Hidroxicloroquina não é eficiente contra a COVID-19, sugere estudo observacional
A hidroxicloroquina vem sendo amplamente utilizado em várias partes do mundo para o tratamento de pacientes com COVID-19 - sendo geralmente recomendado para aqueles com evidência de pneumonia - mesmo sem sólido suporte científico para tal (I). Aliás, revisões sistemáticas e meta-análises sobre as evidências científicas até o momento disponíveis, em geral, não trazem conclusões favoráveis. Agora, dois novos estudos trouxeram evidências ainda limitadas mas importantes de que esse medicamento pode não trazer benefícios terapêuticos contra a COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus. E um terceiro estudo pode explicar parte da falsa sensação de eficácia terapêutica com o uso desse medicamento.
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(I) Leitura recomendada: Cloroquina e hidroxicloroquina são efetivos contra o novo coronavírus?
No primeiro estudo - e o maior até o momento investigando a eficácia terapêutica da hidroxicloroquina -, publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1), os pesquisadores realizaram uma análise observacional de 1446 pacientes consecutivos hospitalizados no Hospital Presbiteriano de New York (NYP) - do Centro Médico Irving da Universidade de Columbia (CUIMC) -, um grande centro hospitalar na cidade de New York, EUA. Foram excluídos pacientes que foram entubados, morreram ou liberados dentro de 24 horas após a apresentação ao departamento de emergência. Com esse critério de exclusão, dados de 70 pacientes foram retirados do estudo.
Dos 1376 pacientes restantes, durante um período de acompanhamento de 22,5 dias, 811 receberam hidroxicloroquina (600 mg duas vezes no dia 1, então 400 mg diariamente por uma média de 5 dias); 45,8% foram tratados dentro de 24 horas após apresentação ao departamento de emergência, e 85,9% dentro de 48 horas. Pacientes tratados com hidroxicloroquina estavam mais severamente doentes do que aqueles que não receberam o medicamento (com base na razão média da pressão parcial de oxigênio arterial em relação à fração de oxigênio inspirado, 223 vs. 360). No geral, 346 pacientes (25,1%) tiveram um evento primário de finalização (180 pacientes foram entubados, dos quais 66 subsequentemente morreram, e 166 morreram sem entubação). Do total, 1025 sobreviveram até a liberação do hospital, e 119 continuaram hospitalizados (somente 24 dos quais não entubados) até a data final do estudo (25 de abril).
Na análise estatística principal, ao se levar em conta vários co-fatores de risco e linha de tratamento, não houve associação significativa entre o uso de hidroxicloroquina e entubação ou morte - ou seja, nenhum benefício ou malefício clínico de importância foi observado com o uso do medicamento. Essa conclusão persistiu mesmo após múltiplas análises sensitivas. Os pesquisadores também reforçaram que estudos clínicos de grande porte e randomizados são necessários para melhor esclarecer a questão.
O segundo estudo, publicado no periódico The FASEB Journal (Ref.2), é uma revisão descrevendo o crescente ceticismo em relação à adoção da cloroquina e da hidroxicloroquina - a cloroquina é uma forma mais tóxica da hidroxicloroquina, e a percursora desta última, e aparentemente menos eficiente contra o SARS-CoV-2 - para o tratamento da COVID-19. Além dos riscos associados a efeitos colaterais cardíacos, os pesquisadores buscaram analisar as atividades antivirais e imuno-modulatórias associadas aos fármacos que poderiam potencialmente ajudar ou mesmo prejudicar os pacientes infectados pelo SARS-CoV-2.
Analisando os estudos clínicos preprints, randomizados ou não, publicados até o dia 22 de abril, os pesquisadores encontraram que as evidências acumuladas reforçavam o ceticismo quanto a eficácia terapêutica dessas drogas. Além disso, eles apontaram outro problema ainda mais grave sendo muitas vezes ignorado. Esses medicamentos possuem uma poderosa ação imunossupressiva, a base para o uso eficiente contra artrite reumatoide e lúpus. No entanto, esses medicamentos já falharam em surtos prévios de vírus respiratórios, incluindo a gripe. E no caso da COVID-19, ainda existe dúvida quanto aos mecanismos exatos ou de maior ênfase responsáveis pela deterioração do paciente, se um ataque direto do vírus - infecção e destruição celulares - e/ou de uma resposta imune excessiva do organismo contra a infecção, na forma de uma 'tempestade de citocinas' (atividade anormal e exagerada de sinalizadores de inflamação).
