Anti-inflamatório colchicina acelera recuperação de pacientes com COVID-19 hospitalizados, aponta estudo
Karina Toledo | Agência FAPESP – Resultados de um estudo clínico conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto indicam que a colchicina – medicamento usado há décadas no tratamento da gota – pode ajudar a combater a inflamação pulmonar e a acelerar a recuperação de pacientes com as formas moderada e grave da COVID-19.
Resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados na plataforma medRxiv, em artigo ainda sem revisão por pares.
“Voluntários tratados com o fármaco ficaram livres da suplementação de oxigênio, em média, três dias antes do que os pacientes que receberam apenas o protocolo terapêutico padrão do hospital. Além disso, puderam voltar para casa mais cedo”, conta à Agência FAPESP o médico Renê Oliveira, que coordenou o estudo no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
De acordo com Paulo Louzada Junior, professor da FMRP-USP e coautor do artigo, a redução observada no tempo de recuperação dos doentes pode representar uma economia significativa para a rede pública de saúde, além de permitir o atendimento de um número maior de pessoas em um mesmo período. “Cada dia de internação em unidade de terapia intensiva [UTI] pode custar entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por paciente. A suplementação com oxigênio, mesmo quando é feita fora da UTI, também é uma terapia cara. A colchicina, por outro lado, é um medicamento barato e com potencial de uso em larga escala. O tratamento completo custou cerca de R$ 30 por paciente”, afirma Louzada Junior.
Outra vantagem do fármaco, segundo os pesquisadores, é o fato de seus eventos adversos serem amplamente conhecidos pelos médicos, sendo o principal deles a diarreia. “De modo geral, a colchicina é considerada segura. Mas é importante ressaltar que, no caso da COVID-19, os benefícios foram observados apenas em pacientes hospitalizados e com algum nível de comprometimento pulmonar. Não recomendamos o uso indiscriminado do fármaco, nem para prevenção e nem para tratar sintomas leves da doença”, destaca Louzada Junior.
Mesmo no caso de pacientes internados em hospital, explicam os pesquisadores, os benefícios ainda precisam ser confirmados em uma pesquisa com um número maior de participantes. “Já solicitamos autorização da Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa] para a próxima fase e, em breve, começaremos a recrutar voluntários”, conta Oliveira.
Evidência padrão-ouro
Para testar a hipótese de que a colchicina poderia amenizar a tempestade de citocinas inflamatórias que costuma ocorrer nos quadros mais graves de COVID-19, os pesquisadores da USP conduziram, entre os dias 1º de abril e 6 de julho, um ensaio clínico controlado, randomizado e duplo-cego. Esse é o tipo de estudo considerado padrão-ouro para guiar a prática clínica, pois, como nem os médicos e nem os pacientes sabem quem de fato está tomando o composto em teste, o risco de vieses (por exemplo, selecionar pacientes mais ou menos graves para determinado grupo) é reduzido.
Os 38 participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos, ambos tratados com o protocolo terapêutico padrão do hospital para COVID-19. Um dos grupos recebeu adicionalmente a colchicina e, o outro, placebo. O trabalho foi realizado no âmbito do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP na FMRP-USP.
Foram incluídos pacientes com insuficiência respiratória que precisaram ser internados para receber suplementação de oxigênio. “Não incluímos no estudo pacientes intubados e mantidos em UTI, mas não haveria contraindicação clínica para o uso da colchicina também nesses casos. Esse perfil de paciente pode vir a fazer parte da próxima fase do ensaio clínico”, diz Oliveira.
Os resultados descritos no artigo são referentes a 35 dos 38 participantes – 18 do grupo placebo e 17 do grupo tratado com colchicina. Um voluntário precisou ser transferido para a UTI antes do início da medicação do protocolo e os outros dois (um do grupo que recebeu colchicina e um do grupo que recebeu placebo) precisaram ser transferidos para a UTI durante o tratamento e, por esse motivo, não completaram o período de observação. Nenhum dos 38 voluntários morreu.
Ao comparar os resultados dos grupos, os pesquisadores concluíram que a colchicina promoveu benefícios em três parâmetros: reduziu o tempo de oxigenoterapia, reduziu o tempo geral de internação e diminuiu mais rapidamente os níveis de proteína C-reativa no sangue, molécula considerada o principal marcador de inflamação sistêmica. “Após sete dias de tratamento, os marcadores inflamatórios retornaram aos níveis normais”, conta Louzada Junior.
Como explica Oliveira, a colchicina age sobretudo em dois tipos de células do sistema imune, os neutrófilos e os macrófagos, reduzindo a produção das chamadas citocinas inflamatórias, entre elas a interleucina-1 beta (IL-1β) e a interleucina-18 (IL-18) e, como consequência, também a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral (TNF). As duas primeiras são as principais responsáveis pela inflamação articular em pessoas acometidas pela gota.
“Os primeiros estudos feitos com pacientes que desenvolveram a forma grave da COVID-19 mostraram que eles apresentavam aumento importante dos níveis sanguíneos dessas mesmas citocinas, principalmente da IL-1β. Então imaginamos que a colchicina poderia ter um efeito benéfico, diminuindo a inflamação pulmonar que leva à insuficiência respiratória”, conta o pesquisador.
A próxima fase do ensaio clínico será aberta, ou seja, os pacientes serão convidados a participar e terão a certeza de estarem tomando o medicamento. Os critérios de inclusão serão menos restritos, podendo participar, por exemplo, pacientes com câncer e outras doenças crônicas, conta Oliveira.
O artigo Beneficial effects of colchicine for moderate to severe COVID-19: an interim analysis of a randomized, double-blinded, placebo controlled clinical trial pode ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.08.06.20169573v2.full.pdf.
> Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.