Nenhuma eficácia clínica da hidroxicloroquina foi encontrada em mais dois estudos
A pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) - responsável pela doença COVID-19 - já acumulou mais de 4,6 milhões de casos confirmados e mais de 307 mil mortes, números que estão certamente muito subestimados. No Brasil são quase 15 mil mortes e mais de 218 mil casos oficialmente registrados. Vários medicamentos estão sendo testados como alternativa terapêutica, incluindo o remdesivir - único fármaco com robusto suporte científico de eficácia até o momento contra a COVID-19 (I) -, favipiravir, ribavirina, lopivanir-ritonavir (usado em combinação), a heparina (II), anticorpos especiais (III), e a hidroxicloroquina e a cloroquina. Todos esses medicamentos expressaram potencial efeito terapêutico em testes in vitro e estão sendo analisados em estudos clínicos ao redor do mundo. No entanto, o lopinavir-ritonavir falhou em robustos estudos clínicos de grande porte - e já está praticamente descartado - e a hidroxicloroquina está associada com resultados clínicos conflitantes e desanimadores.
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A cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina (presença de um grupo hidroxila extra) foram dois dos primeiros medicamentos que emergiram como promissores tratamentos para pacientes com COVID-19. A hidroxicloroquina, de longe, é a mais visada nas aplicações clínicas - na verdade, a única usada em testes clínicos envolvendo pacientes com COVID-19 -, por causa da sua menor toxicidade e potência 3 vezes maior contra o SARS-CoV-2 em testes in vitro, e frequentemente é usada em combinação com o antibiótico azitromicina. A hidroxicloroquina, mesmo menos tóxica, também está associada com sérios efeitos colaterais - principalmente cardíacos -, e qualquer dose em excesso pode ser fatal. Mortes devido a overdoses têm sido reportadas na Nigéria entre pessoas se auto-medicando para tratar a COVID-19. Aqui no Brasil, ficou notório o caso de um médico que morreu ao se auto-medicar com o fármaco (Gilmar Calazans Lima, de 55 anos, na Bahia).
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Apesar de não existir nenhuma evidência científica convincente do seu uso em estudo clínicos de boa qualidade - pelo contrário, reportes de ineficácia clínica são bem mais frequentes -, o presidente Brasileiro Jair Bolsonaro, assim como o presidente Norte-Americano Donald Trump e o presidente-ditador da Venezuela Nicolás Maduro, têm insistido de forma irracional no amplo uso da hidroxicloroquina nos pacientes, tratando o fármaco como uma "bala mágica" contra a COVID-19, e indo contra as recomendações das agências de saúde. Bolsonaro é o mais insistente na questão - erroneamente se referindo à cloroquina, enquanto o foco clínico é a hidroxicloroquina -, e tomou esse medicamento como bandeira ideológica.
Agora, mais dois estudos clínicos, publicados no periódico British Medical Journal (BMJ) e devidamente revisados por pares, trouxeram resultados que advertem contra o uso da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19. Um estudo analisou pacientes Chineses e usou doses mais altas do medicamento, e o outro analisou pacientes Franceses e usou as doses mais comumente adotadas nos testes clínicos ao redor do mundo.
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No primeiro estudo (aberto, controlado e randomizado), publicado no dia 14 de maio (Ref.1), os pesquisadores analisaram 150 pacientes com COVID-19 tratados em hospitais na China de 11 a 29 de fevereiro de 2020. Do total, 75 pacientes foram tratados com a hidroxicloroquina (1200 mg diários por três dias, seguido por uma dose diária de manutenção de 800 mg) junto com o tratamento padrão, enquanto 75 pacientes receberam apenas o tratamento padrão. Os pacientes começaram a receber o tratamento a partir de uma média de 16,6 dias após o início dos sintomas. Dos 150 pacientes, 148 tiveram uma doença de leve a moderada, e dois tiveram uma doença severa.
De acordo com os resultados do estudo, a probabilidade de conversões negativas dentro de 28 dias - ou seja, limpeza da carga viral nos pacientes - no grupo recebendo hidroxicloroquina foi de 85,4%, similar àquele recebendo apenas tratamento padrão (81,3%). Nos pacientes recebendo hidroxicloroquina, 30% do total reportaram eventos adversos, o mais comum sendo diarreia e dois reportando sérios eventos colaterais. No grupo recebendo apenas tratamento padrão, eventos adversos atingiram apenas 9% dos pacientes. A dose maior do que a usual de hidroxicloroquina pode explicar o excesso de eventos adversos.
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No segundo estudo (observacional comparativo), publicado no dia 15 de maio (Ref.2), foram analisados dados de 181 pacientes com idades de 18 a 80 anos, oriundos de hospitais na França e tratados para a COVID-19 do dia 12 de março até 31 de março. Do total, 84 pacientes receberam hidroxicloroquina (600 mg/dia) dentro de 48 horas após a admissão ao hospital, e 89 pacientes receberam apenas tratamento padrão. Oito pacientes adicionais receberam hidroxicloroquina após as 48 horas de admissão ao hospital. Todos os pacientes requereram suprimento extra de oxigênio.
De acordo com os resultados do estudo, a taxa de sobrevivência sem transferência para a unidade de tratamento intensivo (UTI) no 21° dia de hospitalização foi de 76% no grupo tratado com hidroxicloroquina e quase idêntica àquela do grupo recebendo apenas tratamento padrão (75%). A taxa de sobrevivência no geral, ao longo do mesmo período, foi de 89% no grupo recebendo hidroxicloroquina e de 91% no grupo recebendo apenas tratamento padrão. Sobrevivência sem desenvolver síndrome de estresse respiratório agudo nesse período foi de 69% no grupo hidroxicloroquina e de 74% no grupo tratamento padrão. No 21° dia, 82% dos pacientes no grupo hidroxicloroquina foram retirados do suprimento extra de oxigênio, comparado com 76% no outro grupo. Oito pacientes no grupo hidroxicloroquina (10%) experienciaram modificações eletrocardiográficas (eventos adversos) que requereram descontinuação do tratamento.
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Enquanto mais estudos clínicos de grande porte são necessários para confirmar esses resultados, os autores de ambos os estudos afirmaram que os achados não suportam o uso da hidroxicloroquina para tratar pacientes com COVID-19 persistente de leve a moderada, seja em doses mais altas seja em doses mais baixas. Nenhuma significativa eficácia clínica foi observada, e eventos adversos foram comuns sob o uso do fármaco, incluindo anomalias cardíacas. E, mais uma vez, os dois estudos reforçam que a maioria dos pacientes se recuperam apenas com o tratamento padrão. Os resultados também corroboram o último estudo observacional de grande porte sobre a questão, analisando mais de mil pacientes em New York, EUA (IV).
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(IV) Para mais informações, acesse: Hidroxicloroquina não é eficiente contra a COVID-19, sugere estudo observacional
REFERÊNCIAS
Nenhuma eficácia clínica da hidroxicloroquina foi encontrada em mais dois estudos
Reviewed by Saber Atualizado
on
maio 15, 2020
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