alimentos líquidos nunca havia sido reportada no reino animal.
Os resultados não apenas demonstram que a habilidade das formigas S. richteri de usarem ferramentas para a coleta de alimentos mas também que esses insetos conseguem reconhecer um aumento de risco na atividade e podem ajustar o uso da ferramenta como resposta. Segundo os pesquisadores, isso sugere que as formigas e outros insetos sociais podem ter considerável altas capacidades cognitivas para estratégias únicas visando a coleta de alimentos.
A conclusão do estudo é baseada em experimentos controlados. Agora, os pesquisadores planejam buscar avaliar esse uso adaptável de ferramenta pelas formigas no meio natural.
(1) Publicação do estudo: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2435.13671
Reviewed by Saber Atualizado
on
outubro 11, 2020
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