Os pesquisadores sugeriram, nesse sentido, que esses medicamentos podem inibir reações imunes inatas críticas para a defesa viral, assim como a geração de imunidade adaptativa e célula-mediada que é também necessária para controlar um vírus como o SARS-CoV-2. Eles concluíram que é preciso cuidado ao se receitar fármacos para uma doença ainda amplamente desconhecida e com boa base científica apenas em estudos in vitro.
Nesse último ponto, é mais do que válido citar um estudo publicado no periódico American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine (Ref.3), no qual foi mostrado que a maioria dos pacientes com um quadro mais grave - geralmente envolvendo síndrome respiratória aguda grave - se recuperavam da COVID-19 apenas com o tratamento padrão visando falha respiratória. Os pesquisadores analisaram cuidadosamente os dados de 66 pacientes criticamente doentes tratados no Hospital Geral de Massachusetts (MGH) e no Centro Médico Diaconisa de Israel (BIDMC) entre 11 de março e 30 de março. Eles mostraram que a taxa de morte desses pacientes - que estavam sob tratamento padrão - foi de 16,7%, muito similar daquela reportada em outros hospitais. Além disso, ao longo de um período médio de 34 dias, 75,8% dos pacientes que estavam em ventiladores foram liberados da UTI.
Nesse último estudo, com base nos achados, os pesquisadores alertaram para o uso de novas terapias com baixo suporte científico de eficácia para o tratamento de pacientes com COVID-19. Seria aconselhável esperar por testes clínicos randomizados de grande porte antes de usar um ou outro medicamento ou terapia, e focar nas guias cientificamente bem estabelecidas para o tratamento de pacientes.
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> Um estudo publicado no JAMA Cardiology (Ref.4) e outro como preprint no medRxiv (Ref.5) - ambos recentes (maio) - reportaram que boa parte dos pacientes recebendo hidroxicloroquina, e especialmente se estivessem usando concomitantemente azitromicina, expressavam anormalidades associadas à atividade cardíaca. Os pesquisadores alertaram para o uso a esmo desses medicamentos sem bom suporte científico para tal.
> IMPORTANTE: No momento, apenas um único medicamento - o remdesivir - possui bom suporte científico de eficácia (apesar de limitada) para o tratamento da COVID-19. Para mais informações, acesse: Remdesivir mostrou substancial eficácia clínica no tratamento da COVID-19
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REFERÊNCIAS
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(I) Leitura recomendada: Cloroquina e hidroxicloroquina são efetivos contra o novo coronavírus?
No primeiro estudo - e o maior até o momento investigando a eficácia terapêutica da hidroxicloroquina -, publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.1), os pesquisadores realizaram uma análise observacional de 1446 pacientes consecutivos hospitalizados no Hospital Presbiteriano de New York (NYP) - do Centro Médico Irving da Universidade de Columbia (CUIMC) -, um grande centro hospitalar na cidade de New York, EUA. Foram excluídos pacientes que foram entubados, morreram ou liberados dentro de 24 horas após a apresentação ao departamento de emergência. Com esse critério de exclusão, dados de 70 pacientes foram retirados do estudo.
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Dos 1376 pacientes restantes, durante um período de acompanhamento de 22,5 dias, 811 receberam hidroxicloroquina (600 mg duas vezes no dia 1, então 400 mg diariamente por uma média de 5 dias); 45,8% foram tratados dentro de 24 horas após apresentação ao departamento de emergência, e 85,9% dentro de 48 horas. Pacientes tratados com hidroxicloroquina estavam mais severamente doentes do que aqueles que não receberam o medicamento (com base na razão média da pressão parcial de oxigênio arterial em relação à fração de oxigênio inspirado, 223 vs. 360). No geral, 346 pacientes (25,1%) tiveram um evento primário de finalização (180 pacientes foram entubados, dos quais 66 subsequentemente morreram, e 166 morreram sem entubação). Do total, 1025 sobreviveram até a liberação do hospital, e 119 continuaram hospitalizados (somente 24 dos quais não entubados) até a data final do estudo (25 de abril).
Na análise estatística principal, ao se levar em conta vários co-fatores de risco e linha de tratamento, não houve associação significativa entre o uso de hidroxicloroquina e entubação ou morte - ou seja, nenhum benefício ou malefício clínico de importância foi observado com o uso do medicamento. Essa conclusão persistiu mesmo após múltiplas análises sensitivas. Os pesquisadores também reforçaram que estudos clínicos de grande porte e randomizados são necessários para melhor esclarecer a questão.
O segundo estudo, publicado no periódico The FASEB Journal (Ref.2), é uma revisão descrevendo o crescente ceticismo em relação à adoção da cloroquina e da hidroxicloroquina - a cloroquina é uma forma mais tóxica da hidroxicloroquina, e a percursora desta última, e aparentemente menos eficiente contra o SARS-CoV-2 - para o tratamento da COVID-19. Além dos riscos associados a efeitos colaterais cardíacos, os pesquisadores buscaram analisar as atividades antivirais e imuno-modulatórias associadas aos fármacos que poderiam potencialmente ajudar ou mesmo prejudicar os pacientes infectados pelo SARS-CoV-2.
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Os pesquisadores sugeriram, nesse sentido, que esses medicamentos podem inibir reações imunes inatas críticas para a defesa viral, assim como a geração de imunidade adaptativa e célula-mediada que é também necessária para controlar um vírus como o SARS-CoV-2. Eles concluíram que é preciso cuidado ao se receitar fármacos para uma doença ainda amplamente desconhecida e com boa base científica apenas em estudos in vitro.
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Nesse último ponto, é mais do que válido citar um estudo publicado no periódico American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine (Ref.3), no qual foi mostrado que a maioria dos pacientes com um quadro mais grave - geralmente envolvendo síndrome respiratória aguda grave - se recuperavam da COVID-19 apenas com o tratamento padrão visando falha respiratória. Os pesquisadores analisaram cuidadosamente os dados de 66 pacientes criticamente doentes tratados no Hospital Geral de Massachusetts (MGH) e no Centro Médico Diaconisa de Israel (BIDMC) entre 11 de março e 30 de março. Eles mostraram que a taxa de morte desses pacientes - que estavam sob tratamento padrão - foi de 16,7%, muito similar daquela reportada em outros hospitais. Além disso, ao longo de um período médio de 34 dias, 75,8% dos pacientes que estavam em ventiladores foram liberados da UTI.
Nesse último estudo, com base nos achados, os pesquisadores alertaram para o uso de novas terapias com baixo suporte científico de eficácia para o tratamento de pacientes com COVID-19. Seria aconselhável esperar por testes clínicos randomizados de grande porte antes de usar um ou outro medicamento ou terapia, e focar nas guias cientificamente bem estabelecidas para o tratamento de pacientes.
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> Um estudo publicado no JAMA Cardiology (Ref.4) e outro como preprint no medRxiv (Ref.5) - ambos recentes (maio) - reportaram que boa parte dos pacientes recebendo hidroxicloroquina, e especialmente se estivessem usando concomitantemente azitromicina, expressavam anormalidades associadas à atividade cardíaca. Os pesquisadores alertaram para o uso a esmo desses medicamentos sem bom suporte científico para tal.
> IMPORTANTE: No momento, apenas um único medicamento - o remdesivir - possui bom suporte científico de eficácia (apesar de limitada) para o tratamento da COVID-19. Para mais informações, acesse: Remdesivir mostrou substancial eficácia clínica no tratamento da COVID-19
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REFERÊNCIAS
- https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2012410
- https://faseb.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1096/fj.202000919
- https://www.atsjournals.org/doi/pdf/10.1164/rccm.202004-1163LE
- https://jamanetwork.com/journals/jamacardiology/fullarticle/2765633
- https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.27.20074583v1
Hidroxicloroquina não é eficiente contra a COVID-19, sugere estudo observacional
Reviewed by Saber Atualizado
on
maio 09, 2020
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